A
vacinação em massa parece distante, mesmo com tanta experiência do Brasil nessa
área
No
início da pandemia, muito se falou que a vacina da covid-19 poderia
demorar anos. O quadro mudou rapidamente e, em abril, a expectativa caiu para
12 a 18 meses. Houve surpresas neste final de ano, pois alguns países já
iniciaram a vacinação. Esse timing é inédito.
O
conhecimento acumulado no trato de outros patógenos, como a SARS-CoV-1, foi um
fator central. Mas houve também cooperação global e coordenação de esforços,
algo essencial tendo em vista que a vacinação precisa ser mundial para ser
realmente efetiva e envolve cadeias globais de suprimento.
Em
janeiro, cientistas chineses divulgaram o sequenciamento do genoma do
SARS-CoV-2 na internet. Foi o passo inicial para produção de vacinas. Já em
abril havia ao menos 80 vacinas ou terapias antivirais sendo desenvolvidas no
mundo.
Houve iniciativas globais para financiar empresas e governos. A avaliação era que seria necessário produzir as vacinas antes mesmo dos testes finais para que, uma vez obtida a aprovação, o inicio da vacinação fosse rápido. O risco de insucesso precisava ser financiado.
A
cooperação técnica entre empresas seria difícil. De qualquer forma, a
combinação de cooperação mundial e concorrência entre as farmacêuticas na
corrida da vacina mostra-se bem-sucedida.
O
mundo avançou e o Brasil pouco
aprendeu nesse processo. Ficamos para trás.
No
início da pandemia, discuti neste espaço que seria crucial cuidar da saúde das
pessoas para conter as consequências perversas na economia e, assim, a
necessidade de políticas governamentais de socorro a pessoas e empresas. Como o
caminho até a vacinação em massa poderia ser longo e o quadro fiscal é grave,
seria preciso coordenar esforços dentro do governo e entre os entes
subnacionais para o enfrentamento da doença, além de evitar gastos excessivos e
má alocação de recursos públicos.
A
discussão permanece, pois apesar de algumas iniciativas positivas, o governo
não se preparou para a travessia. A vacinação em massa parece distante, mesmo
com tanta experiência do Brasil nessa área.
Ao
longo do ano, o País perdeu várias batalhas. Não houve reação à altura das
autoridades uma vez identificado o perigo do SARS-CoV-2, feito rapidamente pelo
ex-ministro Luiz Henrique Mandetta no fim de janeiro, e apesar do
carnaval chegando. Entramos tardiamente na corrida mundial por suprimento de
equipamentos e materiais de saúde. Falhamos na testagem. A execução do
orçamento com a saúde foi lenta (18% ainda não foi gasto) e houve problemas
sérios de organização e logística.
O Estadão revelou
os 6,86 milhões de testes próximos a perder a validade em armazém do governo
federal, ante os cerca de 5 milhões de testes feitos na rede
pública, segundo a imprensa. O comitê de crise, coordenado pela Casa Civil,
parece inoperante.
Não
houve colapso do SUS porque, em boa medida, outros tratamentos tiveram
queda expressiva, como o de câncer.
Em
que pesem os esforços localizados do Ministério da Saúde, incluindo a adesão ao ACT Accelerator
da OMS –
uma iniciativa global para o desenvolvimento, produção e acesso equitativo a
teste, tratamento e vacina –, estamos no escuro.
Vivemos
a segunda onda da pandemia, estamos atrasados na corrida mundial por vacinas e
não se sabe ainda como será o Plano Nacional de Imunização. Quais vacinas, além
daquelas poucas da AstraZeneca,
serão adquiridas para atingir os 300 milhões prometidos? Como será a logística
de distribuição? Foi feita previsão orçamentária, de forma a não violar o teto
de gastos?
Com
a gestão falha do governo federal, o que temos é a concorrência da política
pressionando por ação, com grande destaque do governo do Estado de São Paulo. Do lado dos eleitores, é possível que
estejam bem sensíveis à capacidade dos governantes de lidar com a crise de
saúde, como discutido na semana passada. Esses são aspectos positivos, pois
revelam o vigor de nossa democracia.
Será,
porém, um longo caminho até 2022.
*Consultora e doutora em economia pela USP
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