- O Globo
“Numa democracia pressupõe-se que o príncipe também se submeta às leis”. SÉRGIO MORO, juiz da Lava-Jato
Fica combinado com o PT: o que Marcelo Odebrecht disse sobre Temer, Padilha e Aécio é verdade, mas o que disse sobre Dilma, Palocci e Guido Mantega não é. Com o PMDB: Padilha pode ter recebido dinheiro de caixa dois, mas jamais contou a Temer, nem ele quis saber. Com o PSDB: Aécio pediu dinheiro para financiar campanhas, mas dinheiro declarado à Justiça. Com o distinto público: bem, deixa pra lá...
DEIXA PRA LÁ também a combinação sugerida por Henrique Eduardo Alves, ex-ministro de Dilma e Temer, a propósito da descoberta de que ele tinha uma conta secreta na Suíça. Eduardo Alves admite que abriu uma conta por lá e que não a declarou por aqui. Mas quer que acreditemos que os US$ 833 mil encontrados na conta não foram depositados nem movimentados por ele. Foram por quem então?
POR GENEROSIDADE OU cinismo, dê-se a Eduardo Alves o benefício da dúvida. Dê-se o mesmo a Lula, que não sabia que a OAS reformou e equipou de graça o tríplex que ele havia comprado na Praia do Guarujá. Lula ficou surpreso ao saber que a Odebrecht havia reformado de graça o sítio de Atibaia, registrado em nome do sócio de um dos seus filhos, e que servia de repouso à família Silva.
ESTENDA-SE O BENEFÍCIO da dúvida ao advogado José Yunes, amigo há mais de 40 anos de Temer, assessor especial dele até dezembro último. Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, pediu a Yunes que recebesse um pacote no seu escritório, em São Paulo. Entregue pelo doleiro Lúcio Funaro, hoje preso, o pacote foi repassado depois a Padilha. Yunes jura desconhecer seu conteúdo.
REZA A LENDA QUE Fernando Henrique Cardoso, um dia, pediu que esquecessem o que ele havia escrito antes de assumir a Presidência da República. Se não pediu, talvez um dia peça que esqueçam o que ele escreveu na semana passada sobre a diferença entre dinheiro de caixa dois pago para enriquecer políticos e dinheiro de caixa dois doado para financiar campanhas — este, uma reles infração eleitoral.
NO TEMPO DO ABSOLUTISMO, não havia crime mais grave, sujeito à pena de morte, do que o de lesamajestade — traição cometida contra a pessoa do rei, ou seu real Estado. O crime de lesa-pátria é o crime contra o poder de um Estado. Como deve ser chamado o crime contra o povo, convocado nas democracias a manifestar sua vontade por meio do voto, e em nome do qual todo poder é exercido?
PORQUE QUANDO RECEBE propina para que vote assim ou assado, ou quando recebe dinheiro sujo para financiar sua eleição, o político atenta contra a vontade soberana do povo a quem representa. Atenta contra o Estado democrático, onde todos são iguais perante a lei. Como disputar o voto popular, em igualdade de condições, um político que respeita a lei e outro que a desconhece? Como dizer que refletem a vontade do povo eleições corrompidas pela troca de favores entre políticos e seus patrocinadores ocultos? Vota-se por melhor educação, melhor saúde, mais saneamento básico, mais empregos. A corrupção superfatura o preço de obras públicas, diminui a eficiência do Estado, encarece o custo de vida e estimula a sociedade a copiar o mau exemplo que vem do alto.
RESULTADO: UM PAÍS que vê dissiparem-se princípios e valores da civilização que um dia imaginou cultivar. Por sua extensão, um país gigante, mas a serviço de uma tribo de pigmeus gulosos e insaciáveis. Haverá crime mais abominável do que esse de lesa-democracia?
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