quarta-feira, 27 de setembro de 2023

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Ação no STF pode resolver impasse dos precatórios

O Globo

Sugestão da AGU embute riscos, mas tem o mérito de tentar reconhecer um passivo hoje fora da contabilidade

Será ainda preciso examinar as minúcias da iniciativa da Advocacia-Geral da União (AGU) para levar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a questão das dívidas da União reconhecidas pela Justiça sem possibilidade de recurso — os precatórios. Mas, ainda que traga riscos, a ideia tem potencial para resolver um problema herdado do governo Jair Bolsonaro que só tende a se agravar no futuro.

Até 2021, a União pagava os precatórios em dia, como manda a lei. Para ter mais dinheiro à disposição, Bolsonaro obteve do Congresso permissão para adiar os pagamentos. A desculpa era a necessidade de garantir recursos a seu programa de transferência de renda, então chamado Auxílio Brasil. Com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, ficou estabelecido um teto para os pagamentos. O montante acima do limite foi empurrado para os anos seguintes.

Bolsonaro pôde gastar mais no ano eleitoral, mas deixou aos sucessores uma dívida que, com juros e correção, cresce exponencialmente. Pelos cálculos do governo, se as regras atuais não forem modificadas, o pagamento de precatórios em 2027 ficará próximo de R$ 200 bilhões. Nesse cenário, a parte do Orçamento não engessada ficará comprometida pela necessidade de honrar as dívidas, com impacto negativo de 0,23% do PIB no resultado primário.

Na ação impetrada no STF, a AGU sustenta que as mudanças realizadas pelo governo Bolsonaro por meio da PEC dos Precatórios são inconstitucionais. Se o Supremo acatar o pedido da AGU, o Tesouro Nacional terá de pagar tudo o que deve até o final do ano que vem. Para fazer isso sem provocar uma hecatombe nas contas públicas, o governo propõe uma saída engenhosa. O principal da dívida seria considerado gasto primário, entrando no cálculo do resultado fiscal. Mas os encargos — juros e correção — seriam classificados como despesa financeira, portanto não sujeita às metas fiscais. Os precatórios a partir de 2025 seguiriam a mesma divisão.

Ainda faltam detalhes sobre como o pagamento seria feito e sobre seu impacto fiscal. Pelas estimativas do banco BTG Pactual, o estoque de precatórios a pagar chegará a R$ 95 bilhões no ano que vem. Se o principal dessa dívida for menor que o valor estipulado no teto de pagamento estabelecido pela PEC dos Precatórios, o governo conseguiria liberar espaço para mais gastos. Mas esse não é o cenário mais provável. Estimativas preliminares avaliam o pagamento de precatórios em R$ 63 bilhões no ano que vem, ante um teto de R$ 44,8 bilhões. Para os analistas, portanto, o impacto fiscal seria positivo, pois haveria o reconhecimento de um passivo hoje fora da contabilidade.

O principal risco da proposta está na manobra sugerida pela AGU. É verdade que ela tem lastro na teoria contábil, pois juros e correção são mesmo despesas financeiras. Mas abre um precedente ao reclassificar os gastos para calcular o resultado fiscal. Diante das dificuldades para cumprir as metas de estabilização da dívida pública, o governo poderia entrar num jogo de faz de conta, mudando conceitos no papel para maquiar a realidade. Seguir por esse caminho seria um erro. Se aceitar a sugestão da AGU, o STF deveria se esforçar por impor limites à reclassificação das despesas.

Acordos de não persecução com réus do 8 de Janeiro são legítimos

O Globo

Aplicação de penas mais leves está prevista em lei, mas não pode ser anistia ou alívio à carga do STF

Embora as imagens dos ataques de 8 de janeiro sejam marcadas por cenas de multidões quase uniformes, nem todos os acusados pelos atos antidemocráticos agiram da mesma forma. Não cometeram, portanto, os mesmos crimes. Por isso faz bem a Procuradoria-Geral da República (PGR) em propor Acordos de Não Persecução Penal a denunciados que não tenham praticado violência. Isso significa que suas ações no Supremo Tribunal Federal (STF) poderão ser suspensas em troca do cumprimento de penas mais leves, como prestação de serviços comunitários ou multas.

Os primeiros dez acordos foram fechados na semana passada, com aval do ministro Alexandre de Moraes, relator dos casos no Supremo. Os beneficiados são cidadãos que ficaram acampados em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, tendo sido denunciados por incitação aos atos golpistas. Ao todo, 1.125 acusados que não se envolveram em atos violentos poderão fazer acordo. Segundo a PGR, 301 já se mostraram interessados.

Recentemente, o STF condenou os primeiros três réus que participaram das invasões, a penas entre 14 e 17 anos. É certo que os envolvidos nos atos golpistas precisam receber punição severa à altura do crime, para que episódios de semelhantes de ameaça à democracia não se repitam. Mas, num julgamento com mais de mil réus, as penas precisam ser proporcionais à gravidade dos crimes.

A celebração de acordos está prevista em lei para casos em que a pena é inferior a quatro anos de prisão. Não significa que os denunciados ficarão impunes. Após confessarem seus crimes, terão de prestar ao menos 300 horas de serviços à comunidade ou a entidades públicas, além de pagar multas que variam de R$ 5 mil a R$ 20 mil, dependendo da condição financeira. Precisarão ainda frequentar um curso sobre “Democracia, Estado de Direito e golpe de Estado” e não poderão manter perfis abertos em redes sociais. São punições justas e pedagógicas.

Um dos desafios da Justiça ao julgar os vândalos e golpistas do 8 de Janeiro é saber identificar as diversas condutas que, disfarçadas sob o manto de um patriotismo distorcido, resultaram na tentativa de aplicar um golpe de Estado. Ir para a frente do QG do Exército repudiar a vitória legítima de Luiz Inácio Lula da Silva, pedir a intervenção das Forças Armadas e defender a permanência no poder do então presidente Jair Bolsonaro são atitudes sem dúvida condenáveis. Mesmo assim, de gravidade menor do que agir com violência para destruir as sedes dos três Poderes.

Os acordos propostos pela PGR desempenham papel importante por deixar as penas mais severas àqueles que comprovadamente financiaram, organizaram, tramaram, destruíram patrimônio ou simplesmente se omitiram com o intuito de promover o golpe. Mas esses acordos devem ser consequência da estrita aplicação da lei para crimes de menor gravidade, e não uma anistia descabida ou apenas uma forma de desafogar o STF, sobrecarregado com tantos casos. Isso seria frustrante.

Delações na berlinda

Folha de S. Paulo

Houve erros no uso do instrumento, importante para investigar poderosos

Decerto são pouquíssimos os criminosos que já ouviram falar na teoria dos jogos, mas todos eles intuem que têm algo a ganhar numa negociação de delação premiada com as autoridades.

Não há motivo para o Estado deixar de usar essa ferramenta matemática de combate ao crime. Isso é especialmente verdade no contexto de esquemas mais sofisticados, em que indivíduos hierarquicamente mais bem posicionados na organização delituosa quase nunca participam diretamente da execução dos desmandos.

Nesses casos, restam à Justiça poucos meios de investigação além da colaboração de ex-comparsas, que podem dar testemunhos e indicar onde e como outras provas podem ser levantadas.

A experiência do Brasil com o instituto da delação premiada ainda é muito breve. Embora estivesse prevista em legislações mais antigas, a prática só ganhou impulso real a partir da Lei das Organizações Criminosas (12.850, de 2013). Seria otimismo exagerado afirmar que ela vem funcionando a contento.

No papel, sempre foi preciso mais do que o testemunho de um colaborador para condenar alguém. Um dos princípios básicos do direito penal reza que, quando tudo o que se tem é a palavra de um contra a do outro, é o réu que se beneficia com a dúvida.

Entretanto, no afã de obter punições, procuradores e magistrados nem sempre tomaram esse cuidado elementar de instruir os processos de forma consistente.

Pior, parece razoável a suspeita de que, em alguns casos dos últimos anos, foram prolongadas prisões cautelares com o objetivo de forçar réus a negociar delações.

Mas o excesso de prisões preventivas, muitas delas longas em demasia, já é uma marca da Justiça brasileira, o que torna difícil avaliar a consistência dessa conjectura.

Magistrados não se saem muito melhor na tarefa de corrigir abusos. As trocas de mensagens entre Sergio Moro e procuradores da Lava Jato, capturadas por um hacker, mostraram que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não teve um juiz imparcial como exige a lei —razão suficiente para que as condenações ao petista fossem revertidas.

Após a mudança dos ventos políticos, porém, o Judiciário criou tantos e tão variados caminhos para anulações que hoje há fila para invalidar delações acertadas na apuração de desvios na Petrobras, como noticiou a Folha.

Mesmo réus que, assistidos pelos melhores advogados de defesa, confessaram crimes e devolveram dinheiro à estatal estão agora querendo voltar atrás em seus acordos. Não é impossível que a empresa tenha de restituir os montantes que conseguiu reaver —o que seria um vexame internacional.

Abusos sindicais

Folha de S. Paulo

Comprova-se que é preciso garantir oposição a cobrança autorizada pelo Supremo

Quando o Supremo Tribunal Federal formou maioria para permitir a cobrança de contribuição assistencial para sindicatos, esta Folha alertou para os riscos potenciais oriundos de falhas ou ausência de modulação da medida. De fato, bastou a conclusão do julgamento no último dia 11 para que sinais de práticas abusivas viessem à tona.

A corte decidiu pela constitucionalidade da taxa, desde que seja fixada em assembleia e que o direito de oposição seja preservado —ou seja, que o trabalhador possa recusar o pagamento.

No entanto, poucos dias após a decisão, noticiam-se casos de empregados e empregadores recebendo cobranças e enfrentando obstáculos para conseguir isenção.

Num exemplo, o Seaac, sindicato do setor de agentes autônomos de Sorocaba (SP), instituiu a cobrança de 12% ao ano sobre o valor do salário ou o pagamento de uma taxa de R$ 150 para quem se opuser.
Trabalhadores relatam que foram avisados da exigência no dia 14 e que teriam apenas até o dia 16 para registrarem oposição.

Apesar de o prazo ter sido estendido até o dia 20, profissionais dizem que seus documentos digitalizados foram recusados, que tiveram de esperar em longas filas e escrever cartas de próprio punho.

Já os sindicatos de domésticas da Grande São Paulo, de Jundiaí e Sorocaba foram além e, dois dias após a decisão do Supremo, passaram a enviar e-mails com cobranças referentes até 2018, inclusive com ameaça de ida à Justiça. No da Grande São Paulo, o prazo para a recusa é de somente dez dias.

Em boa hora, ao menos, a Força Sindical, entidade que reúne 1.700 sindicatos e representa cerca de 12 milhões de trabalhadores, divulgou nota na qual pede cautela e afirma não parecer razoável instituir taxas retroativas.

Acerca do tema, o STF disse apenas que as questões podem ser tratadas por recursos (embargos de declaração) apresentados até cinco dias depois de publicado o acórdão, que deve ser produzido em até 60 dias após o fim do julgamento.

Há o risco, como atestam especialistas, de insegurança jurídica e de uma enxurrada de processos na Justiça do Trabalho.

Urgem, como se vê, regulações para evitar abusos, como fixar limites de valor a ser cobrado ou o quórum necessário na assembleia para que a decisão seja válida. Mas, principalmente, é imperativo facilitar o exercício do direito de oposição garantido ao trabalhador.

Proposta esquisita

O Estado de S. Paulo

Corrigir erros do passado não pode ser ocasião para incorrer em novo equívoco. Ideia do governo Lula para dar fim ao calote de Bolsonaro nos precatórios recende a maquiagem fiscal

O governo Lula recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar o limite ao pagamento de precatórios estabelecido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. A solicitação está em uma petição da Advocacia-Geral da União (AGU), apresentada no contexto de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin) protocoladas pelo PDT e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Na peça, o governo solicita ao STF que reconheça a inconstitucionalidade das emendas constitucionais que impuseram um teto anual aos precatórios e autorize a abertura de R$ 95 bilhões em créditos extraordinários para quitar o estoque que ficou para trás. É o tipo de medida perigosa que merece uma análise cautelosa, levando em conta a origem do problema e a solução elaborada, bem como todas as suas implicações.

Tudo começou em 2021, quando o então ministro da Economia Paulo Guedes comparou as dívidas da União já reconhecidas pela Justiça a um “meteoro”. A estratégia não enganou ninguém. Era uma desculpa para adotar medidas populistas que não cabiam no Orçamento nem no teto de gastos às vésperas da campanha de Bolsonaro à reeleição.

Para dar ares de legalidade a esse calote institucionalizado, o Executivo recorreu a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, por óbvio, jamais contou com o apoio deste jornal (ver o editorial Calote e reeleição, de 24/9/2021).

Dito isso, ninguém haveria de criticar um governo que desiste dessa burla para retomar o pagamento dos precatórios com regularidade. Em tempos estranhos, pode parecer algo inovador ou revolucionário, mas é bom lembrar que pagar dívidas em dia é uma obrigação de todo e qualquer governo.

Mas o diabo, como todos sabem em Brasília, mora nos detalhes. Sem espaço no Orçamento para quitar todos os valores atrasados sem descumprir as metas fiscais, o Executivo sugeriu segregar as parcelas que compõem os precatórios. O principal da dívida continuaria a ser tratado como despesa primária, sujeito aos limites impostos pelo arcabouço fiscal e contabilizado na apuração da meta. Juros e correção monetária, por sua vez, passariam a ser classificados como despesa financeira – ou seja, aumentariam o endividamento, mas não afetariam o gasto primário nem o alcance da meta.

Em primeiro lugar, tal plano comprometeria a confiabilidade das estatísticas financeiras do País, oficialmente a cargo do Banco Central (BC). A ideia distorce os conceitos mais básicos da contabilidade pública e ignora as diretrizes do manual do Fundo Monetário Internacional (FMI), para quem despesas judiciais devem ser computadas como gastos primários.

Mas a essas críticas o governo se antecipou. Na petição, a AGU pede ao STF que empurre goela abaixo a nova classificação dos precatórios também ao BC – tipo de iniciativa que daria orgulho aos pais da contabilidade criativa que vigorou no governo Dilma Rousseff.

A correção de um erro do passado não pode ser ocasião para incorrer em um novo equívoco. Dar o devido fim à novela dos precatórios requer pagar os atrasados dentro das regras do arcabouço que o próprio governo propôs. O mecanismo tem flexibilidade para esse tipo de demanda extraordinária. O que o governo parece querer é desviar-se dos amargos gatilhos que o dispositivo impõe quando a meta é rompida.

Cheira a oportunismo o enorme esforço de comunicação que o governo fez para provar as boas intenções embutidas na proposta de regularização do pagamento dos precatórios. O secretário do Tesouro Nacional, Rodrigo Ceron, disse ao Estadão que o País está em “moratória” perante investidores. Reconhecer esse fato, no entanto, não implica justificar uma nova manobra para pagar os precatórios atrasados.

Reforçar a credibilidade do arcabouço passa por contabilizar todos os gastos de forma transparente, e não por recorrer a subterfúgios para alcançar um resultado primário sem valor de face. Para eliminar o calote de Bolsonaro, o governo Lula parece ter optado pela maquiagem fiscal. Essa conta pode até demorar a se materializar, mas também chegará, erodindo a credibilidade das contas públicas, algo que se leva muito tempo para construir e muito pouco para perder.

Um tremendo desrespeito

O Estado de S. Paulo

Ao sugerir que são insensíveis e machistas os críticos de seu passeio em avião da FAB para ver seu time do coração, ministra da Igualdade Racial desmoraliza as causas que deveria defender

É lamentável constatar que faltam à ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, três atributos que deveriam orientar seu comportamento como servidora pública: bom senso, responsabilidade e humildade. No domingo passado, a ministra foi ao estádio do Morumbi assistir ao jogo entre São Paulo e Flamengo, que valia o título da Copa do Brasil. O objetivo oficial da viagem era assinar um protocolo de ações entre o governo federal e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para combater o racismo no esporte. Depois de tão penosa missão, e como afinal ninguém é de ferro, a ministra, flamenguista declarada, aproveitou para torcer confortavelmente para seu time do coração a expensas dos contribuintes.

A despeito da razão pública que a trouxe até São Paulo, a ministra Anielle Franco demonstrou não ter o mínimo bom senso ao requisitar um jato da Força Aérea Brasileira (FAB) para se deslocar entre Brasília e a capital paulista. Seu colega do Ministério dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, foi mais sensato e optou por um voo comercial, muito menos custoso, para comparecer ao mesmo evento. Já o ministro dos Esportes, André Fufuca, outro que esteve no estádio em virtude da agenda oficial, só viajou em avião da FAB porque seu voo comercial atrasou e não havia outros partindo de São Luís com chegada a tempo da assinatura do protocolo com a CBF em São Paulo – informação confirmada por este jornal.

À falta de bom senso se somou a irresponsabilidade quando a sra. Anielle Franco achou que era o caso de agir como torcedora, não como membro do primeiro escalão do governo federal em viagem de trabalho. Diante do mau exemplo dado pela chefe, duas assessoras da ministra – Marcelle Decothé e Luna Costa, respectivamente chefe da Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos da pasta e assessora especial de comunicação estratégica – se sentiram autorizadas a também rasgar o figurino de servidoras públicas e se comportar como esses brucutus das torcidas organizadas, inclusive fazendo gestos obscenos para a torcida adversária.

Em uma rede social, a sra. Marcelle Decothé chegou a publicar um vídeo no qual agride gratuitamente a torcida do São Paulo – “branca, que não canta, descendente de europeu safade (sic)”. Na novilíngua da militância identitária, ainda escreveu o que parecia ser uma ofensa contra todos os paulistas. Diante dessa atitude indefensável, a exoneração, ocorrida no final da tarde de ontem, era a medida justa e necessária. Ganha o serviço público.

Servidor público não é vestal. O erro é normal, sobretudo quando cometido por neófitos na administração pública federal, como é o caso da sra. Anielle Franco. Mas aqui a falta de humildade da ministra falou mais alto. Em vez de reconhecer seus erros e pedir desculpas à sociedade, a ministra optou pelo caminho mais fácil – e errado – para rebater as justas críticas que recebeu: jogou na mesa a carta da mulher que abre mão de tudo, inclusive da família, para trabalhar pela “causa” em pleno domingo. É muita desfaçatez.

Numa demonstração de absoluto despreparo para lidar com o escrutínio público, a ministra se aborreceu por ser “questionada” enquanto fazia “seu trabalho de combater o racismo”. A sra. Anielle Franco ainda teve a audácia de recorrer à maternidade, um ponto sagrado para a sociedade brasileira, para justificar seu erro. “Precisei abrir mão de estar com a minha família e minhas duas filhas em um domingo para ir trabalhar. Quem tem filhas pequenas consegue entender o peso disso”, escreveu a ministra, como se fosse a mãe mais atarefada do País naquele domingo.

Se a ministra Anielle Franco não está preparada para que sua agenda pública seja escrutinada pelos cidadãos, deve colocar o cargo à disposição do presidente Lula da Silva. Em segundo lugar, se a ministra é tão ciosa da missão de combater o racismo, a misoginia e a violência de gênero, de resto uma pauta incontornável para qualquer país civilizado, não deveria desmoralizá-la, servindo-se dela como espécie de manto moral para encobrir seus deslizes.

Cautela, serenidade e moderação

O Estado de S. Paulo

Comitê de Política Monetária descreve de forma transparente por que mantém os juros em queda suave

Rica em detalhes sobre as condicionantes que levaram à queda de 0,5 ponto porcentual na taxa básica de juros, que passou para 12,75% ao ano, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) também deixou explícitas as divergências dos diretores do Banco Central (BC) no debate sobre o comportamento da economia e da inflação. Mas não abriu espaço para dúvidas: o ritmo do afrouxamento dos juros permanecerá o mesmo nas próximas reuniões – duas ainda neste ano. Nem mais nem menos. Ao menos pelo retrato desenhado até aqui.

Talvez mais importante do que os sinais expostos na ata, que enfatizaram a necessidade de manter ainda por período indeterminado a “cautela, serenidade e moderação” na definição da Selic, seja destacar o nível de transparência que a autoridade monetária passou a adotar para comunicar suas decisões. De forma clara, sem dubiedades ou informações cifradas, torna previsíveis seus próximos passos. A não ser, é óbvio, que um tsunami econômico externo ou doméstico mude completamente as avaliações.

Pelo documento é possível concluir que ainda não há um consenso no comitê sobre o motivo preponderante para a boa e surpreendente evolução do Produto Interno Bruto nos últimos trimestres. Seriam os efeitos nos demais setores da “pujança do setor agropecuário”? A própria ata conclui que esse fator não justifica toda a magnitude da surpresa. E segue relacionando possibilidades que entraram em discussão.

O aumento da renda – por diferentes fatores, inclusive programas públicos de transferência – impulsionando o consumo foi o tema mais relevante do debate, como se depreende do comunicado. O que confirma, ao fim das contas, que um desempenho econômico apoiado no consumo não pode ser chancelado como sustentável a ponto de garantir uma política monetária mais branda.

Mesmo considerando que ainda há fatores imprevisíveis fora da alçada interna, como a duração e intensidade do fenômeno El Niño e os efeitos da escalada de preço do petróleo sobre a inflação mundial, o Copom se mantém unido no “firme compromisso” de reaproximar expectativas econômicas e inflação.

E, ao mesmo tempo que os efeitos benéficos do avanço com a aprovação de reformas foram apontados entre as causas do desempenho econômico satisfatório, em outro trecho da ata o Copom acusa o esmorecimento do esforço por reformas estruturais pelo “efeito deletério” que reflete na “potência” da política monetária.

Recado mais claro sobre os prejuízos de uma atuação política claudicante, como a que vem marcando a aproximação do governo com o Congresso, impossível. Diante de argumentos como esse, caem no vazio as frequentes críticas do Planalto ao atual patamar de juros. À questão do arrefecimento das reformas, o BC juntou o aumento do crédito direcionado e as incertezas sobre a dívida pública.

Aliás, se antes a atenção da autoridade monetária estava voltada ao desenho final do arcabouço fiscal, depois da aprovação do projeto as dúvidas se concentram na execução da meta fiscal, que prevê zerar o déficit em 2024. Ceticismo que, pode-se afirmar sem medo de errar, é geral.

Brasil vende mais, mas sem atrair produção que deixa China

Valor Econômico

País cai no ranking dos maiores exportadores para os Estados Unidos

Ainda faltam mais de três meses para 2023 terminar e a balança comercial já ultrapassou o superávit obtido em todo o ano passado. O resultado positivo acumulado de janeiro a agosto ficou em US$ 62,4 bilhões, acima dos US$ 61,8 bilhões do saldo de 2022. Esses números estimulam previsões otimistas de que o ano vai fechar com superávit de US$ 70 bilhões até US$ 95 bilhões para os mais otimistas. O desempenho é excelente considerando-se que o mundo passa por um momento particularmente conturbado no comércio internacional, com a desaceleração das transações, o acirramento da disputa entre os EUA e a China e a continuidade do conflito no Leste Europeu, que colocam em xeque a globalização.

O aumento do volume exportado e a diminuição do importado são os principais motivos para o resultado positivo da balança comercial brasileira, segundo o boletim do Indicador de Comércio Exterior (Icomex) da Fundação Getulio Vargas (FGV), uma vez que os preços estão em queda nos dois casos. As commodities compõem cerca de 70% das exportações, lista liderada por soja em grão, petróleo bruto, minério de ferro, milho e açúcar bruto. No caso das importações, a relação é encabeçada por adubos e fertilizantes, óleos combustíveis, produtos da indústria de transformação, medicamentos, válvulas e equipamentos de telecomunicações.

Um destaque deste ano é a balança comercial de petróleo e derivados, que teve superávit recorde para o período, de US$ 13,8 bilhões, 33,3% maior do que os US$ 10,35 bilhões dos oito primeiros meses do ano passado. Os volumes exportados de petróleo e derivados cresceram 25,4% em comparação com o mesmo período de 2022, enquanto os preços caíram 25%. Já as importações mostraram queda nas quantidades (6,6%) e nos preços (18,1%).

Desde 2016, o Brasil registra saldo positivo no comércio internacional de petróleo e derivados, e a tendência é de que siga com participação expressiva até o fim da década, apesar do movimento global de substituição dos combustíveis fósseis por alternativas renováveis, por conta das pressões ambientais. As vendas deverão ser impulsionadas pelos volumes, num cenário de aumento da produção até o fim da década.

O petróleo bruto é o segundo produto mais exportado pelo Brasil, respondendo por 11% das vendas entre janeiro e agosto, atrás da soja, com 19%. Do outro lado, o Brasil importa mais derivados, segundo item na pauta. No caso do óleo diesel, por exemplo, o país produz o equivalente a cerca de 75% da demanda interna.

De acordo com as estatísticas brasileiras, a China se mantém como principal mercado externo, com 30,2% das exportações, seguida pelos EUA, com 10,5%, e a Argentina, com 5,6%. O superávit com a China explicou 53% do saldo positivo da balança comercial. Em valor, as exportações cresceram para a China (8,0%) e a Argentina (19,7%).

As recentes dificuldades da economia chinesa, especialmente a crise no setor imobiliário, colocam em dúvida os resultados futuros da balança comercial brasileira. A perspectiva de que o PIB brasileiro ficará acima do esperado pode aumentar as importações. No entanto, apoiam as previsões mais otimistas para o superávit comercial a disposição de Pequim de conceder os estímulos necessários para apoiar sua economia; e a tendência de alta do dólar, que favorece as exportações.

Dados da Secex mostram que, de janeiro a agosto, as importações somaram US$ 162,1 bilhões, valor 10,4% abaixo de iguais meses de 2022. A queda resultou de recuo de 8,1% nos preços, embora o volume das compras externas tenha ficado praticamente estável, com queda de 0,3%. Já do lado das exportações, houve ajuste de preços de igual magnitude, ou seja, queda de 8,1% nos oito meses, com aumento de 10,4% do volume, graças à safra agrícola excepcional e embarques de minério de ferro, resultando em receita praticamente estável, com aumento de 0,3%.

Os bons resultados da balança comercial surpreendem em momento em que a globalização está sendo posta em dúvida pela disputa entre os EUA e a China e pelo conflito no Leste Europeu. Mas não indicam tendência para se beneficiar da remodelação das cadeias produtivas em curso, em que Europa e principalmente os EUA estão mudando suas fontes de abastecimento para países vizinhos ou amigos para reduzir a dependência da China. O México tomou o lugar dos chineses e agora é o maior fornecedor externo dos EUA, com US$ 274,95 bilhões exportados de janeiro a julho deste ano. O Canadá vem em segundo, com US$ 243,7 bilhões. A China, líder até o ano passado, caiu para terceiro posto, com US$ 239 bilhões.

Tiraram proveito desse deslocamento da China outros países da América Latina, como Colômbia e Costa Rica, mas não o Brasil, prejudicado pela baixa produtividade da indústria, por falta de acordos comerciais e pela dificuldade de se integrar nas cadeias globais. Segundo dados do governo americano, de janeiro a julho o Brasil exportou US$ 21,47 bilhões aos EUA, pouco menos do que no mesmo período de 2022. O Brasil caiu da 17ª para a 18ª posição entre os maiores fornecedores americanos neste ano, superado por Cingapura.

A história ainda lhe fará justiça!

Correio Braziliense

Embora ator político, o PGR não pode e não deve tomar partido, apenas cumprir suas altas missões constitucionais com desvelo, altivez e sobriedade, conduzindo a gestão do Ministério Público de forma temperada, austera e responsável

O cargo de procurador-geral da República é, sem dúvida, um dos mais complexos e áridos, a exigir do pretendente muito mais do que atributos intelectuais e vasta cultura jurídica. Cada vez se torna essencial que a chefia do Ministério Público da União seja destinada a um membro que ostente também elevado grau de ponderação, equilíbrio e visão de futuro. Embora ator político, o PGR não pode e não deve tomar partido, apenas cumprir suas altas missões constitucionais com desvelo, altivez e sobriedade, conduzindo a gestão do Ministério Público de forma temperada, austera e responsável.

Sob tal ótica e na condição de atual procurador-geral do Ministério Público Militar — ramo decano do MPU —, não poderia deixar de registrar as boas impressões que resultaram do convívio com Antônio Augusto Brandão de Aras, procurador-geral da República que recém concluiu o segundo mandato à frente do Ministério Público da União.

Assim é que, para além de sua privilegiada formação acadêmica, com contributos efetivos à ciência jurídica e com mais de três décadas de magistério superior, o Dr. Aras demonstrou muita sabedoria, sensatez e coerência em sua passagem pela PGR, lidando com questões de altíssima relevância para os destinos do país, mas sempre procedendo com discernimento e senso de direção, como se colhe de sua iniciativa de criar um Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia do Coronavírus-19, com membros de todo o Brasil, que ensejaram medidas extrajudiciais e judiciais, com resultados efetivos que podem ser vislumbrados na obra Ações que Salvam, publicada conjuntamente pelo MPF e CNMP.

Do mesmo modo, há que se fazer referência ao exaustivo trabalho desenvolvido nestes quatro anos nas várias frentes de atuação da Procuradoria-Geral da República, notadamente perante o STF, em pareceres e sustentações afetos à tutela dos direitos e garantias fundamentais, ao controle de constitucionalidade, ao processo constitucional etc., em que se posicionou de forma segura, independente e proativa, conforme se colhe do Ementário Jurídico do Gabinete do PGR 2019-2023, certamente um rico repositório à disposição da sociedade.

Na relação estabelecida com os ramos do MPU, o PGR Aras pautou-se pela plena atenção ao princípio da unicidade, ofertando tratamento paritário e sendo uma liderança que conferiu espaço e voz aos demais procuradores-gerais, numa gestão eficiente e visionária do MPU, que permitiu inclusive a quebra de disparidades regionais na (re) distribuição de membros pelo território nacional, especialmente na Amazônia, com a alocação de cargos e unidades do MPF, MPM e MPT, além de aquisição de meios (barcos, aeronaves e ferramentas tecnológicas), que garantirão um combate mais eficaz e abrangente contra a criminalidade ambiental e transfronteiriça na região norte do país.

No trato com os demais poderes, de igual maneira, foi sempre dialógico e jamais reacionário, cumprindo uma intensa agenda com todos os mais diversos segmentos, numa invulgar lição de espírito público, sempre atento e compromissado com os valores republicanos e com a defesa da democracia, jamais demonizando a política, mas respeitando seus atores no contínuo processo de construção do bem comum. A recente fala do Ministro Toffoli em cerimônia no CNMP ocorrida em 25/09 prova isso.

É certo que cada um, em sua trajetória evolutiva, tanto no contexto profissional ou humanístico, escreve suas páginas e inevitavelmente será julgado por isso. No julgamento humano nem sempre há reconhecimento aos esforços empreendidos e aos óbices transpostos. Contudo, no altar de nossas consciências, a paz deve ser a nossa maior recompensa quando procuramos servir e servir bem nas atribuições que assumimos. Não tenho dúvidas de que o PGR Aras fez muito pelo Brasil, pode se sentir reconfortado pela paz e o senso do dever cumprido. A História ainda lhe fará justiça!

 

 

 

 

 

 


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