quarta-feira, 16 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

STF deve consagrar liberdade com responsabilidade

O Globo

Caso do Diário de Pernambuco dirá quando um veículo de comunicação pode ser condenado pelo que publica

Está em julgamento no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) um caso que afeta a liberdade de informação e expressão na imprensa brasileira. Trata-se de um recurso do Diário de Pernambuco, condenado a pagar indenização pela publicação de uma entrevista. O jornal não endossou as afirmações do entrevistado, tampouco atacou quem quer que fosse. Apenas divulgou uma entrevista. O caso tem repercussão geral e será paradigma para os futuros julgamentos da Corte. Noutras palavras, definirá em que hipóteses um veículo de comunicação poderá ser condenado pelas informações que publica.

Como ocorre nesse tipo de julgamento, a Corte se debruça sobre o caso a fim de encontrar a tese que melhor aplica as regras da Constituição ao tema em debate. Diversas foram apresentadas pelos ministros — e outras ainda poderão surgir. Uma delas será escolhida e doravante moldará os limites da liberdade de divulgação de informações na imprensa brasileira.

Julgamentos de repercussão geral, como as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), são mais que a aplicação da Constituição a casos concretos. São sinais que a mais alta Corte do país emite ao próprio Judiciário, aos demais Poderes e à sociedade sobre os limites constitucionais em cada área do Direito. Como no centro da controvérsia está a liberdade de informação, espera-se da Corte sensibilidade e firmeza.

É sabido que não existem direitos absolutos. As liberdades de expressão e informação são pilares da democracia e base dos demais direitos fundamentais, uma vez que, sem elas, ninguém pode reivindicá-los ou denunciar violações. Sem liberdade de expressão e informação, a sociedade não tem como fiscalizar o exercício do poder, do Estado ou das grandes corporações, e as minorias não têm voz.

No entanto outros direitos, também constitucionais, podem impor limites às liberdades de expressão e informação. É o caso dos direitos à honra ou à vida privada. Não é lícito a nenhum veículo de informação publicar informações sabidamente falsas ou ofender quem quer que seja. No momento em que a sociedade cobra das plataformas digitais que se responsabilizem pelos conteúdos que distribuem, ainda que não os produzam, os veículos tradicionais não poderiam se furtar à responsabilidade pelo que publicam. É isso que sempre caracterizou o jornalismo profissional e continuará a caracterizá-lo.

É necessário, entretanto, reconhecer a natureza dinâmica e arriscada da atividade jornalística. A sociedade exige a publicação de notícias em tempo real, com a maior riqueza de detalhes possível. É papel dos jornais e dos veículos de comunicação atender a essa demanda social, buscando incessantemente a verdade sobre os fatos, especialmente os de interesse público. Se esse papel é cumprido com seriedade e ética, não há razão para que o veículo seja punido, ainda que as informações divulgadas venham posteriormente a se mostrar equivocadas.

A atividade jornalística pressupõe a busca incessante da verdade sobre os fatos, divulgados ao leitor ainda quentes, à medida que chegam ao conhecimento dos jornalistas, no calor da luta pela informação. Erros podem acontecer. A imprensa pode errar primeiro, assim como, nas palavras do ministro Nelson Hungria, o STF tem “o supremo privilégio de errar por último”. Ambos acertam muito mais que erram.

No jornalismo profissional, definido por seguir princípios, ninguém erra porque quer. Apenas a má-fé e a negligência grosseira em relação aos fatos justificam punir um veículo de comunicação. Publicar deliberadamente notícias falsas ou ignorar evidências ao alcance da apuração, ocultando propositalmente versões dos envolvidos nos acontecimentos quando disponíveis, são atitudes incompatíveis com o bom jornalismo e merecem desaprovação.

É assim que a Justiça americana encara o assunto, por meio da doutrina conhecida como actual malice (correspondente, na tradição brasileira, ao dolo). Desde o caso New York Times Co. v. Sullivan, de 1964, a Suprema Corte americana exige, para condenar um veículo, prova do conhecimento prévio de que a notícia era falsa ou de negligência no dever ético de buscar a verdade factual (“reckless disregard of whether it was false or not”). Penalizar os erros involuntários, cometidos na apuração ética dos fatos, provocaria um efeito silenciador em toda a imprensa (“chilling effect”, na expressão consagrada pelo caso), com consequências desastrosas para a qualidade da informação consumida pela sociedade brasileira. Diante da possibilidade de constantes condenações a pagamento de indenizações, os veículos se acovardariam, especialmente na divulgação de notícias sobre os poderosos.

É essa lucidez que se espera do STF na escolha da tese que pautará o exercício da liberdade de expressão e informação no país. Que ela seja equilibrada, contemplando os demais direitos fundamentais, mas que entenda a urgência da produção das informações jornalísticas e só reprima as condutas antiéticas deliberadas e a negligência jornalística grave, deixando aos veículos espaço para que, com suas imperfeições e virtudes, continuem a informar a sociedade brasileira livremente.

Medidas do governo retardam desaceleração

Valor Econômico

Revisões ao fim do semestre apontam para crescimento um pouco maior

Alguns dos indicadores econômicos da virada de semestre vieram acima do esperado e desencadearam a revisão das previsões. A mais recente partiu do Itaú, que elevou a projeção do PIB do ano de 2,3% para 2,5% ao constatar dados “melhores de atividade e da resiliência do mercado de trabalho”. A previsão de crescimento no segundo trimestre foi aumentada de 0,2% para 0,3%, com a variação anual passando de 2,4% para 2,7%. O indicador diário de atividade elaborado pelo banco (IDAT-Atividade) aponta uma atividade mais benigna no início do terceiro trimestre.

A avaliação é que o crescimento deve continuar sustentado pela renda, apoiada em um mercado de trabalho resiliente. O Itaú mantém a projeção de que a taxa de desemprego deste e do próximo ano vai ficar em 8%. A expectativa para a inflação foi reduzida de 5,1% para 4,9%.

A sinalização dada pelo Itaú encontra respaldo em outros dos indicadores recentes. O Monitor do PIB do FGV Ibre, divulgado ontem, registrou aumento de 1,3% em junho sobre maio, e de 0,2% no segundo trimestre em comparação com o primeiro, sustentado principalmente pelos serviços. Um dia antes saiu o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), com alta de 0,63% em junho, e de 0,43% no segundo trimestre, em relação ao primeiro.

Na semana passada, o IBGE informou que, depois de cair 0,1% em abril e 0,7% em maio, as vendas do varejo ficaram estáveis em junho, o que foi considerado positivo. As vendas aumentaram 1,3% no semestre e 0,9% no acumulado em 12 meses. O setor está 3% acima do nível anterior à pandemia, de fevereiro de 2020, mas 3,3% abaixo do patamar mais alto da série histórica, registrado em outubro de 2020.

As vendas do varejo ampliado, que inclui veículos e materiais de construção, cresceram ainda mais, 1,2%, impulsionadas pelo programa do governo de desconto na venda de veículos de entrada. Somente a venda do grupo de veículos e motos, partes e peças saltou 8,5%, enquanto a de material de construção recuou 0,3%. No semestre, as vendas do varejo ampliado aumentaram 4% e, no acumulado de 12 meses, 1,1%.

Uma herança estatística anima os números do terceiro trimestre, que é reforçada por levantamento da Fenabrave de que a venda de veículos ainda foi forte em julho. Mas não se duvida que o fôlego será curto, limitado pelo fim do programa do governo federal, pelos juros do crédito ainda elevados e alto endividamento das famílias.

A indústria teve uma ligeira expansão de 0,1% em junho em relação a maio, informou o IBGE. No segundo trimestre, o crescimento da indústria foi de 0,4%, na comparação com o período de janeiro a março, quando ficou estagnada. No primeiro semestre de 2023, porém, acumula queda de 0,3%. Em 12 meses, avançou 0,1%. O sentimento é que o setor “anda de lado’. A produção industrial ainda está 1,4% abaixo do patamar pré-pandemia e 18% aquém do pico de maio de 2011.

Os bens duráveis exibem estoques elevados, como é o caso dos automóveis, o que originou o programa do governo. Apesar de os estoques de automóveis populares terem sido reduzidos, não houve efeito na produção, que despencou 4% em junho, e só foi reagir em julho de acordo com a Anfavea. De toda forma, os analistas não veem muitos motivos para otimismo com a indústria no segundo semestre, com exceção do setor extrativo, em que se destacam o minério de ferro e o petróleo.

Já o volume de serviços prestados no país cresceu 0,2% em junho, mas o índice ficou abaixo das previsões do mercado. É preciso levar em conta, porém, que o setor vem de uma escalada de recuperação após o afrouxamento das restrições causadas pela pandemia, que durou dez trimestres seguidos e levou o índice ao ponto mais alto da série histórica em dezembro. Mesmo tendo recuado no primeiro trimestre do ano e registrado crescimento de 0,5% no segundo trimestre, o volume de serviços prestados está em patamar 12,1% superior ao do pré-pandemia.

Para alguns analistas, o resultado dos serviços confirma a expectativa de desaceleração da economia. No entanto, isso não é uma unanimidade e outros chamam a atenção para o novo recuo do Indicador de Incerteza da Economia (IIE-BR), elaborado pela Fundação Getulio Vargas (FGV). O IIE-Br teve o quarto recuo consecutivo em julho, para o menor nível desde novembro de 2017, o que indicaria resposta positiva à desaceleração da inflação, mercado de trabalho resiliente e sinais de retomada da atividade, com os serviços, que representam 70% do PIB, resistindo.

A realidade é que o governo Lula lançou mão de um amplo arsenal de medidas para estimular a economia, desde a revisão dos benefícios sociais, que elevou os pagamentos concedidos, a antecipação do pagamento do 13º salário a aposentados e pensionistas, o programa Desenrola para aliviar a situação dos endividados e o incentivo à venda de veículos novos. São medidas desvinculadas, de alcance limitado, mas que lograram manter a economia em crescimento. Talvez consigam manter a economia andando de lado até que os efeitos defasados da redução dos juros se façam sentir.

Ponta de faca

Folha de S. Paulo

Atrito entre Lira e Haddad expõe obstáculo à ofensiva tributária do governo Lula

Pressões e recados fazem parte do jogo político, mas o próprio ministro Fernando Haddad, da Fazenda, parece ter reconhecido que deu um passo em falso ao se queixar do que considerou um poder imoderado da Câmara dos Deputados.

Ele foi a público na segunda-feira (14) em busca de amainar o impacto das afirmações de poucas horas antes. Alegou que não fizera crítica à atual legislatura —vale dizer, ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)— e avaliou que Executivo e Congresso precisam construir uma relação mais estável.

Àquela altura, a reação de Lira às elucubrações do ministro já ameaçava a tramitação de projetos essenciais para a agenda econômica, em particular a nova regra de controle das despesas do governo.

Não resta dúvida de que Haddad criticou, sim, o atual protagonismo da Casa legislativa durante o programa Reconversa, transmitido pela internet. Disse que o Brasil vive uma espécie "estranhíssima" de parlamentarismo sem primeiro-ministro —e que a Câmara não pode usar seu poder inaudito para "humilhar" o Senado e o Executivo.

Reclamou, ademais, das atuais dimensões das emendas parlamentares ao Orçamento e, no que soou como referência a Lira, afirmou que na democracia as instituições ficam e as pessoas passam.

A análise é pertinente. O Congresso de fato se fortaleceu nos últimos anos, e o chefe da Câmara aglutinou em torno de si, à base de fisiologismo, extensa rede de apoios.

O que o titular da Fazenda deixa de considerar é a fragilidade do governo a que pertence, vitorioso por margem ínfima nas urnas e sem um programa de ampla aprovação da sociedade.

Tome-se o exemplo da intenção de fazer todo o ajuste imprescindível das contas públicas por meio de mais impostos. Rever subsídios e privilégios é correto, mas elevar uma carga tributária já exorbitante se mostra missão inglória econômica e politicamente.

Neste momento, o Executivo enfrenta dificuldade para aprovar uma medida provisória destinada a taxar investimentos no exterior. Independentemente do mérito da proposta, o descabido artifício petista de inclui-la também em outra MP, relativa ao aumento do salário mínimo, pode resultar em um conflito temerário com Lira.

Longe de contar com uma base sólida de sustentação no Congresso, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa aproveitar as oportunidades de entendimento em torno de projetos suprapartidários, como se deu com a reforma tributária aprovada na Câmara.

Deve também escolher com cuidado as disputas legislativas a serem enfrentadas. De melhor, a disposição para dialogar e negociar é visível no Planalto e na Fazenda.

Manicômio em extinção

Folha de S. Paulo

CNJ e Saúde devem agilizar protocolos para desativação dos hospitais de custódia

Causou controvérsias e temores, em boa medida compreensíveis, a resolução do Conselho Nacional de Justiça que determinou, a partir desta terça-feira (15), a desativação dos hospitais de custódia, ou manicômios judiciários. A providência, no entanto, é necessária para que se cumpra a Lei Antimanicomial, aprovada no longínquo 2001.

Segundo o diploma, pessoas com transtornos mentais não podem ficar internadas indefinidamente. O atendimento deve ser ambulatorial, nos Centros de Apoio Psicossocial; o paciente não deve ser afastado do convívio social e só pode ser internado por tempo determinado.

Pessoas que não podem responder por crimes cometidos, dado o transtorno mental, também têm esse direito. Após 22 anos, a norma não foi implementada de fato.

De acordo com o Ministério da Justiça, em dezembro de 2022, 1.869 pessoas cumpriam medida de segurança em hospitais de custódia, e apenas 750 estavam em tratamento ambulatorial.

Para sanar a lacuna, o CNJ criou um grupo de trabalho interdisciplinar que por dois anos discutiu como colocar a lei em prática.

Em fevereiro deste ano, o órgão divulgou resolução determinando que, a partir de 15 de agosto, hospitais não podem receber pessoas em medida de segurança e, até maio de 2024, internos devem ser realocados para residências terapêuticas ou casa de familiares.

Críticos da resolução apontam que o SUS não está preparado para absorver essa demanda. De fato, sabe-se que o sistema brasileiro tem diversos gargalos —e com a saúde mental não é diferente.

É boa notícia, portanto, que integrantes do CNJ e do Ministério da Saúde estejam em contato para estabelecer protocolos para a desativação —como o Judiciário deve supervisionar a saída dos internos e como serão tratados os casos mais graves, que envolvam riscos para a sociedade.

A resolução não prevê soltura generalizada. Cada ex-interno terá acompanhamento médico e social específico, com plano terapêutico individual que pode prever tanto atendimento nos Caps como internações esporádicas ou estadia em residências terapêuticas.

As esferas municipal, estadual e federal devem agir em conjunto integrando justiça, saúde e assistência social. Já há experiências em vigor no país. No programa implantado em Goiás, a taxa de reincidência é de 5%, ante cerca de 30% entre detentos do sistema prisional.

Como agem os cupins da República

O Estado de S. Paulo

O suposto esquema de venda de joias da União por auxiliares de Bolsonaro não surpreende; ao contrário, é perfeitamente compatível com o espírito antirrepublicano do bolsonarismo

Deveria ser perturbadora, por si só, a suspeita de que um esquema de venda de joias e outros artigos valiosos da União foi operado durante e pouco depois do mandato de um presidente da República. Entretanto, sendo o presidente o sr. Jair Bolsonaro, essa gatunice, caso venha a ser confirmada pelas investigações da Polícia Federal (PF) ora em andamento, não causa espanto, pois é perfeitamente compatível com o espírito antirrepublicano do bolsonarismo.

A rigor, o bolsonarismo nunca teve a ver com política, na acepção clássica do termo. Aliás, são noções antitéticas. Por princípio, o bolsonarismo sempre esteve orientado pela exclusão de tudo e de todos que lhe sejam diversos, jamais pelo diálogo e pela concertação de interesses. É possível que os bolsonaristas nem sequer concebam a mera ideia de “interesse público”, comprometidos que estão com a defesa inarredável dos interesses particulares do líder de um clã – que em certos aspectos lembra as organizações mafiosas.

Ora, para todos os que se movem na esfera pública imbuídos desse espírito, o vezo patrimonialista, que está na essência do bolsonarismo, decerto nem é percebido como tal. A apropriação de recursos do Estado soa, para esses analfabetos cívicos, como algo mais que aceitável – soa natural.

A ascensão de alguém como Bolsonaro à Presidência levou ao paroxismo a ideia segundo a qual, uma vez legitimado pela vontade popular manifestada nas urnas, a um governante seria dado tomar posse do aparato do Estado para dele fazer o uso que melhor lhe convier. Assim, a partir de sua chegada ao topo da carreira política, Bolsonaro passou a ser visto – e a agir – como uma espécie de mentor dos cupins da República, sendo ele mesmo um desses cupins, e dos mais vorazes de que se tem notícia ao longo de quase 134 anos de história republicana.

Bolsonaro olhou para o Estado brasileiro e viu um apêndice de sua família. Usou-o ao longo da vida, em benefício próprio ou de seus familiares e aliados, de acordo com as possibilidades que cada cargo público lhe proporcionava à época. O caso da suposta venda ilegal de joias da União seria apenas mais uma amostra desse inacreditável uso da estrutura pública para conduzir negócios particulares.

Por mais estarrecedores que sejam para grande parte dos cidadãos os indícios de corrupção, lavagem de dinheiro e peculato tornados públicos até o momento, para alguém como Bolsonaro, que tratou as Forças Armadas como se fossem “suas”, ordenou a troca de agentes da PF em investigações sensíveis para ele e fez da Polícia Rodoviária Federal sua guarda pretoriana, só para citar alguns exemplos, tratar-se-ia de algo absolutamente previsível. Essa mixórdia, afinal, é a marca indelével de seu governo. Todas as ações oficiais e extraoficiais de Bolsonaro na Presidência, e mesmo antes disso, concorreram para o uso desabrido da máquina pública para o atendimento de necessidades pessoais.

A chegada de Bolsonaro à Presidência parece ter sido a senha para que os inimigos do pacto constitucional e do Estado Democrático de Direito se sentissem livres para dispor da estrutura estatal como bem entendessem, comportando-se como se as referências éticas e cívicas da República tivessem sido substituídas por um código de conduta do submundo.

A mentira e o desrespeito pela coisa pública se tornaram valores positivos – e é espantoso que tantos militares, alguns com destacada carreira e ainda na ativa, tenham se deixado enredar por esse movimento que, em tudo, é a negação dos ideais das Forças Armadas.

O bolsonarismo legitimou a ação dos parasitas que se refestelam com recursos do Estado, um bando de desqualificados que jamais teriam espaço em qualquer governo minimamente decente. O caso das joias, se não é o mais grave da terrível passagem de Bolsonaro pelo poder, é talvez o mais significativo: segundo as investigações, mobilizou-se o aparato estatal, de funcionários ao avião presidencial, para passar nos cobres um punhado de presentes que Bolsonaro ganhou na condição de presidente e que não lhe pertenciam. Coisa de gente imoral.

Vida digna para os mais idosos

O Estado de S. Paulo

Alta do número de idosos em planos de saúde, constatada pela ANS, ameaça o modelo de negócios e cria pressão sobre o SUS; é dever do País cuidar da dignidade dessa população

A população brasileira está envelhecendo, como mostrou o Censo 2022. Essa transição demográfica impõe dois desafios ao País. Primeiro, é preciso aproveitar a última janela do chamado bônus demográfico com vistas ao aumento da produtividade da população economicamente ativa, condição indispensável para que o Brasil escape da sina de ser um eterno país de renda média. Segundo, Estado e iniciativa privada precisam se estruturar o quanto antes para garantir que essa população cada vez mais velha tenha uma vida digna – o que significa, entre outras precondições, ter acesso a serviços de saúde de qualidade, sejam públicos ou privados.

A pedido deste jornal, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fez um levantamento que revelou que o número de jovens (20 a 39 anos) que utilizam planos de saúde no País caiu 7,6% entre 2013 e 2023, enquanto o de idosos (60 anos ou mais) cresceu 32,6% no mesmo período. Entre estes, houve um aumento de 41,9% dos usuários na faixa de 70 a 74 anos e de 39,5% na faixa de 80 anos ou mais. Some-se a isso o salto no número nos pedidos de reembolso, como também mostrou o Estadão, e se vê que não há como as empresas manterem suas contas no azul sem aumentar as mensalidades dos planos de saúde.

Se a transformação no perfil etário dos usuários de planos de saúde e as fraudes representam enorme risco para o equilíbrio financeiro das empresas, ainda maispreo cu pan teéo transbordamento desse desarranjo econômico empresarial para a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) num futuro muito próximo. Além de estar há décadas subfinanciado e de ter sido submetido a seu maior teste de estresse durante a pandemia de covid-19, o SUS está na iminência de ter de suportar um aumento significativo na demanda por seus serviços.

É consensual entre os especialistas do setor de saúde suplementar o diagnóstico segundo o qual, a serem mantidas as condições atuais, não tardará até que os planos de saúde sejam considerados “artigos de luxo” para os idosos no Brasil. A bem da verdade, ter um plano de saúde já é algo inalcançável para a esmagadora maioria da população. Basta dizer que 8 em cada 10 brasileiros acorrem ao SUS hoje quando precisam de atendimento médico, dos procedimentos mais simples aos mais complexos. A tendência é esse número aumentar no curto prazo.

Historicamente, os beneficiários mais jovens, em geral mais saudáveis, sempre contribuíram para o equilíbrio financeiro das empresas de saúde suplementar. Os mais idosos, por sua vez, quando precisam de atendimento médico, não raro demandam serviços mais complexos – portanto, mais caros. Não é preciso ser um ás da contabilidade para perceber que esse modelo de negócios está com os dias contados. Cada vez mais idosos, sem condições financeiras para arcar com a mensalidade de planos de saúde cada vez mais caros, baterão às portas do SUS em busca de atendimentos cada vez mais especializados e onerosos.

Diante desse cenário desafiador, é fundamental que a sociedade, por meio de seus representantes, reflita sobre o papel do SUS como viabilizador de um imperativo constitucional: o acesso à saúde. É o caso de lembrar que o legislador constituinte tratou a saúde como “um direito de todos e um dever do Estado”. Olhar com o devido cuidado para as necessidades do SUS é, antes de tudo, cumprir o que determina a Constituição. Houve tentativas no Congresso de repensar o modelo de financiamento e dotar o SUS, um patrimônio nacional, de condições materiais e humanas para seguir prestando serviços relevantíssimos à sociedade. Esse movimento, infelizmente, parece ter sido deixado para trás.

O envelhecimento da população não deve ser encarado como um estorvo. É antes algo a ser celebrado. Entretanto, para aproveitar plenamente os benefícios desse processo, é essencial que o Estado, a iniciativa privada e a sociedade em geral atuem de forma conjunta, buscando soluções que garantam uma assistência digna e de qualidade aos idosos. O desafio é grande, mas com um compromisso coletivo, o País tem todas as condições de construir um futuro mais saudável e inclusivo para todos.

Os cobiçados cargos das agências

O Estado de S. Paulo

A pretexto de proteger esses órgãos, TCU pode fragilizá-los ao abreviar mandatos de seus presidentes

O Tribunal de Contas da União (TCU) deve julgar um processo que pode mudar o entendimento sobre a Lei das Agências Reguladoras (13.848/2019). Relatado pelo ministro Walton Alencar Rodrigues, o caso diz respeito à presidência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), mas tem potencial para afetar todos os outros órgãos reguladores, como os responsáveis pela energia (Aneel) e pelos planos de saúde (ANS).

A Lei das Agências foi clara a respeito dos mandatos de diretores e diretores-gerais. Eles devem ter a duração de cinco anos, sem direito à recondução. A legislação, no entanto, foi omissa em relação ao que acontece quando um diretor que já integra o colegiado da agência é nomeado para presidi-la. Embora não se trate de recondução, tal situação permitiria que ele permanecesse na cúpula do órgão regulador por mais de cinco anos.

Carlos Baigorri já era conselheiro da Anatel quando assumiu o comando do órgão, em abril do ano passado. A duração de seu mandato como presidente pode mudar a depender da decisão que os ministros do TCU tomarão agora. A área técnica da Corte de contas argumentou que ele deveria deixar a agência em novembro de 2024 – data em que se encerraria seu mandato anterior como conselheiro. Para a Advocacia-Geral da União (AGU), no entanto, ele deveria sair apenas em 2026, pois renunciou ao primeiro mandato para assumir um segundo.

A priori, a discussão seria eminentemente técnica, não fosse o fato de ela estar contaminada por motivações de ordem política que vão muito além da Anatel. Se os ministros do TCU acatarem a recomendação da área técnica, o mandato de diretores de todas as outras agências reguladoras pode ser abreviado, abrindo espaços para novas indicações e grupos políticos interessados em apadrinhá-las – seja o PT, seja o Centrão.

Essa disputa de poder está por trás, por exemplo, do entrevero público que agitou a reunião da diretoria da Aneel na semana passada: a depender da decisão que o TCU vier a adotar, o cargo de diretor-geral da Aneel poderá ser aberto imediatamente.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), manifestou preocupação sobre o processo, uma vez que pode resultar na destituição de diretores-gerais cujas condições para o cargo foram aferidas pelo Senado por sabatina e votação. “Além de ser expressão de insegurança jurídica, não é essa a inteligência da lei. Não se deve jogar fora a experiência acumulada por diretores que estão aptos a chegar à presidência do órgão”, afirmou Pacheco.

Como órgão auxiliar do Congresso, não cabe ao TCU fazer interpretações criativas sobre a legislação. A pretexto de garantir a independência das agências reguladoras, a recomendação da área técnica do TCU vai somente fragilizá-las, em total desacordo com o espírito de uma lei que visa a protegê-las. O plenário de ministros do TCU não pode dar qualquer margem para que isso aconteça. Se essa interpretação for adotada, ela deve ser aplicada com todas as precauções, valendo apenas para o futuro, sem afetar os diretores que já estão no cargo. 

Argentina pensa na dolarização

Correio Braziliense

Não é uma medida inédita. O Equador dolarizou sua economia em 2000, medida que segue em vigor

A inesperada vitória na Argentina do candidato à Presidência Javier Milei nas primárias das eleições do país — espécie de prévia da disputa oficial, em 22 de outubro — trouxe de volta ao debate um tema que, de tempos em tempos, surge como solução para as constantes crises dos países da América Latina: a dolarização da economia. Milei, se eleito, promete encerrar a circulação da moeda própria — no caso, o desvalorizado peso — e usar o dólar como o dinheiro oficial do país. Junto a isso viria a extinção do banco central do país, segundo o candidato, que se autointitula um anarcocapitalista.

Não é uma medida inédita. O Equador dolarizou sua economia em 2000, medida que segue em vigor. A própria Argentina fez algo semelhante entre 1991 e 1992, no Plano Cavallo, quando instituiu uma paridade de 1 por 1 entre o dólar e o austral, nome da moeda na época, em um movimento parecido como que foi o Plano Real no Brasil, em 1994. Mas a intensa crise do governo de Fernando de la Rúa, sucessor de Carlos Menem, entre 2000 e 2001, levou o país a abandonar a paridade, após limitar os saques a mil dólares mensais por pessoa, prática que ficou conhecida como "corralito" — ou cercadinho, em português — e levou à volta do peso.

Mas o fato é que a moeda norte-americana nunca foi totalmente abandonada, levando os argentinos a criarem diversas cotações paralelas (dólar blue, dólar Catar, dólar Coldplay, entre outros), além da cotação oficial, que tem venda restrita para o público em geral e é oferecida principalmente para setores industriais. Por isso, também é prática comum a troca dos pesos pelo dinheiro dos EUA, como forma de se protegerem da crise econômica cada vez mais severa do país.

A mudança, inclusive, traria um impacto imediato de estabilizar os preços do país, que tem uma inflação acumulada nos últimos 12 meses de 115,6%. Com o governo impedido de encher o mercado com papéis para financiar a sua dívida pública, é provável que este índice desabe. Além de ter uma equalização de preços com o mercado externo, a mudança também acabaria com a confusão dos câmbios paralelos, que se tornariam naturalmente obsoletos.

Apesar de bem-vindo, o controle da inflação viria acompanhado de uma perda de autonomia. Com o dólar como moeda oficial, a Argentina perderia a capacidade de conduzir sua política monetária e o banco central perde sua razão de ser, já que não pode mais controlar os juros — atualmente em impressionantes 118% ao ano — para dominar e ditar os ritmos da economia. Indiretamente, o Federal Reserve, o banco central dos EUA, obviamente mais preocupado com os rumos da economia norte-americana, é que passaria a controlar os rumos da Argentina.

É claro que, uma vez decidida, só a dolarização não será suficiente para salvar o país vizinho. É preciso que a Casa Rosada adote outras medidas, com uma política fiscal mais responsável. A questão é que Milei, que já afirmou que se orienta por cartas de tarô e se comunica telepaticamente com seus cães de estimação, dificilmente vai ser capaz de levar a mudança adiante como ela deve ser feita, o que pode agravar a já complicada situação local.

Maior parceiro comercial da Argentina, o Brasil deve acompanhar de perto e com interesse os desdobramentos dos próximos meses no país vizinho. Qualquer que seja o resultado, o Banco Central e o Ministério da Fazenda deveriam, desde já, iniciar medidas para aumentar suas reservas cambiais, manter o fluxo comercial entre os dois países e se proteger de medidas bruscas tomadas pelo governo de Buenos Aires, sob o risco de perder o pouco de segurança e estabilidade que conquistou nos últimos meses.


 

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