- O Estado de S.Paulo
Ministro do Interior da Itália sabe como transformar defeitos em vitórias
Dirigentes da União Europeia (UE) examinam com lupa os últimos desdobramentos da batalha que o homem forte de Roma, o ministro do Interior Matteo Salvini, desfecha contra os imigrantes, proibindo barcos humanitários de atracar em portos da península para desembarcar cargas de refugiados caçados na Síria ou na África Subsaariana.
Mas poucos comentários oficiais são feitos. Os chefes da UE sabem que o ministro italiano tem um caráter forte e vingativo e não hesitará em lançar suas flechas embebidas em fel e veneno sobre os funcionários de Bruxelas que ousarem lhe dar lições de moral. A angústia maior da UE é que esse ministro, muito popular, venha a instalar-se, em parte graças a sua luta contra os imigrantes, na cadeira de primeiro-ministro.
A eventual subida de Salvini ao poder seria como uma telha solta sobre a UE. E, nos dias de hoje, telhas soltas têm despencado sobre a cabeça da infeliz União Europeia. Lembremos algumas: o desaquecimento econômico da zona do euro; as tensões comerciais internacionais criadas pela guerra entre Donald Trump e Xi Jinping; e o Brexit. A isso tudo se soma a entrada em função em Bruxelas de uma nova e inexperiente Comissão Europeia.
Matteo Salvini nunca ocultou sua hostilidade, às vezes desprezo, pela UE e a zona do euro. Se ele vier a se tornar o chefe de governo de Roma, isso será uma séria fratura. A Itália não é um país descartável. Com a França, a Alemanha e os países do Benelux, ela foi um dos fundadores da UE. É a terceira potência econômica da zona do euro.
O diretor da Fundação Jean Jeurès, um centro de estudos, Gilles Finchelstein, pinta em cores negras a hipótese de Salvini chegar ao poder em Roma: “Ninguém duvide de que Salvini, como primeiro-ministro, porá na mesa seu projeto de romper, no mínimo, com o euro”, disse Finchelstein. “Ele poderá, então, liderar uma família de países que pretendem quebrar o consenso europeu.”
De fato, já existem alguns países da União Europeia que se declaram abertamente hostis à União Europeia! São países do Leste Europeu, como Romênia, Polônia, República Checa e Eslováquia. À lista, pode-se juntar a Áustria. Se Salvini se tornar primeiro-ministro da Itália, ele poderá assumir a liderança desses europeus anti-Europa.
Então, o que restará da União Europeia após a saída do Reino Unido? Talvez a lembrança de um sonho que já foi alegre e luminoso e hoje está semiapagado – sonho sobre cujas brasas o francês Emmanuel Macron sopra a plenos pulmões, apoiado pelos pulmões enfraquecidos de Angela Merkel, na esperança de devolver à União Europeia seu antigo esplendor.
Força estratégica
É surpreendente que o ministro italiano possua tal força estratégica. Não apenas Salvini pertence a um governo exaurido, cujo sangue ele menos ajudou a esvaziar, como a própria Itália, que hoje faz tremer a União Europeia, aumentou de tal modo seu déficit de um ano para cá que não atende às regras de boa governança exigidas pela UE. A dívida da Itália já ultrapassa 134% do PIB, o que tem efeitos devastadores sobre o conjunto da zona do euro.
Para o próximo exercício fiscal (2020), Roma está empenhada em levantar € 30 bilhões, enquanto promete aos italianos que nenhum esforço suplementar será exigido deles. Como? Por intervenção do Espírito Santo?
Os italianos, claro, sabem de todos esses problemas, mas isso não reduz sua confiança e admiração por Salvini (28% de popularidade, segundo as últimas pesquisas).
Que admiram eles no ministro? Seus talentos oratórios incontestáveis? Sua energia? Isso tudo, mas também o que o chefe da Liga (de extrema direita) faz da própria atuação, despertando no conjunto da sociedade as lembranças do período mussolinista. A isso se soma o drama dos migrantes.
Ou talvez ainda os italianos, grandes apreciadores de arroubos literários e retóricos, admirem em Matteo Salvini a arte de transformar defeitos em vitórias na qual ele é imbatível. / Tradução de Roberto Muniz
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