Valor Econômico
País está muito mal posicionado, mas há
oportunidades no ar
Na década de 1990, o comércio exterior de
bens e serviços se organizou em torno das cadeias globais de valor. Trata-se de
um arranjo produtivo com elevado grau de fragmentação, em que distintas
atividades e etapas do processo industrial ficam espalhadas por vários países
ou regiões. Cadeia de valor, em outras palavras, é o “caminho” da produção que
um determinado bem percorre até chegar nas mãos do destinatário final. Esse
caminho possui uma série de fases que se conectam: pesquisa e desenvolvimento,
compra de insumos, fabricação, distribuição, venda, pós-venda (treinamento e
manutenção).
Pegue-se o exemplo de um aparelho de telefone celular: ele pode ter seu projeto concebido no Vale do Silício, reunir peças fabricadas no Leste Europeu e baterias com lítio explorado na Bolívia, incorporar softwares desenvolvidos no Canadá e em Portugal, ser montado na China e concentrar a assistência ao cliente num call center na Índia.
Há algumas etapas mais conhecidas nas
cadeias de valor: 1) inovação e controle, papel normalmente desempenhado por
países onde estão as sedes de empresas líderes em seus setores, que concentram
P&D, concepção e desenvolvimento de produtos, marketing. É ali que está o
poder de selecionar fornecedores e tomar decisões estratégicas; 2) fornecimento
de peças e insumos, que podem ser muito simples, mas também envolver itens de
valor mais alto, como autopartes, componentes eletrônicos e materiais
elétricos, tecidos especiais. Alguns países de destaque são Estados Unidos,
Alemanha, França, Japão, Coreia do Sul; e 3) processamento de exportações, fase
tida como intermediária no processo, com menor valor agregado e retorno
econômico relativamente baixo, mas empregando bastante mão de obra, embora de
salários diminutos. Sudeste Asiático, Leste Europeu, China e México são as
principais referências aí.
Um estudo da Confederação Nacional da
Indústria (CNI), em parceria com a empresa de tecnologia Totvs e ainda inédito,
mostra como é frágil a posição do Brasil nas cadeias globais de valor. “Não
temos papel relevante em inovação e controle, em processamento de exportações,
nem em vendas ao exterior de peças e componentes”, escreveu o presidente da
entidade, Robson Andrade, na apresentação do trabalho - que foi elaborado por
dois pesquisadores do MIT e do Union College. “Nossas exportações estão cada
vez mais concentradas em bens intensivos em recursos naturais.”
De 2001 a 2020, subiu de 11% para 35% a
participação de três commodities - soja, petróleo bruto, minério de ferro - na
pauta exportadora do país. Na direção oposta, déficits vão se acumulando em
áreas de alta e média intensidade tecnológica.
A análise dos investimentos estrangeiros
diretos (IED) na última década e meia também é reveladora. Entre 2005 e 2020, o
Brasil foi o sexto principal destino de aportes no mundo e recebeu US$ 839
bilhões. As filiais de multinacionais americanas, europeias ou asiáticas por
aqui tendem a atender basicamente o próprio mercado brasileiro ou o mercado
regional (Mercosul), muitas vezes sem a incorporação de tecnologia nacional
relevante.
Tudo bem, sem grande drama, elas geram
emprego e renda, além de elevar a base industrial. O problema é o fluxo das
múltis verde-amarelas no exterior: só US$ 47,5 bilhões de 2005 a 2020. Isso nos
deixa em 31º lugar como fonte de aportes em outros países. WEG, Gerdau,
Iochpe-Maxion, Stefanini, Multilaser e Totvs são exceções que confirmam a
regra.
Quando se observam os dados de
investimentos feitos (fluxo de saída) e investimentos recebidos (fluxo de
entrada), o sinal de desequilíbrio torna-se evidente. A relação é de apenas
0,06 no Brasil. Japão (14,59), Coreia do Sul (3,60), Alemanha e Espanha (2,21),
Índia (0,32) e México (0,31) têm relações bem mais equilibradas. Subsidiárias
lá fora permitiriam às empresas brasileiras disputar mercados, acessar
tecnologias e processos comerciais avançados, explorar novos recursos
financeiros e humanos. Nós é que perdemos.
Com tudo isso dito, eis que surge uma
oportunidade: as mudanças que vagarosamente se desenhavam no cenário agora
ganharam velocidade com a pandemia. Conceitos como estoques enxutos para
reduzir custos, especialização vertical, cadeias de suprimento extensas e
“outsourcing” são duramente questionados. Ninguém mais quer ficar sem vacina
por falta de insumo farmacêutico, com montadoras paradas por falta de semicondutores,
esperando máscaras ou agulhas da Ásia.
Essa tendência já podia ser observada em
câmera lenta com a ascensão tecnológica da China e a resposta dos Estados
Unidos, que abriram uma guerra comercial. O nacional-populismo em alta levantou
o fantasma da mudança de uma ordem internacional baseada em regras para um
sistema baseado em resultados, em que as regras poderiam ser postas de lado e
há menos previsibilidade para os negócios.
O estudo indica quais devem ser as
prioridades para o Brasil tirar proveito desse rearranjo global: um sistema
robusto de financiamento e garantia às exportações, um arcabouço tributário que
reduza custos, políticas industriais alinhadas com a inovação, apoio a P&D,
acordos comerciais com União Europeia e Estados Unidos. É uma agenda da qual
nenhum pretendente a (re)ocupar o Palácio do Planalto pode fugir.
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