Valor Econômico
A aprovação de Lula pode ser vista como a
maior surpresa política do ano
As expectativas do mercado financeiro sobre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se assemelham a um passeio em uma montanha-russa. No primeiro trimestre, quando ele lançava críticas ferozes à política monetária e encaminhou uma expansão fiscal significativa, temia-se que o governo caminhasse para um populismo econômico sem freios. À medida em que as diretrizes capitaneadas pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad prevaleciam, entretanto, essa preocupação diminuiu. O endosso presidencial ao marco fiscal e à manutenção da meta de inflação em 3% ajudou a reancorar as expectativas inflacionárias, impulsionou os preços dos ativos e facilitou o início da queda da Selic.
Agora, o otimismo começou a descer a ladeira
-ainda que esteja longe do piso do começo do ano. O grande ceticismo que sempre
houve em relação à capacidade do governo de zerar o déficit primário em 2024 se
juntou a pressões dentro do governo e no Congresso para afrouxar essa meta. Se
o governo ceder, investidores podem entendê-lo como não comprometido a tomar
medidas duras necessárias, e tornar-se um empecilho para o Banco Central seguir
reduzindo os juros.
Essas pressões certamente são um desafio
importante para Haddad. Mas o pano de fundo desse jogo favorece a equipe
econômica: a aprovação de Lula hoje é maior do que quando ele assumiu o cargo.
Isso fortalece não só a posição do ministro perante o presidente, como também a
do Planalto no Congresso, conspirando para que a meta não seja alterada tão
cedo.
A aprovação de Lula pode ser vista como a
maior surpresa política do ano. Vivemos em uma era de governos fracos na
América Latina e boa parte do mundo. Governantes estão sendo eleitos com taxas
de aprovação medianas (ao redor 50% a 60%) e vendo-as cair nos primeiros dois
anos de seus mandatos. Os últimos presidente eleitos no Chile, Colômbia e Peru
viram suas taxas de aprovação recuarem para algo abaixo de 40% após um ano da
posse.
Logo, esperava-se que a aprovação de Lula
caísse ao longo do ano, dos 50%-54% iniciais (um patamar historicamente baixo).
Mas, passados oito meses da posse, subiu para 55% a 60%, dependendo do
instituto de pesquisa. Essa melhora foi favorecida pela queda nos preços de
alimentos, pela economia performando melhor que o esperado, e pela expansão de
gastos que resultou em maiores benefícios sociais - portanto, não deve
perdurar.
Mesmo que efêmero, esse movimento tem
repercussões políticas importantes. Se, no início do ano, o Palácio do Planalto
temia que um ano econômico difícil abrisse as portas para uma oposição
bolsonarista mobilizada, hoje esse receio parece distante.
Haddad também se fortalece com a aprovação de
Lula. No início do ano, o ministro defendia responsabilidade fiscal e
compromisso com inflação baixa para permitir a recuperação da economia. Contra
lideranças do PT, que argumentavam que essas decisões poderiam empurrar o
Brasil rumo a uma recessão mais profunda, Haddad convenceu o presidente a
defender o novo marco fiscal e manter a meta de inflação em 3%. Hoje, a
aprovação de Lula e a alta nas projeções para o PIB permitem ao ministro
argumentar que suas escolhas estão gerando dividendos.
Com esses resultados, Haddad tornou-se o
ministro mais influente do governo. Ele pode estar isolado na defesa da manutenção
da meta fiscal de 2024, mas está em uma posição privilegiada para convencer o
presidente a apoiar essa rota - facilitada por Lula não sentir-se politicamente
encurralado.
Finalmente, esse ambiente fortalece a posição
do governo no Congresso. Deputados e senadores são muito sensíveis não só a
suas bases eleitorais, como à perspectiva de poder: o custo de assumir uma
postura crítica ou de oposição cresce diante de um governo bem avaliado.
Ouve-se mais entre lideranças no Congresso que este governo “periga dar certo”.
Assim, mesmo não tendo saído tão contentes da última reforma ministerial, os
partidos do “centrão” também não se dispõem a se opor ao governo.
Números compilados pelo Eurasia Group
refletem esse quadro: cerca de 358 deputados federais e 55 senadores vêm
votando favoravelmente a medidas do governo desde o início do ano. Dados
obtidos em mídias sociais mostram que 45% dos deputados falam favoravelmente
sobre Lula nas redes, e somente 25% negativamente. No Senado, essas taxas são
de 54% e 34%, respectivamente. É neste contexto que deve ser entendida a
declaração do presidente da câmara, Arthur Lira, de que seu partido, o
Progressistas, é agora parte da base de Lula na Casa. Isso sugere que o governo
tem condições de aprovar boa parte de suas medidas fiscais nos próximos meses.
Essa combinação aponta para um cenário em que
o governo mantém as metas fiscais, e reavalia, no primeiro semestre do próximo
ano, se altera as metas para 2024 e 2025. A equipe de Lula dificilmente
contingenciará um volume grande de recursos para buscar a meta de 2024 -, mas
Haddad terá condições de ao menos tentar atingi-las com medidas de receita.
Há claros desafios à frente. As concessões
que serão necessárias para conseguir aprovação legislativa devem reduzir o
potencial arrecadatório das medidas de aumento de receitas - medidas essas que,
de partida, talvez não fossem suficientes para zerar o déficit em 2024. Com
isso, há grande chance de o governo não atingir a meta fiscal no próximo ano, e
ser obrigado a alterar a do ano seguinte.
Ao mesmo tempo, a combinação de desaceleração
econômica, juros altos nos EUA e menor crescimento da China deve contribuir
para uma queda na aprovação do presidente no primeiro semestre de 2024, quando
as metas fiscais devem ser rediscutidas e a posição do governo no Congresso
deve enfraquecer.
Mas há uma enorme diferença entre entrar
nesse período mais difícil com aprovação próxima a 60% e “gordura política para
queimar”, e fazê-lo já com uma taxa mais próxima a 40%. O importante para o
governo é fazer essa travessia sem desarrumar as contas fiscais demasiadamente,
e ter paciência até que a queda dos juros surta efeito e a economia global
melhore.
*Chris Garman é diretor-geral
do Eurasia Group
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