O Globo
"Livre como um táxi", humorista
criticou poderosos, desafiou a censura e deixou lições para o jornalismo
“Fiquem tranquilos os poderosos que têm
medo de nós: nenhum humorista atira para matar.”
O aviso é de Millôr Fernandes, o genial
guru do Méier. Mas vá perguntar aos poderosos que viveram a desventura de
entrar em sua mira.
Millôr faria cem anos hoje. A imprensa
gosta de efemérides e já celebrou seu talento como frasista, desenhista,
dramaturgo, tradutor e poeta. Faltou lembrar o comentarista mordaz da política
brasileira.
Prefeitos, governadores, deputados: ninguém
escapava ao risco de uma pedrada. “Política é a mais antiga das profissões”,
dizia.
Suas tiradas revelam um espírito insubmisso a qualquer regime: “As principais formas de governo são as ruins e as muito piores”; “A diferença entre a galinha e o político é que o político cacareja e não bota o ovo”; “Todo governante se compõe de 3% de Lincoln e 97% de Pinochet”.
Era perda de tempo tentar enquadrá-lo em
caixinhas ideológicas. “A definição mais próxima que você pode dar de mim é de
anarquista”, disse, numa rara entrevista na TV.
Millôr tinha predileção por zombar dos
inquilinos do Planalto. Enquanto os mortais escreviam longos artigos, ele
fulminava presidentes com uma só frase. Sobre Collor: “Deu ao povo uma coroa de
espinhos e ainda ficou com os 30 dinheiros”. Sobre FH: “Fernando Henrique
Cardoso acha que essas são as três palavras mais bonitas do mundo”. Sobre Lula:
“A ignorância lhe subiu à cabeça”.
Quando Sarney assumiu no lugar de Tancredo,
o guru resumiu o sentimento nacional com duas palavras: “Fomos bigodeados”.
Na ditadura, Millôr debochou dos militares
e fundiu a cuca dos censores. “Quem é de oposição é porque não é de muito
falar”, ironizou, em 1973. Em outros momentos, ele não conseguiu driblar a
tesoura. Sua revista Pif-Paf, lançada um mês depois do golpe de 1964,
sobreviveu por apenas oito edições.
Todo jornalista já ouviu sua máxima
“Imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”. O guru também
deixou outras lições sobre o ofício. Uma delas: “Em política, o que te dizem
nunca é tão importante quanto o que você ouve sem querer”.
Sua independência era inegociável. Para
preservá-la, evitava se enturmar e até atender ligações de poderosos. Millôr
morreu em 2012, fiel ao lema que bolou para O Pasquim: “Livre como um táxi”
2 comentários:
MILLÔR TEM QUE SER VERBETE
Adoro,li ''Hamlet'' traduzido por ele.
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