O Globo
O golpe do capitão foi abafado pelo silêncio
Bolsonaro, com meia dúzia de generais
palacianos e algumas dúzias de oficiais da reserva, sonhou com um golpe. Tinha
ingredientes de outros golpes, mas faltou-lhe o apoio de um tipo de general
inescrutável, por calado.
É natural que se dê atenção aos generais que
falam. Noves fora o fato de eles quase sempre estarem de pijama, ou no comando
de mesas, é impossível ouvir quem não fala.
Como o golpe de 1964, o de Bolsonaro
mobilizou alguns milhares de pessoas, mas faltou musculatura a essas
manifestações. Quando ela aconteceu, no 8 de Janeiro, descambou para o
vandalismo.
Como o de 1968, o golpe foi tramado no
Planalto, com a simpatia do ministro da Justiça. A quartelada de Bolsonaro,
desde o início, desafiava uma legítima manifestação eleitoral. Esse golpismo
teve ajuda de oficiais que sopravam as brasas da contestação das urnas
eletrônicas.
O golpe tinha os ingredientes, mas
faltava-lhe um eixo. Faltou-lhe sobretudo a unidade rebelada. Em 1964, bem ou
mal, o general Mourão Filho comandava uma Região Militar. Mourão desafiou um
governo que havia estimulado a indisciplina militar. Bolsonaro desafiava um
resultado eleitoral.
Golpes vitoriosos ganham adesões. Golpes fracassados caem no ridículo.
Em 1984, quando a candidatura de Tancredo
Neves atropelou o governo do general João Batista Figueiredo e
a candidatura de Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, havia bolsões golpistas.
Foram travados no Alto-Comando do Exército. Quem se lembra dos generais Ademar
Costa Machado e Jorge de Sá Pinho? Calados, ajudaram a neutralizar os golpistas
e, calados, passaram para a reserva.
Uma vinheta daquele tempo: no segundo
semestre de 1984, com Tancredo virtualmente eleito, no Centro de Informações do
Exército concebeu-se uma operação de propaganda mentirosa. Imprimiram-se
cartazes com fundo vermelho, uma imagem de Tancredo, uma foice e martelo e a
legenda “Chegaremos Lá”. Mobilizaram-se soldados do Comando Militar do Planalto
(CMP), comandado pelo general Newton Cruz, um ícone da época.
Os soldados colavam os cartazes, chegou a
polícia e os levou para uma delegacia. Apareceu um coronel do CMP e, com uma
carteirada, soltou-os. O caso explodiu na imprensa, denunciando a bruxaria.
Com a palavra, o general Newton Cruz:
— Na reunião do Alto-Comando, pouco depois, o
general comandante do Rio interpelou o ministro Walter Pires sobre o caso dos
bruxos, dizendo que a imprensa estava insistindo muito no assunto. Então o
Pires disse: “Gente do meu gabinete, não foi”. Eu estava na reunião e senti um
frio na espinha. O chefe do CIE estava atrás dele. Se não tinham sido eles,
então tinha sido eu.
Sobrou para Newton Cruz. Na reunião seguinte
do Alto-Comando, ele foi preterido na promoção a general de Exército e passou
para a reserva.
Bolsonaro foi eleito e governou esticando a
corda das relações da sociedade com as Forças
Armadas. Desperdiçou 30 anos de trabalho de chefes militares que
recompuseram a relação das Forças. Antes dele, o Exército foi comandado pelos
generais Enzo Peri e Gleuber Vieira. Nunca disseram uma palavra. Gleuber, por
exemplo, viu de tudo e falou nada.
Durante toda a segunda metade do século
passado, só João Goulart e
Bolsonaro esticaram essa corda. Um foi deposto, o outro viu seu golpe virar
baderna. Coisa dos generais calados.
Um comentário:
''Século passado?'',não entendi.
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