Folha de S. Paulo
Sem projeto, economia à deriva e deprimida
padece também de epidemia de destruição institucional
O tamanho
da valorização do real e da entrada de dinheiro no Brasil do primeiro
trimestre foi surpresa quase geral. Fez com que a manada dos mercados
financeiros, então pessimista quanto ao câmbio, mudasse de direção. Parte do
gado até passaria a correr para a porteira do dólar a R$ 4,50.
Desde a semana passada, os bois se
atropelam na direção contrária porque a biruta da finança mundial virou,
sabe-se lá até quando. O dólar
está perto de R$ 5 outra vez, valorização mais ou menos disseminada pelo
mundo, mas mais forte por aqui, como de hábito.
Na maior parte do tempo, os mercados daqui são toureados pelo que se passa nas praças do centro do mundo, não é novidade. Talvez o preço do dólar fosse um tanto menos instável se a economia brasileira não fosse tão conturbada. Isto é, se tivesse crescimento regular, inflação estável e dívida pública contida, para ficar apenas no feijão com arroz.
Mas a gente não come nem feijão com arroz.
A gente mal se ocupa do básico mesmo em tempos menos anormais. Agora, em
particular, promovemos mais um surto de destruição, parte de uma epidemia, na
verdade. Não há debate econômico ou qualquer outro sobre o futuro, além daquele
de círculos especializados.
Do que tratamos nestes dias? De mais um
passo da normalização autoritária. Do perdão
de Jair Bolsonaro para o deputado ferrabrás das cavernas. A Presidência da
República entrega mais e mais poderes sobre o Orçamento a fim de avançar com decretos
sobre a ordem constitucional restante e fazer campanha golpista impune.
O Congresso pensa
em como aumentar a impunidade do pessoal da sua corporação. Trata de lei
"urgente" para aumentar favores fiscais para igrejas e facilitar suas
transações com o Estado. Comemora com prefeitos o "Orçamento
secreto", que dá mais dinheiro para paróquias e currais parlamentares.
Vemos mais um capítulo da desmoralização
progressiva do Supremo,
em boa parte culpa do próprio STF, que entrou no jogo político-partidário faz
década e meia.
O que isso tem a ver com o dólar ou com a
economia? Nada. Justamente, nada.
A política econômica no sentido mais amplo
está à deriva faz quase uma década, a economia está em depressão por quase
tanto tempo. Desde setembro, o comando da economia está entregue a ignorâncias
e exigências eleitorais de Bolsonaro. Mal e mal, sobrou o Banco Central,
atropelado por um surto global de inflação, sem esteio de política fiscal, e
agora sujeito às turbulências recorrentes nos fluxos de dinheiro grosso do
mundo.
Como de costume, mudanças
de tom e ritmo da política monetária (de juros) do Estados Unidos causam
problema. A notícia de que o Fed, o BC deles, vai ter de endurecer o jogo
detonou o surto recente de desvalorização do real, auxiliado pelo fato de
a China talvez
crescer menos, por causa de Covid.
Essas reviravoltas de curtíssimo prazo são
rotina. Crises financeiras grandes ou aberrações são norma pelo menos desde
1997 (uma aberração normalizada é o financiamento dos governos ricos pelos seus
bancos centrais, "impressão de dinheiro", o que vem desde 2008).
Resistimos ainda menos tanto aos faniquitos
de curto prazo quanto à "mudança climática" da finança do mundo. Não
temos imunidade, o mínimo de estabilidade ou projeto de resolver o desastre
econômico.
Em vez disso, ora nos dedicamos a abalar ou
destruir as instituições da nossa democracia sempre fraquinha: separação entre
Poderes, garantia de eleições regulares, responsabilização de autoridades,
laicidade do Estado. Notem, é uma lista de sintomas de ruína que estamos vendo
por estes dias, mas que apareceram faz quase década.
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