O Globo
Jair Bolsonaro conseguiu, às vésperas do
início oficial de uma campanha há muito já em curso, emparedar o Judiciário.
Não foram poucas as vezes em que tentou anteriormente, com arroubos como os
atos que culminaram no 7 de Setembro de 2021 ou com a campanha pelo voto
impresso.
Nos lances anteriores, fracassou sem
exatamente ser contido pelas instituições. Suas manifestações e gestos, que já
denotavam a intenção de minar a Justiça, foram enfrentados com inquéritos no
próprio Supremo Tribunal Federal, cujo efeito foi sendo diluído no tempo graças
a um conjunto de omissões — a começar pelo Ministério Público Federal.
Pois agora, com o decreto em que concedeu a
graça presidencial ao deputado Daniel Silveira, Bolsonaro conseguiu encurralar
o Supremo de tal maneira que se torna difícil prever os próximos passos.
Como a investida foi de tal forma bem
aplicada, o Legislativo também passou a claramente vislumbrar uma nova
realidade em que seus integrantes são inatingíveis pela Justiça, algo que
também não começou agora, com o parlamentar anabolizado que se recusa a usar
tornozeleira eletrônica.
Desde que se organizou a reação à Lava-Jato, de tal modo que todos os políticos escapassem incólumes, foram votadas e aprovadas pelo Congresso várias medidas que minam instrumentos de investigação de crimes do colarinho branco que haviam sido instituídos ou endurecidos nos anos subsequentes. A Vaza-Jato mostrou relações indevidas entre procuradores de Curitiba e o juiz Sergio Moro? Sim, mas a reação coordenada já havia começado antes e não diz respeito apenas aos investigados da 13ª Vara.
Da mesma maneira, a revisão dos processos
da Lava-Jato e o arquivamento de uma sucessão de denúncias contra políticos de
diferentes partidos pelos tribunais superiores fizeram uma parcela da população
associar o Supremo à impunidade, sentimento que bizarramente agora Bolsonaro
consegue mobilizar enquanto ele, sim, dá salvo-conduto a um deputado que
cometeu crime contra a democracia ao ameaçar integrantes da Corte.
Estamos começando a pagar o preço pela
letargia em entender que um governante disposto a bagunçar o coreto, quando
encontra os responsáveis pelos freios e contrapesos dispostos a lhe passar a
mão na cabeça e a deixar a coisa rolar até a eleição, na esperança de tirá-lo,
pode surpreender com a mudança nas regras do jogo no meio do caminho.
Um dos piores desserviços nessa trajetória
contínua e nunca disfarçada de Bolsonaro para desmoralizar a Justiça foi
praticado pelo ex-presidente Michel Temer, com aquela cartinha a Alexandre de Moraes
quando, já ali, o presidente deixava clara sua intenção de descumprir ordens
judiciais.
É insano contemporizar e dizer que um
autocrata em formação não cometerá as afrontas à Constituição que anuncia em
alto e bom som, muitas vezes com transmissão ao vivo, para cumprir seu objetivo
único de permanecer no poder.
É, ainda, uma grave forma de conivência com
o avanço perigoso da bagunça rumo a impasses como o que agora se vê. Alexandre
de Moraes testou a temperatura da água nesta terça-feira, com um despacho em
que tenta mostrar que o julgamento do STF que condenou Silveira por 10 votos a
1 ainda vale alguma coisa.
Que fizeram, ato contínuo, os presidentes
da Câmara e do Senado? Disseram que nada disso: a perda de mandato do fanfarrão
dependerá do Legislativo. E quando isso será votado, deputado Arthur Lyra? Ele
e Pacheco não demonstram ter a menor compreensão de que, ao brincarem à beira
do precipício em que um dos Poderes foi posto por Bolsonaro, o próximo poderá
ser aquele que presidem.
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