"O Brasil dos nossos dias não admite nem o exclusivismo do governo nem o da oposição. Governo e oposição, acima de seus objetivos políticos, têm deveres inalienáveis com o nosso povo. Mantenha-se cada um inquebrantavelmente fiel aos seus programas e compromissos. Não há por que arriar bandeiras ou renunciar princípios, porque seria uma inqualificável traição, mas que se encontre um terreno limpo e nobre onde todos possamos nos encontrar emancipados de preconceito e liberto de idiossincrasias para obra comum do engrandecimento nacional".
Foi com este discurso que Tancredo Neves se despediu do Senado em 1983, dias antes de assumir o governo de Minas Gerais e a disposição de seu neto Aécio - "homem do diálogo que não foge às suas responsabilidades e convicções; não teme o enfrentamento do debate nem as oportunidades de convergência em torno dos interesses do Brasil", conforme se autodefiniu da tribuna do mesmo Senado na última quarta - em emular o avô é evidente.
O discurso de Aécio na última quarta não foi o lançamento de uma candidatura presidencial, da mesma forma como Tancredo não o fez em 1983. Tanto àquela época como hoje esta condição não estava dada, porque a liderança da oposição estava e está em disputa e a presença de José Serra no plenário do Senado dificilmente terá outra leitura.
"Não se traçou uma plataforma de candidato, mas uma proposta para assumir o bastão da resistência", comentou um dos articuladores do aecismo, o presidente do PSDB mineiro, deputado federal Marcos Pestana. Por isso Aécio apresentou sugestões que podem explorar fissuras dentro da base governista, como questões tributárias do interesse dos municípios e de Estados e acenos à sociedade civil, como ao mencionar o "manifesto de defesa da democracia", um momento da campanha eleitoral do ano passado em que personalidades antes próximas do PT demonstraram seu distanciamento do poder.
Em seu discurso, Aécio praticamente ignorou a existência da presidente Dilma Rousseff e tratou seu governo como o nono ano da administração Lula. Seguiu a leitura correta das pesquisas, de acordo com um consultor do PSDB, o cientista político Antonio Lavareda, da MCI Consultoria, que lembrou que, decorridos cem dias de administração dilmista, as pesquisas de opinião mostram que o governo da presidente ainda não tem um marca. "A ação administrativa mais lembrada é a educação, com 10%. Nos cem dias de Lula, o combate à fome era citado por 32% dos pesquisados", comentou Lavareda, citando pesquisas recentemente divulgadas.
São todos movimentos em um cenário adverso, como costuma ser o panorama de quem está na oposição depois de três derrotas eleitorais seguidas. O próprio Lavareda lembra que, mesmo sem marca, a popularidade de Dilma dá mostras de robustez que não havia no início da administração lulista. Dilma investiu muito na conquista do eleitorado feminino, e eliminou o fosso de gênero que fazia com que o petismo transitasse menos entre as mulheres do que entre os homens.
Ainda aguardando uma resposta do partido, Lavareda não comenta o plano estratégico que apresentou ao PSDB na reunião dos governadores da sigla, realizada em Belo Horizonte, no sábado que antecedeu o discurso do senador. A proposta teve cinco vertentes, segundo relatou Pestana: democratização interna, recrutamento de novos quadros, definição de propostas de apelo popular, ligação com a sociedade civil e investimento em marketing. "O PSDB precisa ser refundado em vários Estados. Precisa ter as características típicas da social-democracia, se ligando com a CNBB, com a OAB. Precisamos fazer abaixo-assinado em praça", disse Pestana.
A necessidade de aumentar a musculatura do partido de alguma forma, até com novas filiações é óbvia. O PSDB polariza com o PT, mas está particularmente debilitado. Em apenas três estados - São Paulo, Minas Gerais e Goiás - o PSDB conta com mais de três deputados federais em sua bancada. Conta com um deputado no Rio Grande do Sul, dois no Rio de Janeiro, dois na Bahia e nenhum no Distrito Federal. Em 1998, em circunstâncias também bastante adversas, o PT estava com mais de três deputados em quatro Estados - Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Será curioso observar se o PSDB conseguirá uma reversão de tendências tão grande a curto prazo. A oposição emagrece em todo o Brasil, e não apenas em função da criação do PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Dois dias depois do discurso de Aécio, um dos fundadores do PSDB, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, anunciou que está deixando a sigla, em entrevista a Maria Inês Nassif, neste jornal. Em linhas gerais, afirmou que o PSDB foi nas últimas eleições "o partido dos ricos", ou a grande agremiação de centro-direita no país. Como disse o aliado do Aécio, fala em buscar a trilha social-democrata 23 anos depois de sua fundação.
Não se vive o panorama de 1983 em que o governismo de então estava dividido, sem comando, impopular e com um horizonte provável de derrota sucessória, independentemente de a eleição presidencial ser direta, como tentou a oposição, ou indireta, como conseguiu que fosse o governo. As perspectivas de sucesso eleitoral em 2014 da oposição são modestas e esta é uma das vertentes que alimenta o crescimento de um partido como o PSD, que nasce sem projeto nacional. A aurora se divisará no horizonte entre os tucanos à medida em que se acumularem as dificuldades do governo federal em encontrar uma fórmula para crescer aceleradamente com inflação baixa.
César Felício é correspondente em Belo Horizonte
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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