O Globo
Os prédios que se desmancham no Grande
Recife são uma ótima metáfora do Brasil, terra de soluções fáceis, imediatistas
Um prédio desabou, na semana passada, na
Região Metropolitana do Recife, matando 14 pessoas — entre elas, quatro
crianças. O imóvel havia sido interditado em 2010, por problemas estruturais,
mas fora reocupado, irregularmente. Há mais de uma década, famílias que não
tinham onde morar arriscavam a vida no interior do edifício condenado.
Em 33 anos, na mesma região, já ruíram 17
“edifícios-caixão”, de alvenaria autoportante. A palavra “caixão” era para
significar apenas uma caixa grande, mas tem se mostrado premonitória.
Não que a técnica, em si, seja pouco confiável — mas apresenta restrições: não permite remover paredes ou abrir novos vãos; os materiais têm de ser de boa qualidade; o terreno, estável; a execução, perfeita. Tudo muito difícil de garantir nas “habitações de interesse social”, nas quais o custo costuma ser o fator mais importante. Projeto, manutenção, acessibilidade, durabilidade, dignidade, conforto, segurança são só um detalhe.
O Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep)
identificou, no Grande Recife, perto de 5.300 edifícios construídos assim — sem
pilares ou vigas. Mais de mil foram considerados com alto risco de desabamento;
260, com risco muito alto. Não são só caixões: são bombas-relógio.
O déficit habitacional avança, e faltam
políticas públicas eficientes para eliminá-lo. Pesquisa da Fundação João
Pinheiro apontava a necessidade de 5,8 milhões de novas moradias (dados de
2019). Mas, em vez de priorizar um teto para quem se abriga em barracos
insalubres, sob marquises ou em prédios que podem ruir, o programa de casas
populares deve ser estendido a famílias de classe média.
Segundo a Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO), um em cada três brasileiros não se
alimenta com a quantidade ou a qualidade necessárias, e 21 milhões ficam sem
comida por um ou mais dias. Em média, 11 crianças menores de 5 anos são
internadas, diariamente, por problemas causados pela desnutrição.
“Quem tem fome tem pressa” é um lindo
slogan, mas não aquece a economia nem aumenta a arrecadação de impostos. Por
isso, em vez de focar na erradicação da miséria (e da fome), lá vamos nós
estimular a indústria automobilística e a de eletrodomésticos.
O Instituto Trata Brasil divulgou, em
março, que 100 milhões de brasileiros não têm rede de esgoto e falta água
potável para 35 milhões. Como a prioridade do governo é proteger empresas
deficitárias ou ineficientes, a meta do Marco Regulatório do Saneamento — garantir
fornecimento de água a 99% da população e tratamento de esgoto a 90% — vai pelo
ralo.
Em lugar de investir no ensino fundamental,
partimos para a briga contra a reforma do ensino médio e pela ampliação da
reserva de vagas em universidades por meio de cotas (agora, para os filhos de
vítimas da Covid-19).
Fosse o país uma edificação, seria como
caprichar no “rooftop” (que é como se diz terraço, em português) e investir nas
esquadrias, negligenciando as fundações.
Os prédios que se desmancham no Grande
Recife são uma ótima metáfora deste país-caixão, terra de soluções fáceis,
imediatistas. De políticas talhadas para um mandato, levadas a cabo por gente
cujo horizonte está apenas um palmo adiante do nariz.
Tem tudo para dar certo a longo prazo.
Confia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário