A
própria falta de liderança explica os reveses de Jair Bolsonaro
Jair
Bolsonaro perdeu a “guerra” da vacina contra a covid-19.
Se não capitular por decisão própria, e há sinais de que isto já está
acontecendo, o STF imporá o óbvio: governadores e prefeitos dispõem de
instrumentos legais suficientes para seguir adiante com planos de vacinação,
não importa o que diga o general cumpridor de ordens no Ministério da Saúde. A onda que o leva à derrota é
irresistível, e Bolsonaro só não foi capaz de enxergar a dimensão dela por
conta do fenômeno da “mentalidade do bunker” – a que acomete dirigentes que só
ouvem puxa-sacos ou vivem mergulhados numa atmosfera peculiar desvinculada da
realidade além das quatro paredes palacianas. É gritantemente óbvio que milhões
de pessoas querem se agarrar a qualquer esperança na luta para sobreviver ao
vírus.
Era
também gritantemente óbvio o impacto do noticiário e das imagens de países como
o Reino Unido vacinando em massa sua população, além da
reação de esperança e euforia dos mercados com a chegada de vacinas de eficácia
(ao que indicam os dados) superior à expectativa inicial. Esses fatores criaram
um “momento” na política avassalador: aquele que cobra e premia ações rápidas e
decisivas, a superação imediata de qualquer tipo de barreira burocrática ou
regulatória.
Ao politizar de forma tosca e contraproducente desde o início todas as medidas em relação à pandemia, é Bolsonaro o principal responsável pelo ambiente no qual governadores como João Doria (mas não só) enxergaram no desafio ao governo federal uma oportunidade de ganhar algum tipo de perfil. Ele mesmo desmoralizou sucessivos ministros da Saúde, incluindo o atual – um general cuja inadequação ao cargo e a vontade de agradar um chefe errático o condenam a um desempenho patético quando se dirige ao público para se desdizer em sequência.
Governadores
e prefeitos estão empenhados em conseguir como seja os meios para vacinar
“suas” populações e, mesmo aqueles que mantêm uma aparência de “coordenação” e
“confiança” em relação ao governo federal, afirmam em público que possuem um
plano de contingência para o caso de não se materializar um plano centralmente
coordenado para imunizar milhões de brasileiros. Em outras palavras, não
confiam, e vão correr para a primeira vacina que aparecer. Exatamente o que
cobra a população.
A
derrota na “guerra” da vacina é, no final das contas, resultado da incapacidade
de Bolsonaro de efetivamente liderar em qualquer questão relevante, em qualquer
campo. Sua política externa prejudicial aos interesses nacionais está sendo
desmontada por vários setores privados. Na nevrálgica questão das políticas
ambientais, conseguiu criar uma inédita coligação doméstica e externa contra
ele, integrada por instituições e empresas de peso dentro e fora do Brasil,
além de reforçar a rivalidade com o vice presidente que cuida da Amazônia.
Sua
“articulação” política resultou na entrega ao amorfo grupo do centrão das
principais agendas, além da chave dos cofres públicos. Seus líderes
parlamentares – alguns deles são quadros parlamentares experientes e focados –
manifestam abertamente a frustração pelo fato do presidente não ter sido capaz
de dar o impulso político (leia-se empenho) para seguir adiante com corte de
subvenções, reforma tributária, efetivo corte de despesas (como folha do
funcionalismo) nas contas públicas, desburocratização, privatizações.
Não houve liderança efetiva sequer para a criação de um programa de renda básica que permita prosseguir de alguma maneira a ajuda emergencial – fator de conforto para a popularidade para o presidente mas que apenas mascara os problemas graves estruturais de uma economia há muito estagnada. Bolsonaro costuma cultivar versões fantasiosas dando conta de “conluios” que o impediriam efetivamente de governar. Mas quem renunciou a liderar foi ele mesmo.
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