Joseph Stiglitz - A economia dos EUA se Trump vencer
Valor Econômico
Embora demagogos populistas como Trump não se importem com déficits,
investidores nos EUA e no exterior deveriam ficar preocupados
A eleição presidencial dos Estados Unidos em novembro é crucial por
muitos motivos. O que está em jogo não é apenas a sobrevivência da democracia
americana, mas também a gestão apropriada da economia, com implicações de
grande alcance para o resto do mundo.
Os eleitores deparam-se com uma escolha não apenas entre diferentes
políticas econômicas, mas entre os diferentes objetivos dessas políticas.
Embora a candidata democrata, a vice-presidente Kamala Harris, ainda não tenha
detalhado plenamente sua agenda, ela deverá continuar com os pilares básicos do
programa de Joe Biden, entre os quais políticas sólidas para manter a
concorrência entre empresas, preservar o ambiente, reduzir o custo de vida,
sustentar o crescimento, reforçar a soberania e a resiliência econômica
nacional e mitigar a desigualdade social.
Em contraste, o ex-presidente Donald Trump não tem interesse em criar uma
economia mais justa, sólida e sustentável. O que chapa republicana oferece, em
vez disso, é um cheque em branco para as empresas de petróleo e carvão e uma
aproximação a bilionários como Elon Musk e Peter Thiel. É uma receita para
tornar a economia dos EUA mais fraca, menos competitiva e menos igualitária.
Além disso, embora uma boa gestão econômica exija definir metas e criar
políticas para alcançá-las, a capacidade de responder a choques e aproveitar
novas oportunidades não é menos importante. Já temos uma noção de como cada
candidato se sairia. Trump falhou miseravelmente na resposta à covid-19, o que
resultou em mais de 1 milhão de mortes. No momento em que os EUA precisavam
desesperadamente de liderança, ele sugeriu que as pessoas injetassem água
sanitária.
A resposta a eventos sem precedentes exige tomar decisões difíceis,
baseadas no que houver de melhor na ciência. Em Kamala, os EUA têm uma pessoa
que seria ponderada e pragmática ao pesar os prós e contras e ao elaborar
soluções equilibradas. Em Trump, temos um narcisista impulsivo que prospera no
caos e rejeita a experiência científica.
Vejamos a resposta dele ao desafio representado pela China: uma proposta
de aplicar tarifas alfandegárias de 60% ou mais. Como qualquer economista sério
poderia ter dito a ele, isso elevaria os preços - não apenas dos bens
importados diretamente da China, mas também de inúmeros outros bens que contêm
insumos chineses. Portanto, os americanos de baixa e média renda arcariam com a
maior parte do custo. À medida que a inflação aumentasse e o Federal Reserve
(Fed, banco central dos EUA) fosse forçado a elevar juros, a economia seria
atingida por um golpe triplo, de desaceleração do crescimento, aumento da
inflação e maior desemprego.
Para agravar a situação, Trump adotou a posição extrema de ameaçar a
independência do Fed (o que não é surpresa, considerando seu empenho em minar a
independência do Judiciário e do serviço público). Outro governo Trump,
portanto, introduziria uma fonte persistente de incertezas econômicas, o que
deprimiria o investimento e o crescimento, e quase certamente elevaria as
expectativas inflacionárias.
As propostas de políticas fiscais de Trump são igualmente perigosas.
Lembremos do corte de impostos de 2017 para empresas e bilionários, que não
serviu para estimular mais investimentos e apenas incentivou a recompra de
ações. Embora os republicanos ainda estejam por ver um corte de impostos dos
ricos pelo qual não caiam de amores, alguns pelo menos reconheceram que a
política aumentaria os déficits orçamentários e, assim, incluíram uma cláusula
de vencimento, que começa a entrar em vigor em 2025. No entanto, ignorando as
evidências de que aplicar reduções tributárias para os ricos com a ideia de que
o efeito positivo se dissemine aos escalões de renda inferiores é algo que não
funciona e não se paga, Trump quer renovar e, depois, aprofundar o corte de 2017
de maneiras que adicionariam trilhões de dólares à dívida nacional.
Embora demagogos populistas como Trump não se importem com déficits,
investidores nos EUA e no exterior deveriam ficar preocupados. O inchaço de
déficits provocado por gastos que não aumentam a produtividade incrementaria
ainda mais as expectativas de inflação, prejudicaria o desempenho econômico e
exacerbaria a desigualdade.
Trump adotou a posição extrema de ameaçar a independência do Fed, o que
introduziria uma fonte persistente de incertezas econômicas, deprimiria o
investimento e o crescimento, e quase certamente elevaria as expectativas
inflacionárias
Da mesma forma, revogar a Lei de Redução da Inflação do governo Biden não
seria apenas ruim para o meio ambiente e a competitividade dos EUA em setores
vitais para o futuro do país; também eliminaria disposições que reduziram o
preço de produtos farmacêuticos, o que elevaria o custo de vida.
Trump (e os juízes nomeados por ele) também querem reverter as fortes
políticas de concorrência do governo Biden-Kamala, o que - também - elevaria a
desigualdade e enfraqueceria o desempenho econômico ao consagrar os que detêm
poder de mercado e sufocar a inovação. E ele eliminaria iniciativas de créditos
universitários com disposições mais bem condicionadas à renda dos estudantes
para incrementar o acesso ao ensino superior, o que, em última análise,
diminuiria o investimento no setor que os EUA mais precisam para enfrentar os
desafios de uma economia do século XXI.
Isso nos leva às características da agenda de Trump, que são muito
preocupantes para o sucesso econômico de longo prazo dos EUA. Primeiro, outro
governo Trump dizimaria o financiamento à tecnologia e à ciência básica, a
fonte da vantagem competitiva e do aumento do padrão de vida dos EUA ao longo
dos últimos 200 anos. Não é preciso dizer que a força econômica do país não
está em cassinos, campos de golfe ou hotéis extravagantes.
Em seu governo, Trump propôs grandes cortes na ciência e tecnologia em
quase todos os anos, mas parlamentares republicanos que não eram extremistas
vetaram essas reduções no orçamento. Desta vez, porém, seria diferente, porque
o Partido Republicano se tornou um culto pessoal de Trump. Pior, o partido
declarou uma jihad contra as universidades, inclusive as instituições de ponta,
que expandem os limites do conhecimento, atraem os melhores talentos do mundo e
sustentam a vantagem competitiva do país.
Ainda pior, Trump está comprometido a enfraquecer o Estado de Direito,
tanto interna quanto externamente. O longo histórico de Trump de se recusar a
pagar fornecedores e contratados fala sobre seu caráter: ele é um valentão, que
usará qualquer poder que tiver para roubar quem puder. No entanto, o problema
se torna ainda maior quando ele apoia insurrecionistas violentos. O Estado de
Direito não é apenas algo que devemos valorizar por si só: é crucial para o bom
funcionamento da economia e da democracia.
Enquanto rumamos para o quarto trimestre de 2024, é impossível saber
quais choques a economia enfrentará nos próximos quatro anos. Uma coisa,
entretanto, é clara: a economia de 2028 estará muito mais forte, mais
igualitária e mais resiliente se Kamala for eleita. (Tradução de Sabino Ahumada)
2 comentários:
Excelente! "Trump falhou miseravelmente na resposta à Covid-19, o que resultou em mais de 1 milhão de mortes. No momento em que os EUA precisavam desesperadamente de liderança, ele sugeriu que as pessoas injetassem água sanitária."
No Brasil, também Bolsonaro falhou miseravelmente na resposta à Covid, o que fez com que o Brasil, com 2,7% da população mundial, tivesse 10% dos mortos por Covid no mundo. Quando o Brasil precisava desesperadamente dum líder, o GENOCIDA dizia que a vacina transformava pessoas em jacarés, combatia as recomendações da OMS e oferecia cloroquina pras emas do Palácio, depois de nomear um general ignorante como Ministro da Saúde!
GENOCIDAS canalhas, Trump e Bolsonaro!
Como bem descreve o colunista, Trump é um covardão "que usará qualquer poder que tiver para roubar quem puder."
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