Valor Econômico
Recém-eleito presidente da República, Jair
Bolsonaro foi naquela manhã de domingo até a Urca, no Rio de Janeiro, para
participar de um tradicional encontro anual nas instalações da Escola de
Educação Física do Exército. Era 25 de novembro de 2018. O então deputado
federal acabara de vencer as eleições com um inflamado discurso antipetista e
anticorrupção, momento bem distinto do vivido por ele e seu entorno atualmente.
Bolsonaro passara a campanha fazendo de tudo para construir a imagem de austero. Manteve o esforço nos anos seguintes, aparecendo frequentemente em público como homem de hábitos simples, apreciador de pão com leite condensado e portador de relógios ou canetas que nem de longe lembram os modelos supostamente dados ao Estado brasileiro e depois incorporados ao seu patrimônio pessoal.
Convenceu muita gente. Na campanha à
reeleição, em 2022, repetiu a estratégia. Perdeu a disputa, mas ainda assim o
discurso sensibilizou mais uma vez parcela considerável do eleitorado. Tanto
que seu partido, o PL, reservou-lhe um papel de luxo, muitíssimo bem
remunerado, para que trabalhe para impulsionar candidaturas da sigla nas
eleições municipais.
Nem mesmo a decisão do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) de torná-lo inelegível o fez mudar de plano. Em julho, enquanto
todas as principais lideranças políticas do país discutiam a reforma tributária
em Brasília, Bolsonaro aparecia em uma loja popular em Goiás falando com
apoiadores e bebendo caldo de cana.
Naquele longínquo domingo de 2018, contudo,
vivia-se outro momento.
Do lado de fora da organização militar onde
se formou em educação física, ele falou com a imprensa. Em meio a gritos de
“mito” dados por apoiadores que o aguardavam na rua, assegurou que não
negociaria cargos com partidos políticos para a formação do governo. Promessa
que descumpriu, aliás, quando se viu pressionado por alguns pedidos de
impeachment.
Dentro do quartel, mais à vontade,
confraternizou e recebeu uma condecoração.
Nas imagens que foram divulgadas após o
encontro, tinha ao seu lado personagens até então pouco conhecidos do público
em geral. Participaram do evento, por exemplo, o então interventor federal no
Rio de Janeiro e comandante militar do Leste, general Walter Souza Braga Netto,
e o general Décio dos Santos Brasil, antigo vice-chefe do Departamento de
Educação e Cultura do Exército (DECEx) e ex-chefe do Centro de Capacitação
Física da Força Terrestre.
O primeiro, como se sabe, depois foi
ministro da Casa Civil e da Defesa. Deixou o governo para disputar as eleições
como vice de Bolsonaro e, agora, é cotado para concorrer à Prefeitura do Rio.
Décio dos Santos Brasil tornou-se
Secretário Especial do Esporte. Em entrevista à “Folha de S. Paulo” concedida
em março de 2020 após sua demissão, disse que fora exonerado por ter resistido
à nomeação de um amigo do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Segundo fontes
relataram à época, ele foi uma baixa na guerra entre as alas militar e
ideológica da administração anterior.
No almoço oferecido durante o encontro, ele
foi acomodado à direita do presidente eleito, em lugar de destaque. Do outro
lado, sentou-se o então chefe do Departamento de Educação e Cultura do
Exército, general Mauro Cesar Lourena Cid.
Era impossível para qualquer espectador da
cena prever o que ocorreria anos depois. Respeitado pelos seus pares, Lourena
Cid fora colega na academia militar do novo presidente da República e conseguiu
emplacar o próprio filho, o tenente-coronel Mauro Cid, no cargo de ajudante de ordens
de Bolsonaro, posto de extrema confiança e do círculo próximo do chefe do Poder
Executivo.
Essa proximidade, segundo investigadores,
estreitou-se, e muito, de lá para cá. Pai e filho se tornaram personagens
centrais nas apurações que podem determinar o futuro do que ainda resta do
cacife político de Bolsonaro.
Diante das incertezas, aliados do
ex-presidente estão cautelosos. Apesar da repercussão negativa nas redes
sociais e do silêncio de apoiadores, eles acreditam que o potencial eleitoral
de Bolsonaro ainda está relativamente preservado: o PL fará pesquisas nos
próximos meses para avaliar os danos do episódio em relação à imagem de
Bolsonaro e da ex-primeira-dama Michelle.
Por enquanto, contudo, eles decidiram
esperar os desdobramentos para comentar os fatos em apuração. Podem até
divulgar mensagens genéricas de apoio, mas sem falar diretamente sobre o que
não sabem. Até porque, neste momento, os investigadores estão vasculhando as
informações de celulares, dispositivos eletrônicos, sigilos fiscais e bancários
dos envolvidos no suposto esquema de venda de presentes oficiais.
Da seara eleitoral, fala-se agora de
supostas irregularidades praticadas no âmbito criminal. Ou seja, em caso de
condenação transitada em julgado, estaria em jogo mais do que a já declarada
inelegibilidade de Bolsonaro, mas a suspensão de seus direitos políticos. A
inelegibilidade é mais restrita do que a perda ou suspensão de direitos
políticos, uma vez que ela não tira o direito ao voto e ao de ser nomeado a
cargos públicos não eletivos, por exemplo.
Ficaria em xeque, dessa forma, até a sua capacidade de fazer campanha para os correligionários. Assim como a imagem que tentou construir ao longo dos últimos anos e ainda se sustenta entre aqueles que o chamam de “mito”.
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