O
deputado salvou o presidente. O presidente degolou o deputado
Não
se pode negar que o deputado Rodrigo Maia teve momentos importantes e positivos
no exercício da presidência da Câmara. Foi mérito quase exclusivo seu a reforma
da Previdência, no segundo semestre do ano passado, quando chamou para si,
tocou e fez aprovar o projeto, enquanto o governo fazia corpo mole. É verdade
também que, durante todo o mandato, trabalhou incansavelmente pela sua
reeleição. Fez os entendimentos possíveis e engoliu todos os sapos para ficar
sempre pronto para ser reconduzido ao cargo, embora soubesse ser
inconstitucional. O mais grave foi ter se sentado em cima de pelo menos 30
pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro.
O
deputado sabe, como você e eu, que Bolsonaro cometeu uns dez crimes de
responsabilidade nestes primeiros dois anos de mandato. Um deles poderia ser
catalogado como hediondo, por atuar de maneira temerária em relação ao
coronavírus. Crime em que agora está reincidindo com o retardamento do início
da vacinação contra a Covid-19 por imprudência, inação e birra política. Também
atentou contra a democracia ao dar apoio a manifestações públicas que pediam o
fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, inclusive em
frente ao principal quartel do Exército. Numa delas, havia cartazes pedindo a
prisão de Rodrigo Maia. E o que fez Rodrigo Maia? Nada.
Cabe exclusivamente ao presidente da Câmara dar início a um processo de impeachment. Embora ninguém pudesse exigir que desse andamento ao pedido de afastamento do presidente, o deputado ignorou sua atribuição constitucional. De maneira informal, repetiu a quem quisesse ouvir que não encaminharia o processo porque não daria em nada, já que não seriam alcançados os votos necessários para afastar Bolsonaro. Ora, deputado, convenhamos. Então, dane-se a Constituição? O presidente comete inúmeros crimes, e não se abre um processo porque faltam votos para ao final puni-lo?
Nancy
Pelosi, presidente da Câmara dos Estados Unidos, abriu um processo de
impeachment contra Donald Trump, mesmo tendo absoluta certeza de que ele não
seria aprovado no Senado americano, que tinha maioria republicana. Corajosa,
resoluta e politicamente responsável, cumpriu seu dever constitucional dando
encaminhamento ao impeachment, que de fato acabou sendo barrado. Rodrigo Maia,
não. Tratou de se preservar, talvez imaginando que, ao poupar Bolsonaro, não
teria sua oposição quando chegasse a hora da eleição da Mesa da Câmara. Nancy
Pelosi não perdeu um grama sequer de seu prestígio. Rodrigo Maia perdeu. Muito.
O
deputado passou dois anos tratando de ficar bem com todos, inclusive com o
Planalto. Embora vez por outra demonstrasse irritação com os arroubos do
presidente e dos seus três zeros, jamais se distanciou de Bolsonaro. Só
percebeu que estava tratando com um inimigo perigoso agora, quando o PTB
bolsonarista arguiu a constitucionalidade da sua reeleição. Rodrigo ainda
acreditou que o tribunal haveria de ver nele uma barreira contra a escalada
autoritária de Bolsonaro, autorizando sua recondução. Não viu. E por que veria,
se ele nada fez quando efetivamente pôde impedir o presidente?
Bolsonaro
livrou-se de Rodrigo Maia. Descartou-o como se descarta uma garrafa vazia. O
presidente queria e precisava livrar-se dele porque também só pensa na sua
própria reeleição. O deputado seria uma sombra incômoda. Melhor ter um aliado
incondicional no cargo, mesmo que seja um corrupto notório. Bolsonaro, que
trabalha a favor de um segundo mandato desde que assumiu o governo, poderia ter
sido afastado do primeiro, não fosse a inércia de Rodrigo Maia. O deputado
salvou o presidente. O presidente degolou o deputado.
Rodrigo agora desce para a planície, volta ao chão do plenário que não pisa há cinco anos. Será, mesmo assim, um deputado influente, líder de um partido que se reinventou e que fez uma boa eleição municipal. Mas, no futuro, ainda terá de lidar com uma tarefa complicada, de explicar para a história por que não cumpriu a missão que a ele estava reservada.
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