O Globo
Se o governo federal não agir, governadores e
secretários de Segurança devem intervir
Aconteceu mais uma vez. Mais uma vez um menino entrou numa escola e atirou contra colegas — agora deixando uma estudante morta e três feridos graves. O crime não poderia ser menos original: adolescente alegando trauma por ter sofrido bullying se radicaliza, consegue orientação em fóruns on-line e, munido de arma (neste caso, do pai), comete massacre em escola ou creche. A motivação? Ganhar fama e se inscrever numa história infame de crimes notáveis — ser adorado como são venerados os autores dos massacres de Columbine nos Estados Unidos e de Suzano no Brasil.
Essas recorrências todas sugerem um problema
social enraizado, que segue um padrão claramente discernível. O dia em que
cientistas sociais entenderem melhor o que está acontecendo, poderão propor
medidas eficazes para impedi-las. Com a compreensão que temos hoje, porém, há
pouca coisa de verdadeiramente útil a recomendar. Há apenas duas ações
paliativas que a literatura acadêmica recomenda.
A primeira é fazer com que imagens e nomes de
autores dos massacres parem de circular, tanto nos jornais quanto nas mídias
sociais. Sabemos que eles querem fama e adoração e, se restringirmos a difusão
de imagens e nomes, reduziremos os incentivos. Avançamos bastante nesse ponto.
Plataformas endureceram as políticas para retirar esse tipo de conteúdo das
redes, e os principais grupos jornalísticos adotaram protocolos de cobertura
dos massacres em escolas sem mencionar nomes ou mostrar imagens.
Mas, na segunda recomendação, seguimos
patinando. Não desbaratamos o ecossistema digital que promove os massacres.
Estamos apenas prendendo os autores e os que os incentivaram diretamente —
depois de o crime acontecer. Infelizmente, não temos nenhuma força policial
monitorando sistemática e permanentemente a infraestrutura de fóruns, perfis de
Instagram e TikTok, contas de X (Twitter) e canais de Discord que promovem os
massacres. Isso se deve tanto à natureza do crime (no meio digital) como ao
empurra-empurra de competência entre as diversas forças policiais. Está na hora
de as lideranças políticas intervirem e resolverem o problema.
Sabemos que os autores de massacres se reúnem
em comunidades on-line frequentadas por adolescentes, mas muitas vezes mantidas
por adultos. Essas comunidades veneram crimes passados e, em algumas, além dos
massacres, são promovidos outros atos macabros execráveis, como morte de
animais, automutilação e pedofilia. Várias abraçam — sem profundidade ou
coerência — ideologias extremas como o nazismo ou o satanismo, que parecem
funcionar como “invólucro ideológico”. Essa infraestrutura precisa ser
monitorada e seus mantenedores e organizadores identificados e presos, antes de
a tragédia acontecer.
O diretor da Polícia Federal, delegado Andrei
Rodrigues, precisa achar uma solução para o problema de competência, de maneira
a permitir que a PF assuma a tarefa de monitorar preventivamente esse
ecossistema criminoso antes que os massacres nas escolas aconteçam. A promoção
e a organização ocorrem on-line. Não sabemos se os perpetradores estão em São
Paulo, Piauí ou Mato Grosso. Isso claramente deveria ser competência federal.
Se o governo federal não agir, governadores e
secretários de Segurança devem intervir. A Secretaria de Segurança de um estado
grande como São Paulo pode assumir a tarefa de investigar o crime on-line e
repassar para outras quando identificar o estado em que vive o criminoso. Ou,
ainda, delegacias de crimes cibernéticos nos diferentes estados podem se
articular em algum tipo de trabalho coordenado — uma vez atribuída a elas a
competência de investigar esse tipo de crime, o que nem sempre ocorre.
Será difícil resolver o problema
definitivamente, mas a onda de massacres de crianças em escolas não precisa ter
o tamanho que tem. Estamos perdendo tempo e dinheiro com soluções mais caras e
menos eficazes, como colocar vigias e policiais nas escolas. Precisamos é de
trabalho de inteligência e de uma estrutura policial dedicada que tenha
claramente a responsabilidade e a competência de monitorar e reprimir o
ecossistema digital que promove massacres. Se o governo federal não se mexe, os
estados devem agir.
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