Folha de S. Paulo
Nova política americana do porrete grande
pode causar também mais tumulto financeiro
Donald Trump ameaça
recriar a Zona do Canal do Panamá,
território ocupado pelos Estados
Unidos de 1903 a 1979, entregue de fato e finalmente aos
panamenhos apenas em 1999. Diz que a administração do canal cobra taxas caras
dos navios americanos. Se não derem um jeito, Trump diz que vai exigir o canal
de volta.
O Panamá foi extraído de vez da Colômbia em 1903. O então presidente Theodore Roosevelt mandou os fuzileiros navais "apoiarem" uma revolta de secessão panamenha. Naquela época, os americanos tentavam, mas não conseguiam, arrancar um acordo dos colombianos a fim de construírem e mandarem no futuro Canal do Panamá.
Era um aspecto da política do "porrete
grande" ("big stick"). No caso, os Estados Unidos queriam
oferecer "proteção" à América
Latina (contra os europeus).
O caso do Panamá talvez seja uma ameaça
lunática inconsequente de Trump. É bem possível que seja uma maluquice
calculada, o "porrete grande" trumpiano.
Trump ameaça barrar importações com impostos
altos sobre produtos chineses, canadenses, mexicanos, europeus e brasileiros.
Causaria prejuízos a certos setores, empresas e consumidores americanos, com
altas de preços e ineficiências. Talvez não vá tão longe, pois empresas
dependem de redes enormes de abastecimento de insumos, partes e peças. Mas pode
arrancar vantagens com a mera ameaça.
Agora, Trump ameaça tomar partes de países. O
canal do Panamá é região sensível para o comércio e para as forças armadas dos
EUA. Deve ser mantido "neutro". Depois dos americanos, quem mais usa
o canal são os chineses, bidu. No entanto, não há sinal de avanço imperialista
chinês no istmo da América Central. O que quer Trump? Mostrar que ninguém está
seguro?
Na segunda-feira, Trump escreveu em rede
social que é "absoluta necessidade" tomar o controle da Groenlândia,
território autônomo do Reino da Dinamarca (presidente em 2019, quis comprar a
ilha). Os americanos têm uma base lá desde a Segunda Guerra, agora dedicada a
vigiar ataques de mísseis, por exemplo.
Os entendidos dizem que a região do Ártico,
que ora derrete, pode ser objeto de avanços chineses e russos. Que a ilha é
rica em minérios. Que a pressão americana, que não seria de hoje, tem como
objetivo último obrigar dinamarqueses e europeus a aumentarem seus gastos e
forças armadas, na região inclusive.
Quem sabe seja isso mesmo, a explicitação
mais grosseira de interesses americanos já defendidos por outras vias. Trump
ameaça "vias de fato".
O que mais virá até 20 de janeiro, quando
toma posse? E quando assumir? Trump ameaça desmantelar parte do Estado
americano, entregar outra parte a plutocratas. Ameaça guerra comercial global,
retirar-se da Otan (com
implicações financeiras para os europeus), renegar acordos ambientais, caçar
imigrantes e punir países que não os contêm.
Tudo isso tende a causar tumulto econômico,
alta de juros, dólar mais
alto etc. Afeta nossa vidinha periférica, mesmo no curto prazo. Em janeiro,
haverá vácuo político. O governo não deve apresentar nada, menos ainda pacote,
a fim de conter o risco de degradação financeira adicional, juros e dólar ainda
mais altos. Há o risco de a bola de neve de dezembro continuar a rolar. Há o
risco crescente de tumulto Trump. Alguém pensou em montar um plantão de
emergência nas férias políticas de janeiro? O caldo pode engrossar.
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