Folha de S. Paulo
Em livro, cientistas sustentam que a natureza
da polarização mudou nos últimos anos
Os estudos sobre o populismo de extrema
direita têm crescido na mesma medida do reconhecimento de sua presença
perturbadora nas democracias atuais.
Os especialistas divergem tanto em
identificar suas causas quanto ao seu poderio de destruir os sistemas
democráticos. Concordam, porém, que líderes populistas promovem a polarização
política afetiva e dela se nutrem. O que, por sua vez, torna mais crispada a
livre competição por votos e mais difícil a construção posterior de
convergências que facilitem a vida dos eleitos.
A profunda fenda política aberta pela vitória de Bolsonaro e ampliada sob o seu infausto mandato é o tema da obra "Biografia do Abismo", do cientista político Felipe Nunes e do jornalista Thomas Traumann, a caminho das livrarias.
Nutridos por uma fartura de pesquisas,
sustentam que nos últimos anos a natureza da polarização mudou.
A extrema direita bolsonarista alçou ao topo
do embate político a defesa de valores próprios da vida privada —modelos de
família, crenças religiosas, educação dos filhos— em detrimento de questões
socioeconômicas mais aptas e gerar convergências, como o papel do Estado e o
combate à pobreza. Facilitou assim a decantação de identidades políticas de
natureza afetiva e, por isso mesmo, virtualmente irredutíveis e inegociáveis.
A explosão do uso e abuso das redes sociais,
onde as informações circulam a jato em grupos homogêneos de opinião, só
reforçou o processo pelo qual a polarização foi dando lugar ao enrijecimento de
posições que os autores denominam "calcificação política". Ela teria
extravasado da velha disputa pelos corações e mentes do eleitor para invadir
relações pessoais e familiares, entre colegas de trabalho e até nas escolhas de
onde fazer compras.
Entre os petistas raiz teria ocorrido algo
semelhante, de tal forma que, segundo os autores, o conflito calcificado poderá
ter vida longa.
Se depender da extrema direita, a tendência
se manterá, pois só a beneficia. Mas, a julgar pelas sondagens, nada indica que
os eleitores de Bolsonaro sejam todos feitos da mesma matéria rija e
impermeável. Ou que o petismo puro-sangue seja majoritário. Até porque o seu
mentor maior sempre foi pragmático e afeito a buscar consensos.
Assim, dependerá dele e dos moderados que se
agrupam em torno do seu governo reconhecer as diferenças no campo adversário e
encontrar o idioma comum do reconhecimento e do diálogo.
Em alguns casos, isso poderá levar à
ampliação de espaços na administração federal. Ou, como se viu há pouco, à
nomeação de um procurador-geral de passado conservador.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Um comentário:
Lula,graças a Deus,não é radical como Bolsonaro.
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