Conflito em Gaza exige mais equilíbrio de Lula
O Globo
Ao receber brasileiros repatriados,
presidente fez paralelo descabido entre Israel e grupo terrorista Hamas
Felizmente o governo federal, graças à ação
conjunta do Itamaraty e da FAB, obteve sucesso na repatriação
de 22 brasileiros e dez palestinos com vínculos com o Brasil, que
esperavam para sair de Gaza desde os ataques do grupo terrorista Hamas em 7 de
outubro. A operação, cercada de tensão e de uma negociação sensível com os
governos israelense e egípcio, coroa com êxito a iniciativa que já trouxera de
volta de Israel cerca
de 1.400 brasileiros em oito voos durante uma semana.
Infelizmente, porém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a chegada do voo para proferir um discurso político em que, ao criticar os ataques de Israel que atingem civis, fez um paralelo descabido. “Se o Hamas cometeu um ato de terrorismo pelo que fez, o Estado de Israel também está cometendo vários atos de terrorismo”, afirmou. Num momento em que o antissemitismo cresce no mundo e, na contramão da nossa tradição, também floresce no Brasil, discursos inflamatórios que comparem um Estado democrático a um grupo terrorista em nada contribuem para um clima construtivo que reduza os danos da guerra.
Desde o início, a postura de Lula tem
mostrado desequilíbrio. Embora tenha condenado o ataque terrorista do Hamas e
feito uma videoconferência com familiares das vítimas — entre as quais havia
três brasileiros —, não recebeu nenhum representante de entidade judaica. Em
vez disso, duas semanas depois dos ataques confraternizou com o roqueiro Roger
Waters, acusado de antissemitismo por sua militância em favor do boicote
mundial a Israel. Em seu discurso ao receber os repatriados de Gaza, Lula nem
mesmo citou os israelenses ainda mantidos reféns.
Críticas a Israel são necessárias diante da
escalada das mortes em Gaza. A multiplicação de vítimas civis exige cobrança em
termos enfáticos. É o que líderes das democracias ocidentais têm feito — do
americano Joe Biden ao francês Emmanuel Macron. Mas daí a acusar Israel de
“terrorismo” — ou, como depois fez numa rede social, amenizando, afirmar que
sua reação “se assemelha ao terrorismo” — vai enorme distância. É mais que um
abuso de linguagem, como tantos outros que Lula costuma cometer. Na melhor hipótese,
revela desconhecimento da situação em Gaza. Na pior, preconceito e adesão a um
dos lados no conflito.
Quando critica — corretamente — a falta de
cuidado com as vítimas civis dos bombardeios israelenses, Lula omite que é
parte da estratégia do Hamas esconder terroristas e instalações militares em
construções como hospitais ou escolas, ampliando o risco para civis. Líderes do
grupo terrorista reconhecem isso. “Os russos sacrificaram 30 milhões na Segunda
Guerra. Os vietnamitas sacrificaram 3,5 milhões até derrotar os americanos. O
povo palestino é como qualquer outra nação. Nenhuma nação é libertada sem sacrifícios”,
afirmou Khalid Meshal, porta-voz do Hamas, ao ser questionado sobre o porquê do
ataque se a reação feroz de Israel era previsível. O principal líder do grupo,
Ismail Haniyeh, foi mais transparente: “O sangue das mulheres, das crianças,
dos idosos, (…)nós precisamos desse sangue, para que ele desperte o espírito
revolucionário”.
Lula tem o direito de ir receber brasileiros
e palestinos que nada têm a ver com a guerra. Mas, de um líder, exige-se mais
comedimento nas palavras — e, sobretudo, mais equilíbrio num conflito que
mobiliza tanta dor e paixão.
N.R: Versão anterior deste texto
informou incorretamente que Lula não havia se reunido com familiares das
vítimas dos ataques terroristas. Na verdade houve uma reunião por
videoconferência em 26 de outubro com familiares de reféns e desaparecidos.
Visita de ‘dama do tráfico’ expõe ministério
a constrangimento
O Globo
Pasta da Justiça mudou protocolos de acesso
depois que mulher de chefe de facção esteve com dois secretários
São constrangedoras as falhas nos protocolos
de segurança que permitiram à advogada Luciane Barbosa Farias, conhecida como
“dama do tráfico amazonense”, participar de audiências com Elias Vaz,
secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, e com Rafael
Velasco, secretário de Políticas Penais, dentro das dependências da pasta.
Mulher do chefe de uma facção criminosa que cumpre pena de 31 anos por tráfico
de drogas e lavagem de dinheiro, Luciane foi condenada a dez anos por tráfico,
mas responde ao processo em liberdade. O ministério alega que não sabia da
atividade criminosa do casal.
O jornal O Estado de S. Paulo mostrou que Luciane
esteve no ministério pelo menos em duas ocasiões. Numa delas,
participou de uma delegação de mulheres levadas por Janira Rocha, ex-deputada
estadual (PSOL-RJ) e vice-presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da
Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim-RJ). De acordo com o
ministério, a comitiva pediu melhorias nas condições dos presos. Em seu périplo
por instâncias do poder em Brasília, Luciane esteve também com deputados
governistas, como André Janones (Avante-MG) e Guilherme Boulos (PSOL-SP).
Depois da gritaria da oposição e da
repercussão negativa do episódio, o Ministério da Justiça anunciou mudanças nos
protocolos para visitas a integrantes da pasta. A partir de agora, a lista dos
participantes de reuniões no ministério deve ser enviada por e-mail com
antecedência mínima de 48 horas, com nomes e CPFs, para que todos os
participantes possam ser identificados. Quem tiver compromisso público na pasta
será atendido na recepção ou em seus anexos para ser identificado. É duvidoso o
efeito dessas mudanças de ordem meramente burocrática.
A visita ao Ministério da Justiça expôs fatos
graves a apurar. Reportagem do Estado de S. Paulo revelou que a Polícia Civil
do Amazonas apreendeu no celular de uma integrante da facção criminosa recibos
de transferências à ex-deputada Janira. Os valores somavam R$ 23.654 num único
dia. Tais indícios não provam nada, mas precisam ser investigados. É
fundamental esclarecer os interesses em jogo na visita da delegação ao
ministério.
Embora a oposição tenha aproveitado o
episódio para centrar fogo no ministro da Justiça, Flávio Dino,
ele não pode ser considerado responsável por falhas de seus secretários. Numa
rede social, Dino afirmou
que nunca recebeu em audiência no ministério “líder de facção criminosa, ou
esposa, ou parente, ou vizinho”.
O Brasil vive uma grave crise de segurança,
em que as facções criminosas desempenham papel central. Mesmo presos, chefões
controlam a venda de drogas, mandam executar rivais e comandam ataques a
prédios públicos e incêndios em ônibus. São conhecidas as condições precárias
dos presídios brasileiros, quase todos abarrotados. Reivindicar melhor
tratamento para presos é legítimo. O fundamental é saber quem reivindica e por
quê. O Ministério da Justiça, mais que qualquer outro, deveria saber disso.
Calor, fogo e fumaça
Folha de S. Paulo
El Niño, aquecimento global e queimadas fazem
de 2023 um ano de recordes
O
desmatamento caiu 22% na Amazônia em 2023, porém as queimadas no
país —mais da metade delas apenas nesse bioma— superam recordes. Cidades como
Manaus estão cobertas de fumaça. Com a crise do clima na Terra, tudo parece
fora de ordem.
A onda de calor a escaldar o Brasil incinera
as derradeiras dúvidas sobre o aquecimento global. Ela se encaixa à perfeição
no conceito de eventos extremos para os quais cientistas vêm alertando, há
décadas, às vezes para ouvidos moucos.
A canícula tem explicação. Está relacionada
ao fenômeno El Niño, em que águas superficiais anormalmente aquecidas no
Pacífico bagunçam o clima do globo e devem tornar
este 2023 o mais quente em 125 mil anos.
O descompasso entre redução no desmate e
aumento de incêndios também conta com explicação, ainda que não intuitiva. A
floresta amazônica enfrenta estiagem inaudita, outra consequência do El Niño.
Além disso, há elevação incomum da temperatura das águas do oceano Atlântico,
que pode estar agravando a situação.
Nos últimos três anos houve predominância de
fenômeno oposto, com La Niña, que incrementa precipitação na Amazônia. Se, em
tempos normais, essa fisionomia florestal tipicamente chuvosa já se mostra
muito difícil de incendiar, mais ainda nessa condição.
As enormes derrubadas ocorridas no governo
Jair Bolsonaro (PL) deixaram muita biomassa no chão, mas nem toda ela foi
submetida ao fogo, em vista da alta umidade. Agora, com a seca extrema,
desmatadores e grileiros aproveitam para limpar os terrenos para semeadura de
pastagens.
O desconcerto da opinião pública com o
paradoxo amazônico decorre de uma associação imediata entre desmatamento e
queimadas. São duas práticas deletérias separadas no tempo —primeiro é preciso
derrubar as árvores, depois esperar que os resíduos sequem o suficiente para
pegarem fogo.
É certo, entretanto, que ambas contribuem
para o efeito estufa. São etapas necessárias para o carbono estocado na
floresta ascender, encorpando o cobertor de gases que retêm energia solar e
aquecem a atmosfera além da conta.
O Brasil leva boa notícia para a COP28 em
Dubai, que começa no próximo dia 30, com o recuo na devastação da Amazônia.
Está distante, porém, de contribuir mais decididamente para enfrentar a
emergência climática planetária, pois o desmatamento corre solto no
cerrado, seu segundo
maior bioma, hoje o mais ameaçado.
Fogo, fumaça e calor ainda vão causar muitos
danos à saúde humana e à do ambiente.
Gastando muito e mal
Folha de S. Paulo
Em meio a alta geral de despesas, programa de
alfabetização ainda não usou verba
Parece contraditório que o governo Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), enquanto bate recordes de gastos públicos, ainda não
tenha destinado um mísero centavo para o programa de reforço à alfabetização lançado
como prioridade neste ano, conforme a Folha noticiou.
Não resta dúvida quanto à urgência da
iniciativa, anunciada em junho com previsão de desembolsos de R$ 801 milhões
até dezembro. O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) apontou um
efeito devastador da pandemia sobre o já precário processo de letramento das
crianças brasileiras.
Com base nas provas de 2021, constatou-se que
apenas 43,6% dos alunos do segundo ano do ensino fundamental demonstravam as
habilidades necessárias para que fossem considerados alfabetizados, tais como
ler e escrever textos curtos do cotidiano. Em 2019, antes de a crise sanitária
interromper as aulas presenciais, eram 60,3%.
Com outra metodologia, o Unicef, órgão das
Nações Unidas para a infância, apurou uma tragédia semelhante —a parcela de
iletrados entre as crianças de 7 anos saltou de
20%, antes da Covid-19, para 40% no ano passado.
O montante reservado no Orçamento deste ano,
ademais, está longe de ser proibitivo para um governo que elevou as despesas
federais, sem contar juros, de R$ 1,8 trilhão em 2022 para R$ 2,06 trilhões.
O problema, tudo indica, não é falta de
dinheiro —ainda.
O governo brasileiro amplia gastos como
poucos no mundo, mas, na grande maioria dos casos, com o pagamento de
aposentadorias, benefícios sociais e salários de servidores públicos. Reajustes
em tais rubricas são de fácil execução e costumam render dividendos políticos e
eleitorais imediatos.
Já quando se trata de políticas públicas que
exigem projetos, licitações, gestão de recursos humanos, metas e avaliações, os
avanços são muito mais vagarosos.
Pior, cedo ou tarde o aumento imprudente das
despesas obrigatórias reduz o espaço orçamentário de outros programas,
tipicamente no custeio administrativo e nos investimentos. Obras e outras ações
de longo prazo sofrem com atrasos e descontinuidade.
Gastar muito e mal decerto não é exclusividade do governo petista. Em seu terceiro mandato, porém, Lula, com apoio do Congresso, foi muito além da expansão fiscal necessária para acomodar o novo Bolsa Família e fez retrocederem normas de ajuste e controle estabelecidas e mantidas a duras penas nos últimos anos.
Lula e a má-fé da esquerda
O Estado de S. Paulo
Ao chamar de “terrorista” a reação de Israel
ao massacre promovido pelo Hamas, Lula confirma o ranço ideológico da esquerda
primitiva.
O presidente Lula da Silva considera que a
ofensiva de Israel contra o Hamas é “terrorista”, ao, segundo ele, “não levar
em conta que mulheres e crianças não estão em guerra”. Numa só frase, o petista
distorceu completamente o cenário da guerra, igualou situações inigualáveis e
confirmou sua incapacidade de perceber a complexidade do mundo, prisioneiro que
é do ranço ideológico de uma esquerda primitiva.
Não se sabe se o falatório de Lula atende a
demandas dos militantes petistas, decerto insatisfeitos com as reinações do
Centrão no governo que deveria ser esquerdista, mas isso pouco importa: manda a
decência que, na condição de presidente da República, Lula se informe melhor
antes de tirar conclusões tão abomináveis, que envergonham o Brasil perante a
comunidade internacional.
Lula deveria saber que nenhuma criança
palestina estaria morrendo em bombardeios israelenses em Gaza se Israel não
tivesse sido covardemente atacado por terroristas do Hamas no dia 7 de outubro
passado; Lula deveria saber que o Hamas usa crianças como escudos humanos e
hospitais como esconderijos e que esse grupo terrorista nunca se importou que
as crianças e os doentes morressem sob bombas israelenses, pois o objetivo é
desmoralizar Israel perante a opinião pública mundial; Lula deveria saber, por
fim, que a intenção declarada do Hamas é dizimar Israel e os judeus, o que
deveria ter ficado suficientemente claro com o ataque de 7 de outubro.
Mas Lula não sabe nada disso ou faz força
para não saber – pouco importa, pois o resultado é o mesmo. Há um imperativo
imoral no discurso do demiurgo petista: a barbárie é plenamente justificada se
for realizada em nome das causas que seu partido e a esquerda defendem.
No caso em questão, o Hamas tem sido tratado
por esquerdistas como um grupo heroico de resistência palestina contra o
colonialismo israelense. Pouco importa que o Hamas trucide civis inocentes se
estes forem israelenses; não é relevante que o projeto do Hamas para a futura
Palestina é um Estado islâmico que faria o Irã parecer uma democracia laica;
também não interessa se os chefões do Hamas desviaram o dinheiro da bilionária
ajuda internacional para Gaza para construir seu arsenal de guerra e para encher
os próprios bolsos; e finalmente ninguém dessa esquerda primitiva quer saber se
o Hamas pratica terrorismo não só contra Israel, mas também contra os próprios
palestinos que o grupo deveria governar, reprimindo mulheres, homossexuais e
qualquer forma de dissidência. Tudo o que importa, para Lula e sua seita, é que
o Hamas fustiga Israel, considerado como braço do imperialismo americano no
Oriente Médio.
Trata-se de um padrão. Esse mesmo Lula, não
podemos esquecer, foi o presidente que, em meio à estupefação mundial com a
agressão russa contra a Ucrânia, foi capaz de culpar os ucranianos pela guerra.
A razão é óbvia: na interpretação lulopetista, os ucranianos estavam se
aproximando do Ocidente, razão mais que suficiente para justificar o corretivo
russo. Afinal, ninguém que se aproxime do Ocidente merece consideração da
esquerda. Perde até o direito de se defender.
Essa indecência só surpreende os estrangeiros
que tinham Lula como grande líder mundial. Quem acompanha o petista desde os
tempos de sindicalista sabe que ele construiu sua mitologia reduzindo tudo à
luta entre trabalhador e patrão – ou entre oprimido e opressor, em escala
global. E todos os que Lula considera oprimidos são, claro, moralmente
superiores. Nessa chave, o regime cubano pode colocar quantos queira no
paredão, pois tudo é feito em nome da necessidade de manter a revolução em
curso e enfrentar a opressão americana; do mesmo modo, a Venezuela, uma
rematada ditadura, é para Lula um exemplo de democracia, simplesmente porque é
o grande bastião antiamericano no continente. Os exemplos podem seguir
infinitamente, da Nicarágua do companheiro ditador Ortega, ao Irã do infame
Ahmadinejad, que tratou Lula como “grande amigo”.
O “oprimido” da vez é o Hamas, em cuja defesa
Lula se empenha com denodo, desprezando cruelmente a dor dos judeus massacrados
em Israel – país que, afinal, para muitos esquerdistas, nem deveria existir.
O problema de um STF protagonista
O Estado de S. Paulo
Corte tem importante papel contramajoritario
na defesa da Constituição. Mas avanços sociais são promovidos por exercício de
cidadania, não por Judiciário dito esclarecido
É cada vez mais comum ouvir que, nas últimas
décadas, o Supremo Tribunal Federal (STF) assumiu a liderança na defesa de
direitos fundamentais no Brasil. Em geral, essa afirmação tem um tom de
celebração. O País conta com uma Corte constitucional que vem promovendo
importantes direitos e garantias, em uma trajetória de claro progresso
civilizatório – e tudo isso seria manifestação de um bom funcionamento do
Estado Democrático de Direito. O STF chega aonde o Congresso mostra-se incapaz
de chegar.
De fato, o Supremo tem sido importante na
defesa do regime democrático; de forma especial, entre 2019 e 2022, quando o
governo Bolsonaro tentou, de diversas formas, corromper a separação de Poderes,
o princípio federativo e o sistema eleitoral. Ao mesmo tempo, admitir os bons
serviços prestados pela Corte não é incompatível com reconhecer as muitas vezes
em que o STF se equivocou, sendo ele próprio fonte de problemas (não de
soluções) e fator de instabilidade (não de segurança e previsibilidade).
No entanto, seja qual for a avaliação que se
faça dos erros e dos acertos do Supremo nos últimos anos, é de admitir que o
País tem um enorme problema se continuamente os direitos fundamentais precisam
ser promovidos não por uma maioria política, mas pelo Judiciário, com sua
atuação contramajoritária. Eis o fato incontestável. Se o STF é o grande
promotor dos direitos e garantias no País, isso significa que a população
brasileira, por meio de seus representantes eleitos, tem sido incapaz de
respeitar e promover esses direitos.
Não há dúvida de que uma Corte constitucional
tem importante papel contramajoritário. Sua missão é garantir o respeito à
Constituição, seja qual for a vontade política majoritária do momento. No
entanto, se isso é contínuo – se os “avanços civilizatórios” têm de ser
promovidos habitualmente pelo STF, e não por meio da maioria política –, tem-se
um motivo não de celebração, mas de profunda preocupação.
Essa proatividade continuada do Supremo é
sintoma de que a compreensão da população, em sua maioria, está indo por outros
rumos, acolhendo outros significados, assumindo outros valores. Há um
descolamento, não apenas momentâneo, entre o Direito (afirmado pelo STF) e a
vontade política, o que é problemático sob diversos aspectos.
Em primeiro lugar, é uma fantasia pensar que
basta o STF declarar direitos para que eles sejam devidamente cumpridos. Nessa
ilusão, há uma sobrevalorização não apenas do alcance do poder estatal, mas da
própria ideia de direito, como se seu reconhecimento formal por meio de uma
decisão judicial fosse suficiente para assegurar sua efetividade.
Em segundo lugar, é preciso contextualizar e
relativizar a ideia de avanço civilizatório promovido por uma Corte
constitucional. Há verdadeira melhoria no respeito a direitos fundamentais se
esses direitos têm de ser declarados contra a vontade da maioria da população?
Talvez se possa dizer, a depender das circunstâncias, que determinada decisão
judicial constitui um atestado do atraso civilizatório do País. Mas declarar
que tal decisão instaura, por si só, um novo status civilizatório no País é
compreender, de forma muito superficial, o que é civilização, respeito ao outro
ou mesmo desenvolvimento social e humano.
Cabe ainda questionar a própria noção de
avanço civilizatório realizado por 11 pessoas não eleitas. Não há efetivo
progresso humano sem representação ou participação popular, com soluções
ditadas de cima para baixo. Estado Democrático de Direito não é uma espécie de
sistema aristocrático esclarecido, com alguns poucos ditando as regras sobre
todos os demais. A civilização não é obra de decreto judicial.
Além das questões de competência e de
efetividade – que não devem ser desprezadas –, é preciso advertir que a
concepção de um STF promotor-mór da civilização não se contrapõe às causas do
atraso brasileiro. Segue o mesmo padrão, cujos frutos são bem conhecidos: o de
uma cidadania outorgada de cima para baixo, que nunca é plena nem genuinamente
autônoma.
O cacoete do controle de preços
O Estado de S. Paulo
Órgão anunciado por ministro enfraquece ANP e
se imiscui no mercado de combustíveis
Durante evento recente em Belo Horizonte, o
ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou como mais nova
iniciativa de sua pasta a criação do Operador Nacional do Sistema de
Distribuição de Combustíveis. Segundo ele, o objetivo do novo órgão federal
será combater a adulteração e a sonegação fiscal, além de assegurar o
abastecimento. Daí surge uma dúvida básica: não é exatamente essa a função da
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)?
Nas palavras do ministro, o tal Operador
Nacional será um “fiscalizador global do sistema”. Para deixar mais claro,
Alexandre Silveira explicou: “Precisamos ter a segurança de que, toda vez que a
Petrobras ou qualquer fornecedora ou importadora abaixe o preço na refinaria,
essa redução chegue ao consumidor final nos postos de combustíveis”.
De fato, isso a ANP não faz. E não faz porque
não é atribuição da agência reguladora de um setor que opera com preços livres.
Desde 2001 os combustíveis deixaram de ter preços regulados, após quase cinco
anos de transição, a partir da quebra do monopólio do petróleo. De lá para cá,
a legislação regulatória e tributária passou por adaptações, e todos os agentes
da cadeia, do poço ao posto, tiveram também de se adaptar.
Tentando justificar a proposta, que anunciou
estar sendo finalizada para ser enviada ao Congresso como projeto de lei, o
ministro disse que pretende que o novo órgão seja para a ANP o que o Operador
Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é para a Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), mostrando que a escolha do nome não foi à toa. Ora, está
claro que se trata de um movimento para reduzir o poder da ANP, o que seria
coerente com a tradicional campanha dos governos petistas para debilitar as
agências reguladoras.
E é bom esclarecer que o ONS não faz o que o
ministro sugere. Esse operador coordena e controla toda a operação de geração e
transmissão de energia elétrica de um sistema integrado e complexo. Seu papel é
evitar colapsos no fornecimento ou, ao menos, ajudar a resolvê-los rapidamente.
Subsidia todos os órgãos governamentais do setor, inclusive a Aneel. Não tem,
entre suas atribuições, nenhuma ingerência sobre preços de tarifas, que no caso
do setor elétrico são regulados pela Aneel.
Está claro que os governos – não
especificamente este, mas todos os que sucederam à abertura do mercado de
petróleo e a liberação de preços – não têm conseguido lidar bem com o
funcionamento do mercado livre dos combustíveis. Governantes sabem que ganham
popularidade quando conseguem fazer cair o preço da gasolina na marra e que
perdem popularidade quando uma alta dos combustíveis faz subir a inflação. Seja
qual for a motivação, contudo, é inconstitucional interferir na livre formação
de preços.
Mesmo a exigência de repasse imediato das mudanças de preço em refinarias para postos de combustíveis é despropositada, considerando que os ciclos do mercado são ditados por um sem-número de fatores alheios à vontade de qualquer agente governamental. É recomendável, portanto, que as palavras do ministro não se convertam em atentado à ordem econômica.
O Brasil no caminho da desglobalização
Correio Braziliense
Organização Mundial do Comércio (OMC)
advertiu que as tensões geopolíticas começam a impactar nos fluxos comerciais
comerciais em todo o mundo
Desde o início da década, o comércio global
vive uma era de incertezas. A pandemia de covid-19 foi o primeiro e mais duro
golpe na economia mundial, levando a uma recessão generalizada e provocando
crises que ainda não foram superadas. Na sequência, quando o mundo mal começava
a vida pós-pandemia, a guerra entre Ucrânia e Rússia — que levou o país de
Vladimir Putin a ser severamente punido em termos econômicos pelo resto do
planeta —, também deu sua parcela de contribuição para a desorganização das
cadeias produtivas globais.
Soma-se o atual conflito entre Israel e o
Hamas, na Faixa de Gaza, que rachou de modo irreparável a diplomacia mundial, e
as disputas comerciais entre a China — que ainda sofre as consequências de sua
política severa de isolamento social na pandemia — e os Estados Unidos, que
levaram a uma redução no fluxo bilateral entre os dois países, e está quase
pronta a tempestade perfeita para uma desconexão geral dos mercados, que vem
sendo chamada de desglobalização. Não por acaso, a Organização Mundial do Comércio
(OMC) advertiu, recentemente, que as tensões geopolíticas estão começando a ter
impacto nos fluxos comerciais em todo o mundo, com uma onda de protecionismo
que ameaça a interconexão estabelecida ao longo das últimas décadas.
Empresas e países, diante desse panorama, têm
sido forçados a repensar suas estratégias globais, e investimentos estão sendo
paralisados ou revistos. A dependência excessiva das cadeias de suprimentos
globais, que se consolidaram desde os anos 1980, agora estão sendo vistas com
desconfiança e temor. A vulnerabilidade revelada pela pandemia de covid-19 já
havia alertado para os riscos da interdependência entre os mercados.
Um novo fator pode levar o mundo a ampliar
ainda mais a sua fragmentação: uma eventual eleição de Donald Trump nos EUA em
2024. O ex-presidente norte-americano é o nome mais forte dos republicanos para
concorrer com o atual mandatário, o democrata Joe Biden, e foi um dos
responsáveis por acirrar a disputa entre os Estados Unidos e a China. Também
está na conta dos quatros anos do primeiro mandato de Trump um recolhimento de
Washington para suas questões internas, deixando de lado questões mundiais e
aliados históricos, como o Canadá e a França, e contribuindo de modo severo
para a desaceleração da globalização.
Nesse contexto, é possível que essa retração
se revele como uma oportunidade para o Brasil, um dos países mais
protecionistas e isolados economicamente do resto do mundo. À medida que a
desglobalização se aprofundar e os países passarem a buscar caminhos bilaterais
para seus mercados, o Brasil — seja sozinho, seja em bloco, com o Mercosul —
poderá se conectar com novos parceiros e aprofundar a relação com os antigos,
como China e EUA. É claro que tal circunstância só será devidamente aproveitada
se o país começar a, finalmente, promover uma revisão profunda de suas
barreiras alfandegárias, que mantêm a economia brasileira extremamente voltada
para o mercado interno e alheia ao resto do mundo.
É inegável, portanto, que o comércio global
enfrenta uma encruzilhada. O desafio para os líderes globais, inclusive os
brasileiros, diante do momento atual, é encontrar um equilíbrio entre a busca
por interesses nacionais legítimos e a promoção de um mundo mais cooperativo e
interconectado. A desglobalização não pode ser um pretexto para a adoção do
isolacionismo e de novas medidas protecionistas, mas sim uma oportunidade para
a colaboração multilateral que, mesmo em um ambiente menos globalizado, torna-se
crucial para enfrentar desafios como mudanças climáticas, pandemias e migrações
em larga escala.
Um comentário:
Lula está coberto de razão. Um estado "democrático" que mata mais de 4 mil crianças em 1 mês de bombardeios contra civis é TERRORISTA e ASSASSINO! O Globo e Jornal da Record aceitam os CRIMES DE GUERRA cometidos por Netanyahu e seus facínoras como algo normal. Isto NÃO É NORMAL E NÃO é tolerável. O governo israelense É MUITO PIOR que o Hamas! E tem MUITOS CÚMPLICES NA MÍDIA BRASILEIRA!
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