quarta-feira, 27 de abril de 2022

Vinicius Torres Freire: O dólar e a ruina brasileira

Folha de S. Paulo

Sem projeto, economia à deriva e deprimida padece também de epidemia de destruição institucional

tamanho da valorização do real e da entrada de dinheiro no Brasil do primeiro trimestre foi surpresa quase geral. Fez com que a manada dos mercados financeiros, então pessimista quanto ao câmbio, mudasse de direção. Parte do gado até passaria a correr para a porteira do dólar a R$ 4,50.

Desde a semana passada, os bois se atropelam na direção contrária porque a biruta da finança mundial virou, sabe-se lá até quando. O dólar está perto de R$ 5 outra vez, valorização mais ou menos disseminada pelo mundo, mas mais forte por aqui, como de hábito.

Na maior parte do tempo, os mercados daqui são toureados pelo que se passa nas praças do centro do mundo, não é novidade. Talvez o preço do dólar fosse um tanto menos instável se a economia brasileira não fosse tão conturbada. Isto é, se tivesse crescimento regular, inflação estável e dívida pública contida, para ficar apenas no feijão com arroz.

Mas a gente não come nem feijão com arroz. A gente mal se ocupa do básico mesmo em tempos menos anormais. Agora, em particular, promovemos mais um surto de destruição, parte de uma epidemia, na verdade. Não há debate econômico ou qualquer outro sobre o futuro, além daquele de círculos especializados.

Do que tratamos nestes dias? De mais um passo da normalização autoritária. Do perdão de Jair Bolsonaro para o deputado ferrabrás das cavernas. A Presidência da República entrega mais e mais poderes sobre o Orçamento a fim de avançar com decretos sobre a ordem constitucional restante e fazer campanha golpista impune.

Congresso pensa em como aumentar a impunidade do pessoal da sua corporação. Trata de lei "urgente" para aumentar favores fiscais para igrejas e facilitar suas transações com o Estado. Comemora com prefeitos o "Orçamento secreto", que dá mais dinheiro para paróquias e currais parlamentares.

Vemos mais um capítulo da desmoralização progressiva do Supremo, em boa parte culpa do próprio STF, que entrou no jogo político-partidário faz década e meia.

O que isso tem a ver com o dólar ou com a economia? Nada. Justamente, nada.

A política econômica no sentido mais amplo está à deriva faz quase uma década, a economia está em depressão por quase tanto tempo. Desde setembro, o comando da economia está entregue a ignorâncias e exigências eleitorais de Bolsonaro. Mal e mal, sobrou o Banco Central, atropelado por um surto global de inflação, sem esteio de política fiscal, e agora sujeito às turbulências recorrentes nos fluxos de dinheiro grosso do mundo.

Como de costume, mudanças de tom e ritmo da política monetária (de juros) do Estados Unidos causam problema. A notícia de que o Fed, o BC deles, vai ter de endurecer o jogo detonou o surto recente de desvalorização do real, auxiliado pelo fato de a China talvez crescer menos, por causa de Covid.

Essas reviravoltas de curtíssimo prazo são rotina. Crises financeiras grandes ou aberrações são norma pelo menos desde 1997 (uma aberração normalizada é o financiamento dos governos ricos pelos seus bancos centrais, "impressão de dinheiro", o que vem desde 2008).

Resistimos ainda menos tanto aos faniquitos de curto prazo quanto à "mudança climática" da finança do mundo. Não temos imunidade, o mínimo de estabilidade ou projeto de resolver o desastre econômico.

Em vez disso, ora nos dedicamos a abalar ou destruir as instituições da nossa democracia sempre fraquinha: separação entre Poderes, garantia de eleições regulares, responsabilização de autoridades, laicidade do Estado. Notem, é uma lista de sintomas de ruína que estamos vendo por estes dias, mas que apareceram faz quase década.

 

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