O Globo
Os números dos diferentes institutos variam
um pouco, mas, nas pesquisas mais recentes de intenção de voto para presidente,
a distância entre Lula e Bolsonaro vem caindo para algo como 10 pontos
percentuais. Quando olhamos para a demografia, o que sustenta a superioridade
do ex-presidente é o voto do Nordeste e dos mais pobres. Fora desses dois
grupos, eles empatam.
Os números e as pesquisas qualitativas
sugerem que é a lembrança da prosperidade e dos programas sociais dos dois
governos Lula que sustenta a vantagem atual. Não é por acaso que, se
observarmos as estratégias de comunicação dos dois principais candidatos,
veremos que Bolsonaro está enfatizando os temas das guerras culturais (família,
armamentos e combate à corrupção), e Lula a economia. Mas o que acontecerá se Bolsonaro
consolidar um legado social próprio?
Se o presidente quiser avançar na seara de Lula, sua principal porta de entrada deve ser o Auxílio Brasil, que criou para substituir o Bolsa Família. Enquanto o antigo programa pagava em média R$ 192, o novo paga R$ 403; enquanto o Bolsa Família beneficiava 14 milhões de famílias, o Auxílio Brasil atende 18 milhões, cerca de um quarto das famílias brasileiras.
O melhor valor já pago pelo Bolsa Família
em toda a sua história foi R$ 150, em janeiro de 2014, no primeiro governo
Dilma. Isso, corrigido pela inflação (IPCA), dá R$ 329 hoje. O auxílio de
Bolsonaro não apenas atende mais pessoas, como seu valor é cerca de 25%
superior ao melhor mês do Bolsa Família sob a administração do PT.
O programa atual é confuso e mal desenhado.
Foi criticado pelos especialistas por seus benefícios múltiplos, sobrepostos e
esdrúxulos, como Auxílio Esporte Escolar e Bolsa de Iniciação Científica
Júnior. Mas o prêmio principal mais alto é uma melhoria significativa em
relação ao Bolsa Família.
Quando foi criado, o Auxílio Brasil também
foi criticado por não ter uma institucionalidade sólida que garantisse seu
caráter duradouro — na versão original, ele expirava no final de 2022, logo
depois das eleições. Isso foi recentemente corrigido pelo Congresso, que
garantiu o benefício de R$ 400 e tornou o programa permanente.
O programa social improvisado, porém
efetivo, de Jair Bolsonaro não é seu único trunfo na área econômica. O emprego
tem mostrado índices relativamente bons. O desemprego, segundo o IBGE, está em
11%, melhor marca desde 2015. O saldo acumulado da criação de empregos formais
em 2021 é de 2,7 milhões de vagas. O número não é comparável aos anos
anteriores porque a metodologia do Ministério do Trabalho mudou, mas os
especialistas concordam que o saldo é muito bom.
O legado social de Bolsonaro, porém, é
ambivalente. Seu lado negativo pode ser explorado pela oposição. Embora o
mercado de trabalho formal tenha crescido de maneira significativa, o
rendimento do trabalhador caiu. A renda média do trabalho hoje ainda está
abaixo do nível pré-pandemia. Em resumo, há um pouco mais de emprego, mas os
salários são menores.
Quanto ao Auxílio Brasil, embora o total de
famílias atendidas seja grande, há um número expressivo na fila de espera: 1
milhão, segundo estimativa da Confederação Nacional de Municípios. Há ainda a
pobreza oculta das famílias que não foram cadastradas, por isso ainda não
reivindicam o benefício.
Até o valor mais alto pode ser motivo de
disputa. Embora o valor hoje seja maior em relação ao Bolsa Família, é apenas
dois terços do Auxílio Emergencial, de memória recente. O mesmo valor pode ser
lido como ampliação significativa e apresentado como redução significativa.
Essa ambivalência talvez explique por que,
segundo pesquisa Datafolha de março, a intenção de voto em Bolsonaro não é
maior entre quem recebe o Auxílio Brasil (é até um pouco menor). Pode ser,
porém, que isso mude com o tempo, à medida que o programa se consolide, e o
governo consiga emplacar nele sua marca.
Também pode ajudar Bolsonaro o fato de Lula
chamar a atenção para os problemas econômicos, mas não apontar soluções. Na
entrevista para a revista Time desta semana, o ex-presidente disse que só
definirá a política econômica depois das eleições. Será que é sensato Lula
contar apenas com a memória do eleitor da prosperidade de dez ou 15 anos atrás?
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