Se DEM e MDB firmarem novo polo de atração, o apoio político do governo continuará problemático
A tentativa do presidente Jair Bolsonaro de guinar da atitude de ojeriza a formar uma base parlamentar para outra, de forjá-la para fugir de investidas por impeachment, é um caminho acidentado. O material político para colocar essa aliança de pé é movediço e inconfiável, o velho Centrão, que esteve na base dos governos petistas, bandeou-se sem remorsos para apoiar o impeachment de Dilma Rousseff e continuou compondo com os governos seguintes. “O centrão é garantia de estabilidade”, diz o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), o preferido do governo para arregimentar aliados e enfrentar o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que ambicionaria um terceiro mandato à frente da Casa.
Lira emula o pai dos articuladores do Centrão, que deu forma a esse aglomerado de partidos sem identidade própria para derrotar o candidato petista à Presidência da Câmara - Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cujo estado permanente de delinquência rendeu-lhe 15 anos de cadeia, com possíveis novas condenações a caminho. O líder do PP tem cinco processos no Supremo Tribunal Federal, a maioria ligado à Lava-Jato, por corrupção passiva, ativa, formação de quadrilha etc. As circunstâncias de sua empreitada diferem muito, porém, das criadas por Cunha.
Quando Cunha teve sucesso, Dilma Rousseff era uma estrela rapidamente cadente, sem apoio na Câmara nem mesmo dentro do próprio PT. Membros do Centrão, como Gilberto Kassab (PSD), que esperou o fim do processo para no dia seguinte ingressar no governo do sucessor, Michel Temer. Dilma deixara de ter “perspectivas de poder”, as que mais seduzem o Centrão.
Arthur Lira entrou em campo não para se opor a um governo desmoralizado e sem prestígio - o presidente Jair Bolsonaro se esforça, mas ainda não chegou lá -, mas para amparar um que vinha ladeira abaixo, já alvejado por escândalos políticos - ligações suspeitas com Fabrício Queiroz e milicianos, laranjal no PSL nas eleições, rachadinhas e esquemas para difusão de fake news dos filhos etc. O governo, acuado, mostrou-se disposto a fazer o que disse que jamais faria, e aceitou o jogo do Centrão. Precisará pagar na moeda corrente o apoio, mas também criar as condições políticas para que a massa centrista possa mostrar que ampara o governo.
A primeira parte está sendo cumprida, a segunda é mais difícil. Bolsonaro tem interesse intermitente e distraído pelo jogo político e entrou nele não só porque pensa na reeleição - que também rejeitou como candidato - desde o primeiro dia em que pisou no Palácio do Planalto, mas principalmente porque corre o risco de não terminar sequer o primeiro mandato.
O presidente conseguiu romper com seu próprio partido, o PSL, segundo maior partido da Câmara, e afastar aliados de primeira hora. Ele é rejeitado pela maioria dos eleitores, segundo as pesquisas, mas mantém seu bastião de fiéis seguidores em algo como 25% a 30% do eleitorado. A fragmentação partidária e o desprezo pela política de Bolsonaro impedem que esse apoio remanescente se reflita com igual força na composição política da Câmara. Com isso, ele caiu na vala comum - não se governa o país sem o Centrão - mas, sem base política própria, é ainda mais refém do que foram os outros presidentes.
Com a esquerda inerte e enfraquecida, a reação ao governo veio de legendas também de centro, como o DEM de Rodrigo Maia, em dobradinha com o velho apoiador de todos os governos da República, o MDB. O PSDB, atingido por escândalos em seu principal núcleo, a velha guarda paulista, perdeu protagonismo, mas não assina embaixo dos projetos ideológicos governistas, como Maia e os emedebistas. Mesmo um bloco firme dessa parte do centro com a esquerda arregimentaria 214 deputados, longe da maioria de 252.
Há um equilíbrio de forças dispersas e sem rumo. Para que a cartada governista possa dar alguma aparência de sucesso é preciso que o governo governe e deixe de lado os discursos provocadores e delirantes. Não há quem aposte nisso, ou pelo menos não a troco de nada.
Bolsonaro aproxima-se do segundo ano de mandato, a partir do qual a próxima eleição rearranjará o desenho de alianças partidárias. Não há ainda um líder claro para galvanizar a oposição, mas a maioria dos prováveis está à centro-direita. Se o DEM e o MDB firmarem novo polo de atração aos centristas e impedirem que Bolsonaro tome o comando da Câmara, o apoio político do governo continuará problemático como tem sido. E piorará muito, se a economia não se recuperar.
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