Folha de S. Paulo
Temos testemunhado uma perigosa escalada de
ataques às instituições no Brasil
Não há uma virgula no ordenamento
constitucional brasileiro que autorize a pretensão do Presidente da República
de atribuir às Forças
Armadas a função
de auditar ou certificar as próximas eleições. Cabe única e exclusivamente
ao TSE
(Tribunal Superior Eleitoral) a organização do pleito, a proclamação
dos resultados e a diplomação dos eleitos, no caso da eleição presidencial.
O convite feito a diversas autoridades e
representantes da sociedade civil para participar da Comissão de Transparência
Eleitoral, instituída pelo TSE, não transferiu e nem poderia ter transferido
competência exclusiva do Poder Judiciário às Forças Armadas, à OAB ou ao
Tribunal de Contas da União, presentes na Comissão. Propor o contrário sinaliza
intenção de sabotar o processo eleitoral e usurpar competência do Poder
Judiciário.
As Forças Armadas brasileiras têm sofrido constante assédio para cruzar os limites de suas atribuições constitucionais. A demissão de três comandantes, de uma canetada só, e a alta rotatividades no Ministério da Defesa são indicação disso.
Nesse momento em que o presidente insufla
os militares contra o TSE, vale lembrar a postura irrepreensível das Forças
Armadas norte-americanas, logo após a violenta invasão do Capitólio por
uma turba
insuflada pelo presidente Trump, em 6 de janeiro de 2021, que certamente
não passou despercebida de nossos comandantes.
Sem meias-palavras ou ameaças veladas, os
comandantes militares norte-americanos deixaram claro o apoio e defesa
incondicional à Constituição. "Qualquer ato que rompa com o processo
constitucional não é apenas contra nossas tradições, valores e juramento; mas é
contra a lei"; reiterando o compromisso de defender o resultado do
processo eleitoral.
A nota deixou clara a obrigação de
obediência dos militares apenas a "ordens legais", assim como o dever
de garantir a "segurança pública de acordo com a lei". Em resumo, a
ação dos militares, quando convocados a agir em operações de lei e ordem,
estará sempre adstrita à legalidade, tanto da convocação como de seu
cumprimento.
Os comandantes sinalizaram a grupos
radicalizados e armados, por fim, que "os direitos de liberdade de
expressão e assembleia não conferem nenhum direito ao uso
da violência, sedição ou insurreição".
Temos testemunhado uma perigosa escalada de
ataques às instituições constitucionais no Brasil, assim como um pernicioso
processo de erosão da legalidade por meio de atos infralegais e condutas
incompatíveis com o Estado democrático de direito. A flexibilização das armas,
o crescimento do poder das milícias e do crime organizado comprometem ainda
mais o futuro do Brasil.
O Supremo tem sido alvo prevalente desses
ataques, com o propósito explícito de romper os limites constitucionais ao
exercício do poder. A guerrilha contra a Justiça Eleitoral, que tem conduzido
de forma imparcial e eficiente as eleições desde a redemocratização, é uma
demonstração dessa disposição de convulsionar o processo democrático. O fato é
que jamais se apontou falha relevante no processo eleitoral.
As questões apontadas pelos diversos
membros da Comissão de Transparência deverão ser incorporadas na medida de sua
pertinência, legalidade e exequibilidade. Não podem ser utilizadas como ameaças
ao TSE e, em última instância, ao processo democrático. Cabe ao presidente do
TSE e ao ministro da Defesa, de seu lado, colocar um fim rápido a essa crise,
não permitindo que ela seja explorada por aqueles que militam pela ruptura de
nossa democracia. Neste momento o que se exige é lealdade à Constituição, nada
mais.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em
direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
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