O Estado de S. Paulo
Quando a ameaça de demissão não mais constrange é porque a degradação se tornou normal
Aos 86 anos e com sua saúde debilitada, o
papa Francisco deixou o Vaticano no domingo e se dirigiu ao Palazzo Madama,
sede do Senado italiano, em Roma. Ali se postou em silêncio e rezou diante do
caixão de um ateu e ex-comunista, que expressara a vontade de ter um enterro
laico. Era Giorgio Napolitano, o único político a ser eleito duas vezes
presidente da Itália.
Francisco é o papa da encíclica Fratelli Tutti (Todos irmãos). Ele afirmou: “Às vezes aqueles que dizem não crer podem viver a vontade de Deus melhor do que os crentes”. A gravidade do momento parecia reconciliar as duas grandes forças políticas que conduziram a Itália no pós-guerra: a Democracia Cristã e o Partido Comunista. Não é preciso saber que nem a racionalidade, nem a sociedade ou as normas e valores podem ter uma existência fora da linguagem para se compreender o alcance do gesto. A importância da autoridade também está no exemplo.
A República se alimenta deles e das leis.
Seus funcionários deveriam desconhecer a vulgaridade e o deboche, facilmente
identificáveis por aqueles que comparecem às urnas de dois em dois anos. Quando
nem a ameaça de demissão serve de constrangimento para controlar a conduta do
agente público, é porque a degradação se tornou normal. Para saber disso, não é
necessário conhecer As Regras do Método Sociológico.
O mesmo vale para o comportamento de Marcelle
Decothé, a então chefe da assessoria especial da ministra Anielle Franco
(Igualdade Racial). Torcedora do Flamengo, pegou uma carona em um avião da FAB
para ir a um evento do ministério no Morumbi, no dia em que seu time e o São
Paulo disputavam a Copa do Brasil. Ali publicou em uma rede social a seguinte
mensagem: “Torcida branca que não canta, descendente de europeu safade”. Seria
só uma pilhéria tola de uma flamenguista? E, portanto, perda de tempo lembrar
que, do outro lado, havia a Tricolor Afro ou o Comando Feminino, agremiações
presentes na curva sul do Morumbi? Seria um mero bate-boca de torcidas? Não.
Não é só disso que se trata.
O problema da assessora que recebia R$ 15 mil
do erário por mês é o exemplo. As imagens dela e da ministra no conforto do
avião e, depois, a caminho do estádio em um carro da PF em meio a postagens com
provocações pueris exibem uma postura de quem teria resolvido curtir a vida com
dinheiro público. O dicionário de linguagem não binária da dupla acaba de
ganhar um novo vocábulo: mordomie. O MPF e o TCU poderiam ensinar-lhes que a
probidade administrativa é um dever de todes.
Em tempo: só agora se soube que Napolitano
não torcia pelo Napoli, mas para a Lazio.
Um comentário:
Já sabemos que eles são assim desde o queijo coalho pago com cartão corporativo.
MAM
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