O Globo
A pergunta que se faz agora também é quando
e por que os militares resolveram dar palpite político
Desde
1985, quando chegou ao fim a ditadura inaugurada 21
anos antes, os militares brasileiros não se salientam tanto como agora. As
Forças Armadas, profissionalizadas sob o exemplo do general Leônidas Pires
Gonçalves no comando do Exército durante o governo de José Sarney, conviveram
serenamente com a volta da eleição direta para presidente, com a implementação
de uma nova Constituição em que se bradou o ódio e o nojo à ditadura, com o
impeachment de dois presidentes, a eleição de um líder sindical por um partido
de esquerda e de um ultradireitista. Agiram sempre como se esses assuntos não lhes
dissessem respeito. E não diziam mesmo.
A pergunta que se faz agora é
quando e por que os militares resolveram dar palpite político, fazer pressão
sobre Poderes da República, fechar a cara e pintar-se para a guerra como se as
eleições de outubro próximo fossem muito diferentes das oito últimas, que elegeram
Collor, FH, Lula, Dilma e Bolsonaro. Claro que a próxima eleição será
exatamente igual às anteriores. Com os eleitores sufragando livre e
democraticamente seus candidatos e com o mais votado sendo eleito para tomar
posse em janeiro. Não há chance disso mudar. A menos que os militares se somem
à falsa paranoia do golpista Jair Bolsonaro e seus generais palacianos e tentem
melar o jogo democrático.
Essa chance existe e cresceu
quando oficiais superiores passaram a sair do seu quadrado ao ouvirem Bolsonaro
falar em seu nome. Nunca antes um presidente teve tanta vontade de ser
generalíssimo quanto o capitão, nem mesmo os generais-presidentes da ditadura.
Foi depois da posse do extremista que alguns chefes militares passaram a falar
como se vestissem terno e gravata e ocupassem gabinetes no Congresso. Não
porque eles também sejam ultradireitistas, alguns até são, mas porque
sentiram-se empoderados pelo comandante em chefe.
Os quartéis, que já estavam inflamados desde janeiro de 2018, ficaram sobremaneira excitados quando no ano passado Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e nomeou o fidelis ut canem general Braga Neto para o seu lugar. A troca dos comandantes das três Forças que se deu em seguida acabou transtornando hierarquias e provocando ainda mais agitação na caserna. Era o que queria Bolsonaro, velho arruaceiro de quartéis.
Além de convulsionar as Forças com as
trocas de comando, o presidente cooptou seus líderes oferecendo milhares de
cargos na administração federal a eles, seus familiares e agregados. São mais
de seis mil militares em cargos de segundo e terceiro escalões. Além deles,
amigos, afilhados e namorados também foram nomeados. São boquinhas que mamam
nas tetas do Estado e farão o que for possível para continuar mamando em 2023.
Inclusive colaborando para a permanência ilegal de Bolsonaro no poder.
Como já foi dito aqui,
Bolsonaro vai tentar mais uma vez dar um golpe se for derrotado em outubro.
Para isso, para obter o apoio de quem tem as armas, é que ele vem alimentando
os militares com cargos e salários públicos. E estes têm seguidamente
demonstrado boa vontade com o capitão. Viu-se isso no episódio do TSE, na
questão da tortura com conhecimento do STM, na ultrajante comemoração do 31 de
março e nos sucessivos solavancos dados por Bolsonaro nas instituições. Os
oficiais que falam, pessoalmente ou por nota, estão subordinados aos desejos
antidemocráticos do capitão.
Não são poucos os generais
dispostos a manchar seus nomes e biografias numa aventura golpista. Se a
tragédia ocorrer, vão entrar para a História como homens mesquinhos,
oportunistas, que tentaram desviar o curso de uma nação apenas para manter seus
cargos e os de seus filhos e genros. Há pouca ideologia por trás do golpe,
trata-se principalmente de dinheiro público em bolsos privados. Por sorte, não
são todos. Há outros generais, muitos, que não navegam por essas águas escuras.
Nestes, e nas forças civis desarmadas, deve-se repousar a esperança de um
Brasil grande, livre e verdadeiramente democrático.
Imunidade arcaica
Nenhum país concede tantas imunidades aos
seus parlamentares quanto Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Do grupo de
ex-ditaduras do Cone Sul, apenas o Chile está fora da lista de piores num
estudo feito em 90 países pelos professores e pesquisadores Karthik Reddy,
Moritz Schularick e Vasiliki Skreta. Os quatro países refletiram em suas leis
preocupação que teve origem nas ditaduras, procurando defender os parlamentares
da má vontade de um governante
de botas. Na maioria dos países pesquisados as
imunidades são limitadas. Na Inglaterra não há qualquer imunidade parlamentar,
nem mesmo para o primeiro-ministro. O que deve ser inalcançável pela Justiça é
o voto do representante popular, não as suas opiniões e palavras. O exagero
pode significar que não importa o que diga o parlamentar, nada lhe será
imputado. Essa é a questão de Daniel Silveira. Alega que a ameaça que fez ao
Supremo, aos ministros e seus familiares era opinião e deve ser protegida. Não
foi opinião, foi crime e precisa ser punido.
Faltam Marinas
Sobram Gleisis na campanha de Lula.
Manda-chuvas como a presidente do PT espalham-se por todos os cantos do
partido. Cada nicho tem um chefe. Também abundam operários, carregadores
de piano prontos para obedecerem ordens que vêm de cima. Não se pode negar que
o PT seja organizado e disciplinado. Não fosse assim, as regionais nos estados,
fora São Paulo, jamais teriam engolido tantos sapos por tanto tempo. O que o PT
mais precisa agora é de ponderação e sensibilidade. Faltam Marinas na campanha de
Lula.
Problema
O problema no PT é que a cada dia diminui o
número de pessoas com coragem para chamar a atenção de Lula. Já foi melhor,
hoje, poucos apertam o chefe ou criticam as bobagens que ele eventualmente
fala. Os mais próximos do candidato são os que mais dão tapinhas de incentivo em suas costas. A
mudança na estrutura da campanha tem este sentido. Já a afirmação de que
Zelenski, Estados Unidos e Europa são tão responsáveis pela guerra na Ucrânia
quanto Putin não foi uma bobagem. O PT ainda julga que o Ocidente, liderado
pelos Estados Unidos, é a fonte de todos os males da humanidade.
Vale insistir
É mais do mesmo a declaração do novo
comandante da PM de São Paulo, coronel Ronaldo Miguel Vieira, de que não vai
permitir manifestações políticas de militares da ativa. A lei já determina
isso. Mas a manifestação do coronel é muito bem-vinda nestes tempos bicudos em
que aquartelados querem se meter
em tudo, até na contagem de votos.
A lista de FH
No documentário “O presidente improvável”,
Ricardo Lagos diz que salvou
100 chilenos da ditadura de Pinochet com dinheiro
enviado a ele por Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente do Chile diz que
FH mandou US$ 5 mil do Cebrap para o seu grupo em Santiago, suficiente para
comprar cem passagens aéreas para Buenos Aires. Os sobreviventes do regime
saíram do país aos poucos, sempre com a desculpa de estar indo participar de
seminários no país vizinho.
Democracia pra quê?
No mesmo documentário, FH defende a
liberdade e a democracia por outra razão, além da simples mas
imprescindível autodeterminação
das pessoas e das nações. “Precisamos de liberdade,
mas liberdade pra quê? Precisamos de democracia. Mas pra quê? Para a elite?
Para eleger senador? Isso não adianta. Precisamos de democracia para que você
(cidadão) participe. Democracia é para ajudar ao povo, para a guerra contra a
miséria”. O documentário dirigido por Belisario Franca está disponível na
Globoplay.
Imagine só
O inacreditável Ernesto Araújo publicou um
vídeo de 1h32m no YouTube para atacar o globalismo e, veja se pode, criticar a
música “Imagine”, de John Lennon. Logo no começo, ele observa que a letra pede
para as pessoas imaginarem um mundo sem céu (paraíso), ou nas suas palavras,
“uma realidade transcendente”. Seu raciocínio é tão pequeno e mesquinho que não
alcança a genialidade de Lennon. Para ele, o autor apenas recomenda que se deixe de acreditar em Deus, não
conseguindo entender o enorme libelo de paz contido na letra.
Bichonete de volta
A nota publicada aqui sobre a lanchonete do
Itamaraty conhecida por bichonete causou certo rebuliço no Ministério das
Relações Exteriores. Apesar de ser preconceituoso e abusivo, o apelido já
está consolidado e, para muitos, não vale a pena fazer qualquer movimento junto
a Google e Foursquare para tirar a referência dos seus mapas e sites. Tem gente
que pensa diferente. Um diplomata fez a seguinte provocação: “O apelido é tão
homofóbico quanto seria racista se o estabelecimento fosse chamado de
petronete”.
As minas de Zema
Nas Minas Gerais de Romeu Zema quem defende as mineradoras é a Secretaria de Meio Ambiente. É o que se vê agora na questão da exploração mineral na Serra do Curral. Todos os comunicados e entrevistas sobre o assunto, defendendo a exploração de minério na área considerada como a Floresta da Tijuca de Belo Horizonte, são da secretária do setor Marília Melo. Difícil dizer quem protege o estado dos problemas ambientais gerados pelas mineradoras. Zema bebe na fonte garimpeira de Bolsonaro.
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