Estratégia
para lidar com chineses deveria se estender para além do comércio, do
agronegócio ou do 5G
Não
é novidade que o deputado federal Eduardo Bolsonaro não tem estatura nem
preparo para comandar a Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Já havia
ficado claríssimo na tentativa frustrada de comandar a embaixada brasileira em
Washington. Também não há nenhuma surpresa no tuíte em que ele acusou a China
de usar a quinta geração da telefonia celular (5G) para espionagem, fazendo eco
literal à campanha do governo americano para desacreditar a tecnologia chinesa.
O
entrevero, que ensejou uma resposta dura da embaixada chinesa, chama a atenção
por outro aspecto: o despreparo para lidar com a China não se restringe ao Zero
Três ou às falanges bolsonaristas. Se diatribes e teorias da conspiração
encontram eco, é em parte porque o Brasil ainda carece de uma estratégia
consistente para lidar com seu maior parceiro comercial, maior potência
emergente no planeta e, em questão de anos, a maior economia global (por alguns
critérios, já é).
Dirigir à China um olhar menos ideológico e mais pragmático é uma necessidade que ultrapassa a autorização para chineses participarem de leilões na telefonia. As exportações do agronegócio brasileiro à China estão em torno de 38% do total (em 2019 eram 32%). A China respondeu por 70% do superávit comercial brasileiro até agosto (em 2019 eram 58,5%). Para cada dólar que o Brasil exporta aos Estados Unidos, exporta outros 3,5 à China. Dos dez produtos mais vendidos pelo país em 2019, seis foram aos chineses.
A
relação com a China vai além do interesse comercial. “Tão importante quanto o
que o Brasil pode exportar para a China, é o que o Brasil importa ou pode
importar da China, e como pode construir canais estáveis e eficientes para
absorção de novas tecnologias em que a China oferece liderança crescente”,
afirma a diplomata Tatiana Rosito em estudo publicado ontem pela Câmara
Empresarial Brasil-China.
O
estudo analisa o desafio que a China representa e propõe uma estratégia de
longo prazo ao Brasil. O essencial é entender que não faz sentido comparar a
tensão sino-americana à Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética. As
duas economias estão tão imbricadas que não é crível uma separação em polos
antagônicos, por mais que ela ocorra em tecnologia ou segurança. Encarar a
disputa como um jogo de soma zero, em que precisamos escolher um lado, é um
erro primário. Ambas as potências precisam ser vistas como alavancas para nosso
desenvolvimento.
Rosito
mostra que a agenda com os chineses deve se estender a tecnologia,
infraestrutura, finanças, sustentabilidade e produtividade. A relação entre
Brasil e China perdurará por séculos. Está justamente na visão de longo prazo o
segredo do êxito chinês nas últimas décadas. Ela reflete um ensinamento de
Confúcio que também caberia num tuíte: “Se as pessoas não pensam no que está
longe, necessariamente se preocuparão com o que está perto”. Eis uma lição que
os brasileiros já deveriam ter aprendido.
Governos
ignoram sinais evidentes de aumento nos casos de Covid-19 – Opinião | O Globo
Quase
7 milhões de testes que poderiam ajudar a controlar doença correm risco de
perder validade
Os
alarmes para a aceleração da pandemia soam a todo momento. Pela primeira vez
desde 4 de julho, o boletim Infogripe/Fiocruz constatou tendência de alta nos
casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave — o novo coronavírus responde por
98% deles. Dados do Imperial College divulgados terça-feira mostram que a taxa
de contágio no Brasil é a maior desde maio (1,3) e revela expansão.
O
governo corre para apresentar uma estratégia nacional de vacinação, tarefa
necessária para imunizar a população a partir do primeiro semestre de 2021, num
período que se estenderá por meses. O problema é contar com vacinas que, a
rigor, não estão prontas. Os resultados da fase final daquela em que o
Ministério da Saúde apostou suas fichas (Oxford/AstraZeneca) parecem incertos.
A chinesa CoronaVac é demonizada pelo presidente Jair Bolsonaro. O mínimo que
se espera de um plano de vacinação é que não seja contaminado por ideologias,
contemple as melhores opções e seja rápido.
Mas e até a vacina? Até lá, o vírus faz a festa.
Por todo o país, as redes pública e privada de saúde já refletem o aumento de
casos. Algumas estão na iminência de colapso. Na quarta-feira, no Rio, havia
demanda de 86 pacientes para apenas 37 leitos de UTI.
Em contraste, o Ministério da Saúde mantém há meses
um estoque de sete milhões de testes RT-PCR encaixotados em São Paulo. O
material, que custou R$ 290 milhões, está prestes a perder a validade (ela
expira até março). Anteontem o governo informou ter tido aval da Organização
Pan-Americana da Saúde (Opas) para estender o prazo por 12 meses, mas a Anvisa
precisará chancelar a sobrevida. Não eximirá o desleixo. Testes são
fundamentais para identificar os infectados, permitir que sejam isolados, e
seus contatos, rastreados de modo a deter o contágio.
Governos estaduais e municipais, salvo exceções,
também não se empenham. Diante da iminência de uma segunda onda, na terça feira
o governador em exercício do Rio, Cláudio Castro, prometeu testar em massa a
população fluminense. Mas não deu detalhes de como fará isso. Terá de mudar
radicalmente a estratégia usada até agora, já que o Rio só testa casos graves.
A Covid-19 avança rapidamente, e as redes de saúde
sofrem para prestar atendimento. Os brasileiros já viram esse filme, e o final
é catastrófico. Mas os governos estão alheios à iminência da segunda onda. Os
planos de flexibilização seguem sua rotina normal, os hospitais de campanha
permanecem desativados, a população continua agindo como se não houvesse vírus,
frequenta aglomerações, e os testes que poderiam ajudar a controlar a doença
estão largados num depósito, correndo o risco de ir para o lixo. A negligência
custará caro.
Como conquistar credibilidade – Opinião | O Estado de S. Paulo
Nenhum
investidor colocará dinheiro no Brasil enquanto não houver estabilidade fiscal
e condições para o desenvolvimento sustentado.
O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse que “o ponto-chave da parte macroeconômica no Brasil hoje” talvez seja “recuperar a credibilidade, conquistar credibilidade com a continuação das reformas e conquistar credibilidade com um plano que dê uma clara percepção aos investidores de que o País está preocupado com a trajetória da dívida”.
A
repetição da palavra “credibilidade” no discurso da autoridade monetária não
parece gratuita. A cobrança de um plano crível para o enfrentamento da degradação
fiscal do País vem no momento em que o governo parece perdido aos olhos dos
investidores, o que se reflete em alta dos juros futuros – indicador que, nas
palavras de Roberto Campos Neto, demonstra “incerteza em relação ao que vai ser
o fiscal à frente”.
Natural
e até previsível em momentos de grave crise como o atual, a incerteza se agrava
diante das muitas indefinições do governo sobre o futuro. No curto prazo, por
exemplo, não sabe o que fazer em relação aos milhões de brasileiros que ficarão
sem o auxílio emergencial que receberam durante a pandemia. O secretário do
Tesouro, Bruno Funchal, já avisou que o espaço fiscal para uma eventual
prorrogação do auxílio “é muito reduzido, se não zero”.
Quanto
a medidas de longo prazo, não há consenso no governo a respeito das reformas
nem das privatizações, essenciais para alterar a estrutura perdulária do Estado
e recuperar a capacidade de investimento público.
De
nada adianta o ministro da Economia, Paulo Guedes, manifestar irritação com as
cobranças, como fez a propósito das declarações do presidente do BC. “O
presidente Campos Neto sabe qual é o plano. Se ele tiver um plano melhor, peça
a ele qual é o plano dele. Pergunte a ele qual é o plano dele que vai recuperar
a credibilidade. Porque o plano nós sabemos qual é. O plano nós já temos”,
declarou o ministro Guedes.
Credibilidade
não se conquista no grito. É fruto de atitudes concretas para a resolução dos
problemas, com transparência e boa comunicação. Nenhum investidor de bom senso
colocará dinheiro no Brasil, a não ser em troca de prêmios cada vez mais altos
e por prazos cada vez mais curtos, enquanto a promessa do presidente Jair
Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes de providenciar estabilidade fiscal e
criar condições para o desenvolvimento sustentado não se traduzir em medidas
efetivas para atingir esse fim.
E
que não se use a crise como desculpa para a inação. Hoje, a despeito da aflição
causada pela pandemia, não há inflação anual de quase 5.000%, nem calote da
dívida externa, nem um Congresso engolfado em um escândalo de corrupção que
cassou seis parlamentares, nem uma oposição lulopetista feroz, que era o
cenário dos anos e meses imediatamente anteriores à implantação do Plano Real.
E, no entanto, a despeito de tudo isso, o plano de estabilização implementado
em 1994 durante o governo de Itamar Franco foi extremamente bem-sucedido.
O
sucesso do Plano Real dependeu, em larga medida, de credibilidade, coisa que o
País não tinha mais depois de tantas barbeiragens econômicas. A construção
dessa confiança foi uma obra coletiva de uma equipe que sabia aonde queria
chegar, sem o atalho do congelamento de preços, como no Plano Cruzado, nem a
truculência do confisco da poupança, como no Plano Collor.
Com
isso, os cidadãos se sentiram como parte do processo de estabilização, e não
como espectadores passivos de mais um pacote econômico imposto de cima para
baixo. Uma comunicação eficiente do governo e o árduo trabalho de renegociação
da dívida externa e das dívidas estaduais fizeram o resto, restabelecendo a confiança
no País e estabilizando os preços.
Sem
sustos nem truques, o que parecia impossível aconteceu: a inflação média de 16%
ao mês verificada entre 1980 e 1994 caiu para 30% anuais logo no primeiro ano
do Real e se sustentou em patamares civilizados daí em diante. Esse é o
resultado de um plano amparado por racionalidade econômica e por objetivos
claros, e não por bravatas e irascibilidade. É assim que se conquista
credibilidade.
O Ibama sem dentes – Opinião | O Estado de S. Paulo
Há
suficientes indícios de que desmantelamento de mecanismos de repressão não é
mera incúria.
Em seus delírios persecutórios, o presidente Jair Bolsonaro recorrentemente vê nas críticas internacionais à defesa do meio ambiente do Brasil ambições escusas que ameaçam a “soberania nacional”. Mais realistas são as apreensões em relação àqueles que se valem das queimadas e desmatamentos como pretextos para alavancar seus interesses, como os setores protecionistas do agronegócio internacional e os políticos demagógicos ávidos por excitar o eleitorado sensível à pauta ambiental. Mas o problema é que o governo lhes entrega esses pretextos de mão beijada. Se a lei ambiental brasileira, que é uma das mais avançadas do mundo, fosse cumprida, esses pretextos evaporariam.
Contudo,
não há como impor a lei sem mecanismos de punição. Um levantamento feito pelo
Observatório do Clima a partir de dados fornecidos pela Lei de Acesso à
Informação revela que desde outubro do ano passado até pelo menos agosto deste
ano praticamente nenhuma multa ambiental foi aplicada.
Historicamente,
o pagamento de multas no Brasil já é baixo. Nos três anos anteriores à gestão
Bolsonaro, foram aplicadas cerca de 15 mil autuações por ano, totalizando mais
de R$ 3 bilhões em multas. Mas somente 5% foram efetivamente cobrados, depois
de longos e tortuosos recursos judiciais.
Em
outubro do ano passado, o Decreto 9.760 suspendeu a cobrança de multas até a
realização de audiência de conciliação. Em tese, a ideia seria fazer com que os
órgãos fiscalizadores chegassem a um acordo, sem necessidade de contestação
judicial, acelerando a aplicação das sanções. Mas na prática o Ibama realizou
apenas 5 audiências de um total de 7.205 agendadas. O ICMBio não fez nenhuma.
As únicas multas pagas foram as aplicadas antes de a conciliação vigorar.
“A
autuação é só o início de um processo sancionador. O autuado tem direito de
fazer sua defesa, o processo vai ser julgado. A cobrança só ocorre quando a
multa é considerada devida”, explicou Suely Araújo, do Observatório do Clima.
“Mas o que vimos é que esse processo não está nem sendo iniciado. A conciliação
não está ocorrendo.”
Além
disso, os crimes e infrações não tiveram seu prazo de prescrição suspenso, o
que pode fazer com que as autuações sejam extintas sem que os infratores sofram
qualquer punição.
Há
suficientes indícios – muito além da já folclórica conclamação do ministro do
Meio Ambiente, Ricardo Salles, para “passar a boiada” (i.e., alterar as normas
ambientais) em meio ao pânico da pandemia – de que o desmantelamento dos
mecanismos de repressão aos crimes ambientais não é mera incúria, mas uma ação
concertada.
A
hostilidade de Jair Bolsonaro em relação à causa ambiental é confessa. Já na
campanha de 2018, o então candidato disse que havia excesso de multas ambientais.
Em
março passado, o governo eliminou a exigência de autorização específica para a
exportação de madeira, facilitando a exportação ilegal. Recentemente, uma
auditoria do Tribunal de Contas da União apontou que a distribuição de cargos
de chefia do Ibama a militares desrespeitou exigências legais de contratação
impostas pelo próprio governo, com nomeações irregulares, que não atendem aos
critérios mínimos de experiências profissional e acadêmica previstos por lei.
O
resultado é catastrófico. As queimadas e desmatamentos em biomas como o
Pantanal e a Amazônia estão batendo recordes; a reputação do agronegócio
nacional está sendo dizimada; os investidores estão fugindo do Brasil; e
autoridades internacionais ameaçam, entre outras retaliações, barrar acordos como
o que foi concertado entre o Mercosul e a União Europeia.
Nunca
é demais lembrar: a lei brasileira, com destaque para o Código Florestal, é
exemplar e rigorosa. Bastaria a sua aplicação para pôr o Brasil numa posição
incomparável em todo o mundo no campo ambiental.
Nullum
crimen sine lege –
não há crime sem lei, diz o adágio jurídico. Os crimes existem – as árvores e
animais carbonizados na Amazônia e no Pantanal estão aí para prová-lo – e as
leis também. Mas sem sanções as leis são inúteis, e os crimes aumentarão dia
após dia.
O programa anticorrupção – Opinião | O Estado de S. Paulo
Pacote
anunciado pelo chefe da CGU é uma das raras surpresas positivas do governo.
Ao participar de um seminário promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre estratégias para combate à corrupção, o chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), ministro Wagner Rosário, anunciou que o governo lançará nas próximas semanas um programa com mais de 240 recomendações. Algumas serão de caráter pontual e dependerão de alterações na legislação dispositiva. Outras, por serem de caráter estrutural, só poderão ser implementadas por projetos de lei aprovados pelo Congresso.
Em
fase de finalização, o trabalho foi elaborado pela CGU em parceria com o
Ministério da Justiça, o Ministério da Economia, o Gabinete de Segurança
Institucional e a Advocacia-Geral da União e prevê medidas e ações a serem
postas em prática nos próximos 15 anos. Segundo o ministro, uma das iniciativas
é a regulamentação da prática do lobby. Até hoje ela não foi prevista em lei,
mas tramitam no Congresso vários projetos que a institucionalizam.
Outra
iniciativa é a ampliação do alcance dos mecanismos de compliance nos diferentes
órgãos da administração pública, com o objetivo de induzir os servidores a
cumprir rigorosamente as normas jurídicas e os regulamentos a que estão
submetidos. No Brasil, apesar de esses mecanismos terem sido criados em 2017
por decreto, só no último mês de setembro é que a administração pública
implantou “unidades de compliance” em todos os seus órgãos.
Já
nos países desenvolvidos a prática de compliance é antiga e cresceu
significativamente no início da década de 2000, após o escândalo da Enron Corporation,
uma empresa americana de energia. Ela foi flagrada aproveitando-se, com a
anuência da consultoria que auditava suas contas, de manipular a contabilidade
para esconder dívidas que não tinha como pagar, ao mesmo tempo que inflava os
lucros em seus balanços, prejudicando os acionistas. Depois da quebra do Lehman
Brothers, durante a crise financeira de 2008, quando se descobriu que o banco
havia escondido mais de US$ 50 bilhões em empréstimos que não tinha condição de
arcar, o rigor nos mecanismos de compliance foi aumentado ainda mais.
O
mérito da CGU, contudo, não está nas medidas que anunciará, mas em sua linha
programática. Segundo Rosário, o objetivo é trazer para o Brasil todas as
recomendações dos organismos multilaterais em matéria de combate à corrupção,
especialmente as elaboradas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Para combater a máfia italiana e os grupos terroristas
europeus não por meio de repressão policial, mas por meio de serviços de
inteligência, sufocando suas fontes de financiamento, a OCDE criou no final da
década de 1980 um grupo de ação financeira internacional destinado a coibir a
lavagem de dinheiro.
O
êxito dessa experiência no enfrentamento dos crimes transnacionais foi tão
grande que, na década seguinte, esse grupo produziu várias minutas de leis no
campo do direito penal econômico, para serem adotadas pelos países-membros da
OCDE. A ideia era, com a uniformização desse ramo do direito, criar condições
para que o terrorismo e o crime organizado pudessem ser combatidos em qualquer
parte do mundo e julgados em qualquer tribunal.
Graças
a essa estratégia, à medida que a economia foi se globalizando, a articulação
entre os recursos ilícitos de grupos criminosos e os circuitos bancários que
deles se alimentavam foi sendo desmontada. Embora não pertença à OCDE, o Brasil
foi aos poucos adotando as minutas do órgão. Na década de 2010, as leis que
tipificam o crime de lavagem de dinheiro e regulamentam o combate à
criminalidade organizada foram inspiradas nessa experiência.
Se
o presidente Bolsonaro não interferir na implementação dessas medidas, tentando
explorá-las politicamente para minar a imagem de adversários políticos e livrar
filhos das malhas da Justiça, a iniciativa da Controladoria-Geral da União
poderá ser positiva.
Vocação de pária – Opinião | Folha de S. Paulo
Não
contente em atacar China, Bolsonaro deixa filho gerar crise fazendo o mesmo
Qualquer
pessoa pode ser perdoada se, por ignorância, desconhecer que China e Estados
Unidos são as maiores economias do mundo. Um homem público desprezar que ambos
são os maiores parceiros comerciais do Brasil, isso já é de uma nescidade indesculpável.
Esse
tem sido o saldo da diplomacia brasileira sob Jair Bolsonaro, com Ernesto
Araújo no Itamaraty e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) na camarilha
familiar. O trio arruína a imagem do país, coadjuvado pelo ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles.
O
filho 03 protagonizou a crise mais recente com a China. Seu pai já criara
atrito desnecessário ao pôr em dúvida a segurança da vacina Coronavac, e o
parlamentar completou o golpe em área ainda mais estratégica ao reiterar
suspeita de espionagem embutida na tecnologia chinesa de telefonia
5G.
Eduardo
macaqueia, com isso, os ataques do republicano Donald Trump contra a
concorrência asiática, sob o pretexto de risco para a segurança nacional. Claro
está que não se deve menosprezar tal possibilidade, até porque a Presidência do
Brasil já foi vítima de bisbilhotagem eletrônica, só que praticada desde
Washington.
Se
é que algum dia fez sentido o alinhamento automático com um destrambelhado como
Trump (nunca fez), após sua derrota na eleição a conduta se torna
irresponsável. Bolsonaro se isola ainda mais como pária internacional ao
permanecer como um dos últimos a não reconhecer a vitória do democrata Joe
Biden.
O
fanatismo ideológico da família nada tem de inofensivo. Além de ser filho do
presidente, Eduardo é parlamentar e, mais, preside a Comissão de Relações
Exteriores da Câmara. Deveria refletir antes de publicar qualquer bobagem em
redes sociais.
A
tripla condição de destaque aparece registrada na violenta nota de reação da
embaixada chinesa. O texto publicado ignora o habitual comedimento diplomático
ao aludir a possíveis “consequências
negativas”, caso a retórica bolsonarista não seja contida.
O
Brasil destina para a China seu maior volume de exportações (estimados US$ 60
bilhões neste ano) e tem com ela seu maior superávit comercial (US$ 32,5
bilhões até outubro). Pequim pode bem retaliar os arroubos brasileiros, por
exemplo com barreiras não tarifárias, ou talvez perfilar-se com Joe Biden e a
União Europeia para isolar o Brasil no front ambiental.
Salles
e Araújo, pelo menos, podem ser contidos por Jair Bolsonaro, caso o presidente
um dia desperte para o dano que infligem. Bem mais difícil de imaginar é que
consiga refrear a incontinência do herdeiro, já que não se cansa de dar-lhe o
mau exemplo.
Insegurança privada – Opinião | Folha de S. Paulo
Homicídio
de Beto Freitas chama a atenção para vícios do setor de vigilância
O homicídio
brutal de João Alberto Silveira Freitas, espancado por dois funcionários de
uma empresa contratada pelo supermercado Carrefour em Porto Alegre, também
suscita debate sobre o setor de segurança privada, em especial sobre os limites
do uso da força e a responsabilização de vigilantes.
Negros
como João Alberto, ou simplesmente Beto, não são as únicas vítimas de violência
em estabelecimentos comerciais no país, mas decerto se encontram entre as
principais —numa das facetas mais desumanas de nosso racismo.
Em
julho de 2019, um adolescente foi chicoteado em cárcere privado, acusado de
furto de quatro barras de chocolate no mercado Ricoy, na zona sul de São Paulo.
Em março de 2018, Fábio Rodrigo Hermenegildo sobreviveu a uma sessão de tortura
em um mercado Extra do Morumbi, na zona oeste.
Casos
semelhantes abundam em outras cidades, o que revela a necessidade de maior
controle, em especial no que diz respeito a empresas ilegais. Por lei, a
fiscalização cabe à Polícia Federal, mas a regulamentação da tarefa se limita a
uma portaria genérica de 2012.
Trata-se
de um setor de dimensões consideráveis —de acordo com o Anuário de Segurança
Pública de 2020, são mais de 1 milhão de profissionais aptos a trabalhar hoje,
estando metade deles inativos, ao menos oficialmente.
Especialistas
ouvidos pela Folha apontam
que a carreira absorveu, após a ditadura militar, muitos policiais que deixaram
suas corporações, não raro por má conduta. Prática proibida, a participação de
policiais em atividade é, não obstante, comum no ramo.
Cabe
ao Congresso, por meio da regulação, e ao Poder Judiciário, na condução dos
casos investigados, esclarecer as responsabilidades das empresas contratantes
dos serviços de segurança privada, seja pelo monitoramento de sua atuação, seja
pela determinação de protocolos de uso da força.
Merecem
atenção, nesse sentido, a instauração de inquérito pelo Ministério Público
Federal do Rio de Janeiro para apurar racismo no setor de segurança privada,
anunciada no último dia 23, e a ação da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul
solicitando indenização coletiva pela morte de Beto Freitas.
O
mesmo rigor da lei deveria ser aplicado tanto a policiais quanto a agentes
privados. Em ambos os casos, falta de controle, falhas na regulação,
corporativismo e responsabilização pífia imperam.
Mapa de riscos fiscais mostra contas públicas em desarranjo – Opinião | Valor Econômico
A
solução gradualista do teto de gastos poderia funcionar em um ambiente de
crescimento menos medíocre
O
teto de gastos tem chances razoáveis de se sustentar até 2023 mesmo em cenários
adversos, conclui o Tesouro em seu segundo Relatório de Riscos Fiscais da
União. Isso será possível se não houver ampliação ou criação de despesas, as
reformas estruturais forem aprovadas e se executem medidas para a redução do
enorme endividamento no médio prazo.
O
relatório mostra porque é estreita a margem de manobra para a ampliação de
gastos. A dívida pública do governo geral, já bastante alta para os padrões de
países emergentes, aumentou ainda mais com a pandemia e deixou uma herança
pesada. A maior parte das despesas eram inevitáveis, mas não derrubá-las a
partir do nível que atingiram é temerário. O resultado do governo central em
outubro registrou que o déficit primário no ano atingiu R$ 680,97 bilhões e, em
12 meses, R$ 725,6 bilhões, ou 9,8% do PIB. A meta antes da pandemia era R$
124,1 bilhões. Os resultados ainda piorarão. A projeção do Tesouro é de déficit
de 11,9% do PIB em 2020.
Esse
salto complicou a rolagem da dívida pública federal (69% da dívida bruta),
encurtou os prazos e aumentará seu custo. Os débitos que vencem em 12 meses,
que na média histórica de 2006 a 2019 foram de 10,7% do PIB crescerão
substancialmente para 17,4% do PIB e nos próximos anos provavelmente
ultrapassarão os 20%.
A
dívida bruta chegará a 94,4% do PIB este ano e, se tudo ocorrer conforme as
projeções, ao fim de 2023 será de 95,7%. Mas fazer com que a realidade entre em
acordo com as previsões tem sido mais exceção do que regra. No caso das receitas
previstas nas leis orçamentárias, por exemplo, entre 2009 e 2019, as previsões
estiveram certas uma vez (2018) - as demais estavam superestimadas.
Errar
custará caro, porque o nível da dívida já é elevado. Com 94,9% do PIB, o Brasil
tem uma dívida bruta superior aos dos países com a mesma nota de rating de
risco da S&P (BB-), de 71,7% do PIB. Está, por outro lado, bastante próximo
dos países em que o grau de risco é o de calote (nota CCC), cujo endividamento
é de 101,1% do PIB. Para chegar lá não falta muito. O Tesouro mediu os riscos
fiscais até 2023 e há cenários em que isso ocorre.
Se
de 2021 a 2023 o crescimento do PIB for um ponto percentual abaixo do esperado,
os juros um ponto percentual acima, e o déficit primário for 1% do PIB maior,
ao fim de 2023 a dívida bruta terá crescido 8 pontos percentuais e ultrapassado
103% do PIB.
Os
fatores que movem a dívida bruta são o desempenho do PIB, dos juros e do
resultado primário. Um aumento de 1 ponto percentual da Selic eleva em 1,7% a
dívida bruta ao fim do triênio. A queda de 1 ponto do PIB ou do resultado
primário a eleva em 3 pontos percentuais cada. Já as despesas primárias
dependem mais da inflação e do salário mínimo, especialmente pelos efeitos
sobre a previdência. Um aumento de R$ 1 amplia liquidamente as despesas em R$
305 milhões. O impacto é menor que a alta de 0,1% no INPC, que eleva gastos em
R$ 720,8 milhões.
No
caso das receitas primárias, onde mais há discrepâncias entre o desejo e o
real, elas dependem sobremaneira do crescimento e da inflação. Um ponto a mais
no PIB traz mais R$ 7 bilhões aos cofres públicos e um ponto de inflação, mais
R$ 6,5 bilhões. Um ponto percentual a mais da massa salarial adicionaria R$ 4,4
bilhões. Seria enganoso achar que um pouco mais de crescimento com mais inflação
resolveria a equação fiscal - o mix a arruinaria. As receitas são na prática
indexadas, mas as despesas agora também são. Um ponto adicional de inflação
custaria R$ 7,2 bilhões.
Os
riscos não param por aqui. Além dos macroeconômicos há os específicos, que
afetam ativos e passivos da União, com bombas à espreita. Esses riscos
aumentaram R$ 560 bilhões e são hoje de R$ 4,8 trilhões - do tamanho de toda a
dívida mobiliária. O estoque de ações judiciais contra a União cresceu 324% de
2014 a junho de 2020, para R$ 2,37 trilhões - e 34% desse montante é tido como
risco provável. Os gastos judiciais com ações perdidas pela União não param de
crescer e foram de R$ 19,8 bilhões em 2014 para R$ 54 bilhões este ano.
Contestações à barafunda tributária somam R$ 1,9 trilhão - 74% relacionadas a
PIS e Cofins.
A solução gradualista do teto de gastos poderia funcionar em um ambiente de previsibilidade e de crescimento menos medíocre. A pandemia eliminou essas premissas, a ponto de a situação fiscal se tornar péssima com o teto, e pior ainda sem ele. Sua manutenção dependerá de vontade política e determinação do atual governo, ambas duvidosas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário