O Globo
Presidente dificulta o próprio governo ao
enfraquecer o arcabouço fiscal elaborado pela equipe de Fernando Haddad
O presidente Lula deu
mais uma declaração para dificultar o próprio governo e a vida do
ministro Fernando
Haddad. Ao dizer ontem que dificilmente a Fazenda irá cumprir a meta
de zerar o déficit primário no ano que vem, Lula enfraquece o esforço feito
pela pasta para aprovar medidas de arrecadação no Congresso.
O risco maior para a economia, na verdade, não é o descumprimento da meta, em si, já que o mercado financeiro já “colocou no preço” um déficit em torno de 0,7% do PIB em 2024. O problema irá escalar caso o governo proponha alterar a meta para pior, o que impedirá que os gatilhos de contenção de gastos, previstos no arcabouço fiscal, sejam acionados nos anos seguintes.
Isso tirará a credibilidade da regra logo de
saída, com impacto sobre o dólar, a inflação e a taxa Selic. A prova dos nove
tem data marcada: março do ano que vem, quando a Fazenda irá apresentar o
relatório bimestral de receitas e despesas de 2024 com prováveis medidas para
contingenciamento de despesas.
‘Não pode ceder’
O economista Sérgio Goldenstein,
estrategista-chefe da Warren Rena, com passagens pelo Banco Central e FMI, diz
que o risco de alteração da meta já está sendo monitorado com atenção pelo
mercado financeiro. “O que todo mundo espera é que a meta seja mantida, para
que o arcabouço fiscal seja fortalecido”, disse o economista. Ele lembra que o
presidente já causou muito ruído ao ameaçar aumentar a meta de inflação de
2026, mas no fim foi convencido pelo ministro Haddad a manter o percentual em
3%. A decisão permitiu o corte nos juros pelo Banco Central. A expectativa é
que o mesmo aconteça agora. “Haddad não pode ceder na meta de primário. Seria
um tiro no pé do governo”, defende Goldenstein.
Polarização
A avaliação do cientista político Felipe
Nunes, sócio-fundador da consultoria Quaest, é de que a fala de Lula sobre a
meta tem objetivo político claro, que é falar com o próprio eleitorado. Esta
semana, a pesquisa mostrou que 57% dos que votaram em Lula acham que a economia
melhorou, enquanto 56% dos que votaram em Bolsonaro enxergam piora. “Depois de
entregar a Caixa para o centrão e aprovar offshore, o natural seria ver Lula
continuando a jogar com a agenda do Haddad, o mais importante ministro nesta gestão.
A única explicação que encontro pra a mudança de discurso é Lula ter entendido
que não terá como atender os dois lados e vai escolher o que o apoiou. Pra
entregar mais política social vai ter que furar a meta do arcabouço”, explicou
Nunes.
Semana ia bem
A semana chegava ao fim com saldo positivo
para o governo na economia. A troca na Caixa destravou a pauta no Congresso e
permitiu a aprovação do projeto de taxação dos fundos offshore e exclusivos. A
sensação na Fazenda era de alívio na última quarta-feira, e aliados do
presidente da Câmara, Arthur Lira, não escondiam a satisfação pelo Salão Verde
da Casa após a votação. No mercado financeiro, a queda do dólar é entendida
como sinal de resiliência da economia brasileira, que vem suportando bem o
forte choque financeiro provocado pela alta dos títulos americanos. Isso dá
tranquilidade para que o Banco Central continue reduzindo a Selic nas próximas
reuniões do Copom. Após a fala de Lula, no entanto, a moeda americana passou a
subir e voltou a ser negociada acima de R$ 5.
Proteção cambial
Sérgio Goldenstein explica que o fluxo de
entrada de dólares permanece forte pela via comercial (contratos de compra ou
venda de moeda firmados entre bancos e os exportadores ou importadores) e vem
mais do que compensando a saída de dólares pelo canal financeiro este ano. “O
dólar está se valorizando globalmente, mas o real está bem comportado. Chegou a
bater em R$ 5,20, mas rapidamente voltou para R$ 5. Temos reservas cambais, bom
fluxo comercial e dívida externa pequena. O BC não precisou vender reservas até
agora, o que é muito positivo”, afirmou.
Boa notícia
A XP Investimentos revisou de 4,8% para 4,5% sua estimativa para o IPCA deste ano, e já colocou sob viés de baixa o número do ano que vem, hoje em 3,9%. Outra boa notícia é que a inflação dos alimentos em domicílio deve recuar 2% este ano, contra estimativa anterior de -1,2%.
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