Ex-presidente do BC cobra investimentos em educação e capacitação do trabalhador para reduzir a desigualdade
Douglas Gavras | O Estado de S. Paulo
“O governo atual parece não ter esse tema (o combate à pobreza) como prioridade, eles parecem comprar uma ideia mais antiga de que tem de fazer crescer o bolo antes de distribuí-lo. Ou que o crescimento por si só vai resolver o problema.”
Para Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, a reversão do avanço da desigualdade de renda e da pobreza passa pela retomada do crescimento mais robusto da economia com investimentos, de longo prazo, em educação e formação do trabalhador. “Não é justo governar só para os que estão na economia formal”, afirma. Para ele, é preciso olhar para a informalidade.
A necessidade de reverter o avanço da desigualdade de renda e da pobreza nos últimos anos, a partir da recessão de 2014 a 2016, passa pela retomada do crescimento mais robusto da economia e, no longo prazo, pelos investimentos em educação e formação do trabalhador, afirma o economista Arminio Fraga.
Ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, ele diz que é preciso prestar atenção ao aumento do trabalho informal, geralmente de pior qualidade e de remuneração mais baixa, e garantir que ele não seja um outro vetor de aumento da desigualdade.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
• O que pode ser feito para reverter o aumento da desigualdade?
O País está há décadas crescendo pouco e houve um descaso histórico com áreas importantíssimas, que têm ligação com qualidade de vida e desigualdade: educação e saneamento, por exemplo. A piora dos últimos anos tem a ver com a profunda recessão que ainda nos assola. Aqui, o Banco Central vem agindo dentro do seu mandato, reduzindo bastante os juros. Essa seria a resposta mais direta e mais natural, pois o Brasil não é um país que está em uma armadilha de liquidez. Além da política monetária, o BC vem perseguindo uma relevante agenda de redução dos juros para as pessoas e empresas, ainda altos na maioria dos casos. E algumas reformas feitas nos anos recentes, como a trabalhista, devem contribuir para um aumento do emprego.
• O aumento da pobreza e da desigualdade já era esperado, dado o tamanho da crise?
A pobreza extrema caiu ao longo dos anos, a desigualdade também, mas ela vem caindo pouco desde 2006 – esse cenário só piorou nos últimos quatro anos. Ouço dos especialistas que tem mais a ver com o impacto assimétrico da recessão sobre os mais pobres. Parece claro que existem algumas dimensões que precisam ser repensadas ou reforçadas. Os investimentos em educação estão no topo da lista, mas são de longo prazo. Tenho batido bastante na tecla de que redução das desigualdades e crescimento têm de andar juntos. Existe uma imensa agenda de redução de desigualdades e aumento de mobilidade social que precisa ser posta em prática. E inclui a viabilização de investimentos em outras áreas sociais, como saúde, transporte urbano, saneamento, segurança.
• Se a volta do crescimento é importante para a redução da desigualdade, o que tem atrapalhado?
A minha visão é que prevalece um grau elevado de incerteza política, jurídica e até mesmo institucional que afeta decisões de longo prazo. E, como o espaço maior para investimento no Brasil parece ser o da infraestrutura, isso dificulta o deslanchar de projetos em uma área que já é, por natureza, muito difícil.
• Se os índices pioraram desde a recessão, a tendência é que eles voltem a melhorar, com o reaquecimento da economia?
Sim, por definição, seria bom. Mas mesmo que as coisas deem muito certo, serão décadas para recuperar o tempo que se perdeu e reduzir a distância que nos separa dos melhores padrões globais. E também é importante levar em conta as tensões sociais e políticas, que prejudicam a formulação de boas políticas. Não vejo o Bolsa Família como uma política de combate à recessão. Ninguém quer estar em recessão, mas isso, às vezes, permite respostas mais rápidas.
• O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que falta ao governo levar a questão da pobreza para o centro das discussões.
Sim, concordo. Esse deveria ser um foco permanente de atenção. O que acontece é que diferentes governos têm diferentes prioridades. O governo atual parece não ter esse tema como prioridade, eles parecem comprar uma ideia mais antiga de que tem de fazer crescer o bolo antes de distribuí-lo. Ou que o crescimento por si só vai resolver o problema. E outros, como eu, pensam que há muito espaço para agir em paralelo e que um lado reforça o outro.
• A falta de recursos públicos pode justificar a ação do governo?
É uma questão de estabelecer prioridades, pois a falta de recursos é real. Especialistas em políticas sociais dizem que existe um problema de gestão e que repensar a maneira de gastar os recursos teria um impacto de primeira ordem. É um ponto de vista que precisa ser considerado, sobretudo quando o Estado brasileiro está em situação fiscal tão precária, do lado das suas finanças.
• A ideia que o governo Bolsonaro já considerou, de não reajustar o salário mínimo, poderia frear a redução da pobreza e da desigualdade?
Quem analisa no detalhe o papel do salário mínimo, reconhece que o aumento dele foi muito importante ao longo de mais de 20 anos. No entanto, como política social, existem também custos. Fica essa questão. Outro tema delicado, quase censurado, é a questão da informalidade, que merece mais discussão. Falta uma análise aberta e honesta dessa questão. Ter 50% das pessoas desempregadas ou empregadas na informalidade é um problema social e de produtividade gravíssimo. É inevitável analisar isso de uma maneira desapaixonada. Não é justo governar só para os que estão empregados na economia formal e pertencem a sindicatos, que são mais fortes e cuidam mais dos seus. Como ficam os outros? Isso é debatido na academia, mas não vejo esse tema chegando à política.
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