O Estado de S. Paulo
Improvisação e ações populistas contra a alta de preços podem ser mais danosas que os reflexos econômicos da aventura de Vladimir Putin
Putin chegou atrasado, mas deu sua contribuição ao desarranjo econômico do Brasil. A inflação brasileira, uma das maiores do mundo, já superava 10% em 12 meses antes do primeiro tiro contra a Ucrânia. Em janeiro, bateu em 10,38%. Em fevereiro, atingiu 10,54%, mas a invasão do território ucraniano só começou no dia 24. A guerra e as sanções à Rússia agravaram as condições de um mercado internacional já inflacionado. Subiram as cotações de alimentos e do petróleo. A Petrobras acabou elevando os preços do óleo diesel, da gasolina e do gás de cozinha, encerrando um estranho congelamento mantido por 57 dias. A aventura russa abalou, finalmente, o dia a dia dos brasileiros, mexendo nos preços, aumentando a insegurança de uma economia emperrada e reforçando as tentações de jogadas populistas e de novos desatinos eleitoreiros.
Os desatinos já começaram, com o avanço, no
Congresso, de projetos de redução de tributos federais e estaduais para conter
o avanço dos preços de combustíveis. A pauta emergencial inclui, também, o
pagamento de auxílios – de subsídios, portanto – ao consumo de gasolina por
motoristas de baixa renda. A ameaça aos Estados, aos municípios e aos valores
federativos é evidente.
Governos estaduais dependem do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para prover educação, saúde,
segurança, Justiça, obras de infraestrutura e a manutenção do aparelho
administrativo. Parte dessa receita é passada aos municípios. Mexer no ICMS,
afetando a arrecadação do principal tributo recolhido pelos Estados, é uma
violência indisfarçável contra a gestão pública, a Federação e a decência
política.
Confusão e irresponsabilidade são
evidentes. Presidente, ministros e parlamentares têm corrido para aprovar e
anunciar medidas improvisadas, de curto alcance e alto custo. Poderiam pensar
em meios de aliviar a situação de algum grupo bem definido e mais necessitado,
como as famílias pobres, muito pressionadas pelo encarecimento da energia
elétrica e do gás. Em um ano, o preço do item “combustíveis domésticos” aumentou
27,67%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O da
eletricidade subiu 28,12%. Os combustíveis de veículos encareceram 33,33% nos
12 meses até fevereiro.
Esses desarranjos são explicáveis pela
evolução das cotações internacionais, pela má administração da crise energética
brasileira e por desmandos presidenciais, causas frequentes da valorização
excessiva do dólar. Prevista em 2020, a crise energética manifestouse em 2021.
O Executivo, no entanto, demorou a reconhecêla publicamente. Em seguida, foi
incapaz de coordenar uma campanha clara e eficiente de uso econômico da
eletricidade, limitando-se à elevação de tarifas.
Antes do efeito Putin, projeções do mercado
indicavam para 2022 uma inflação próxima de 5,5% e juros básicos, no fim do
ano, de 12,25%. A meta de inflação deste ano é de 3,5%, com tolerância de 1,5
ponto para cima ou para baixo. Confirmada a previsão, a alta de preços mais uma
vez terá superado o limite superior de tolerância. No ano passado esse limite
era de 5,25%, mas os preços ao consumidor aumentaram 10,06%.
O surto inflacionário ainda muito forte é
parte de um cenário desastroso. Na segunda-feira passada, a mediana das
projeções do mercado apontava uma expansão de 0,42% para o Produto Interno
Bruto (PIB) em 2022 e de 1,5% em 2023, com inflação de 3,51%, superior ao
centro da meta (3,25%). O compromisso do Banco Central (BC), neste momento, é
conduzir a alta de preços ao centro do alvo até o fim do próximo ano. Esse
compromisso implica manter o aperto monetário ainda por vários meses, com
alguma redução dos juros só em 2023.
Na quarta-feira o BC deverá anunciar uma
decisão sobre juros. Segundo a maioria dos economistas ouvidos pela Agência
Estado, nos últimos dias, a taxa básica deve passar de 10,75% para 11,75%.
Novos aumentos ocorrerão nos meses seguintes e alguns especialistas já estimam
taxas superiores a 12,25% no fim de 2022. Mesmo sem esse arrocho adicional, a
política monetária é bastante apertada para prejudicar o crescimento econômico,
já muito fraco.
Os desempregados eram 12 milhões, ou 11,1%
da força de trabalho, no trimestre final de 2021. Não há como prever uma
melhora rápida e relevante. Somando o desemprego, a precária remuneração da
maior parte dos ocupados e a corrosão da renda pela alta de preços, as famílias
terão muita dificuldade para aumentar seus gastos. Sendo o consumo familiar o
principal motor da indústria e dos serviços, é difícil de imaginar, agora, uma
expansão econômica muito superior àquela estimada no mercado.
Juros altos complicarão este quadro, antes
de produzir uma baixa significativa da inflação. Medidas populistas para animar
a economia terão efeitos limitados e custos altos para as finanças públicas.
Mas nada além de populismo tem sido visível na agenda de Bolsonaro, agora afetada
também pelos efeitos inflacionários da aventura de Putin. Mas Putin, não custa
repetir, apenas contribuiu para agravar uma situação já muito ruim.
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