MP que acaba com desoneração desrespeita Congresso
O Globo
Medida desafia decisão tomada e reiterada
pelos parlamentares em defesa da geração de empregos
Está certo o Congresso ao considerar uma
afronta do Executivo a Medida Provisória (MP) que, entre outras providências
destinadas a ampliar a arrecadação, acaba com o
regime de desoneração da folha salarial vigente para 17 setores
da economia, responsáveis por mais de 9 milhões de empregos. Depois de debatida
e aprovada em outubro, a prorrogação por quatro anos da desoneração foi vetada
pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. O Congresso derrubou o veto presidencial, e ontem a lei foi publicada no
Diário Oficial da União. São, portanto, mais que justificados os protestos
despertados pela MP, que reonera a folha a partir de 1º de abril de 2024. Até o
Congresso votá-la (no prazo de 120 dias), a programação orçamentária e os
investimentos das empresas afetadas estarão prejudicados.
Em vez de atropelar o Parlamento, o Executivo deveria ter apresentado suas sugestões por meio de projeto de lei, permitindo amplo debate. A ânsia arrecadatória para tentar zerar o déficit das contas públicas no ano que vem não justifica desafiar decisão recente e soberana da maioria dos deputados e senadores em prol da criação de empregos. Na Câmara, a derrubada do veto recebeu 378 votos favoráveis e apenas 78 contrários. No Senado, a vantagem foi de 60 a 13. Por isso não causou surpresa a reação crítica dos congressistas à afronta do governo.
O senador Angelo
Coronel (PSD-BA), relator no Senado do projeto que prorrogou a
desoneração, foi didático ao lembrar o apoio dos parlamentares à pauta do
Ministério da Fazenda. “Criamos alternativas para zerar o déficit. Aprovamos a
lei das offshores, das bets e criamos novas receitas”, afirmou. “O governo tem
de entender que é preciso haver parceria entre Executivo e Legislativo.” A
deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), relatora na Câmara, fez coro: “O governo
está contrariando a vontade do Congresso, que representa a totalidade dos
brasileiros, e causando enorme insegurança jurídica”.
Instaurada em 2011, a desoneração provou ser
um instrumento eficaz para criar postos de trabalho. Está em vigor para 17
setores intensivos em mão de obra, como telesserviços, têxtil, calçados,
logística e comunicação (que inclui empresas como a Editora Globo, que publica
O GLOBO). Entre janeiro de 2019 e agosto de 2023, os empregos formais nos 17
setores cresceram 18,9%, ante aumento de 13% nos demais, segundo dados do
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Entre janeiro e agosto de
2023, os setores criaram mais de 300 mil postos de trabalho, ajudando a reduzir
o desemprego, que em novembro chegou a 7,5%, menor nível desde 2014.
Em nota, o Movimento Desonera Brasil lembrou
que a política cria um ciclo virtuoso por gerar mais arrecadação para a Previdência Social,
mais Imposto de Renda, mais recolhimento para o FGTS e
menos custos com auxílio-desemprego e outros gastos sociais. A arrecadação
gerada pela desoneração em 2022 foi de cerca de R$ 22 bilhões. É verdade que
ela não exime o governo de buscar soluções mais abrangentes para reduzir o
custo de geração de emprego no Brasil, um dos maiores do mundo. O governo
deveria apresentar — e em seguida o Parlamento deveria debater — um plano com
esse objetivo, sem prejuízo ao equilíbrio fiscal. Baixar uma MP passando por
cima de uma decisão tomada e reiterada pelo Congresso é a pior solução
possível.
Ação do New York Times tenta fazer ChatGPT
reconhecer autoria humana
O Globo
Jornal americano acusa robô de bate-papo de
copiar seus textos e de violar direitos autorais
O New York Times foi o primeiro veículo da
grande imprensa americana a entrar na Justiça acusando um sistema de
inteligência artificial (IA) de violar direitos autorais. Argumenta que milhões
de seus artigos foram usados, sem permissão, para treinar o software do ChatGPT —
robô de bate-papo que popularizou a IA e agora compete por audiência com o
próprio site do jornal. O caso envolve OpenAI (criadora do ChatGPT) e Microsoft
(sua maior investidora ) e será acompanhado de perto por produtores de conteúdo
do mundo inteiro.
O aprendizado de máquina, tecnologia
responsável pelo avanço recente da IA, depende de informações existentes para
treinar os softwares. Quanto mais informações, melhores as respostas. Só que os
dados costumam ser produzidos ou fornecidos por terceiros — nem sempre
consultados. Para desenvolver o ChatGPT, a OpenAI fez pouco-caso dos direitos
autorais, sob a alegação (falaciosa) de que todo autor — mesmo um software —
consulta obras para produzir seus textos. Só esquece que a legislação distingue
o uso legítimo mediante citação (fair use) do plágio.
A ação do New York Times apresenta exemplos
flagrantes de cópia. Há respostas do ChatGPT praticamente idênticas a trechos
de artigos do jornal. O Bing, mecanismo de busca da Microsoft alimentado pelo
ChatGPT, traz resultados literalmente iguais aos de um serviço do New York
Times, sem sequer oferecer um link aos artigos originais. Para ter acesso às
informações do jornal, é preciso pagar uma assinatura. Ao copiá-los, portanto,
a OpenAI ataca o coração do modelo de negócio do jornalismo. No processo, o Times
também chama a atenção para os danos à marca quando citado em respostas erradas
ou fora de contexto (casos de “alucinação” da IA).
O uso abusivo de conteúdo jornalístico por
empresas digitais não é novo, e recentemente a legislação ou a Justiça têm
obrigado, em diversos países, redes sociais ou mecanismos de busca a remunerar
veículos da imprensa. A própria OpenAI firmou contrato com a agência de
notícias Associated Press e com o grupo alemão Axel Springer, dono de veículos
como Bild, Politico e Business Insider. Mas não chegou a acordo com o New York
Times. No processo, o jornal afirma com toda razão: “Se o Times e outras
organizações de notícias não puderem produzir e proteger o jornalismo
independente, haverá um vácuo que nenhum computador ou inteligência artificial
poderá preencher. O custo para a sociedade será enorme”.
Escritores também se tornaram vítimas do
avanço da IA sobre os direitos autorais. Em setembro, autores como Jonathan
Franzen, John Grisham e George R.R. Martin entraram com processo acusando a
OpenAI de “roubo sistemático em grande escala”. Em fevereiro, a agência Getty
Images moveu ação pedindo reparação à Stability AI, dona de uma ferramenta de
imagem, acusada de uso ilegal de mais de 12 milhões de fotos e legendas. Nessas
ações está em jogo não apenas a remuneração ou a sobrevivência de produtores de
conteúdo, mas o reconhecimento da autoria humana em tempos de IA.
Diesel realista
Folha de S. Paulo
É correta a decisão do governo, ajudada pelo
mercado externo, de reonerar o óleo
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
tomou a decisão acertada de voltar a
cobrar PIS e Cofins sobre o óleo diesel, medida patrocinada pelo
ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A partir de janeiro, sobre o litro do
combustível incidirão tributos em torno de R$ 0,33.
A providência vai na direção correta, em
primeiro lugar por acabar com um privilégio para o diesel, dando tratamento
mais uniforme à tributação de derivados. Além do mais, anula-se um incentivo ao
consumo de um poluente.
Deve haver também melhora da arrecadação de
impostos, o que pode contribuir para evitar déficit ainda mais preocupante nas
contas federais. Por fim, trata-se de atitude que mostra salutar realismo
tarifário, o que em muitas situações não foi a escolha de gestões petistas, em
particular na área de energia e sob Dilma Rousseff.
A desoneração do preço do diesel fora obra de
Jair Bolsonaro (PL), que demonstrava grande e demagógica preocupação com o
assunto. Em março de 2021, pressionado por sua base caminhoneira e pela
inflação crescente, que chegava a 6,1% ao ano, o então presidente decretou a
desoneração.
A inflação chegaria ao pico de 12,1% anuais em abril de 2022, agravada também pelos preços dos combustíveis, em alta depois da deflação da pandemia e por causa da Guerra da Ucrânia.
O cancelamento do imposto acabou sendo
estendido até o fim de dezembro de 2022 —e prorrogado por Lula até o final
deste 2023, devido também a embates no governo e por pressão do PT, que queria
evitar um aumento de tributo logo no início do mandato. Nota-se mais uma vez o
quanto o assunto é politicamente enviesado.
A queda do preço internacional do petróleo e,
em particular, do diesel, certamente facilitou a decisão do Planalto, pois
atenuou pressões e favoreceu a linha defendida desde o início por Haddad.
Em duas ocasiões neste mês, a Petrobras
reduziu o valor que cobra de distribuidoras em um total de R$
0,57, superior, pois, ao do imposto que voltará a incidir sobre o produto.
Segundo a petroleira, neste ano a baixa foi de R$ 1,01 por litro, queda de
22,5%.
Mesmo com tais reduções, o combustível está
neste momento perto do nível da cotação externa relevante para o mercado
brasileiro.
Espera-se que essa decisão de realismo
tributário, tarifário e fiscal seja um norte da conduta do governo, não apenas
na Petrobras ou em combustíveis. Há graves distorções no setor de energia
elétrica, por exemplo, que clamam por um programa de mudanças.
Além do mais, a depender de flutuações de
mercado e de humores políticos, sempre pode haver novas tentações de distorcer
o mercado.
Aperfeiçoar câmeras
Folha de S. Paulo
Sem controle, mau uso dos dispositivos por
policiais pode minar eficácia
A recente e pioneira experiência paulista com
o uso de
câmeras corporais em policiais militares, infelizmente ainda pouco
replicada em outros estados, trouxe a curto prazo resultados inquestionáveis.
Em 2021, a letalidade
policial no estado desabou 85% nos batalhões que implementaram a
política. De 2021 a 2022, a morte de jovens entre 15 e 24 anos pela polícia caiu
46%, segundo dados do Instituto Sou da Paz. Os agentes também estão mais
protegidos: entre 2018 e 2022, houve queda de 44% nos óbitos, conforme o mesmo
estudo.
É consenso entre especialistas, contudo, que
a tecnologia,
apesar de sua eficiência, não constitui uma panaceia em segurança pública.
Sem diretrizes claras sobre o uso das câmeras
nas fardas e o armazenamento das imagens, e sem mecanismos de controle externo
e interno, a política pode ser cooptada pela cultura policial de ausência de
responsabilização —ou, pior, desaparecer por completo por falta de apoio
político e institucional.
Uma das lacunas é a falta de uma governança
adequada sobre os dados gerados pelos equipamentos.
Reportagem do portal UOL veiculada no último dia 20
revelou que policiais militares de São Paulo aprenderam variadas formas de
burlar o sistema, reduzindo, portanto, sua função de fornecer evidências de
abusos e outros crimes.
Excluir vídeos ou deixar que eles sejam
apagados automaticamente, mudar a data da gravação ou cobrir a lente da câmera
são práticas que requerem apuração rigorosa.
Em setembro, no Rio de Janeiro, investigação
da Corregedoria da PM apontou que 39 policiais burlaram seus equipamentos. Na
ausência de cadeias de revisão das imagens e responsabilização por desvios, as
câmeras não surtirão os efeitos que delas se esperam.
É especialmente relevante que haja imagens em
grandes operações de segurança pública com maior risco de ocasionar mortes. O
país tem uma triste tradição de letalidade policial, que no primeiro semestre
deste ano, segundo reportou a Folha, apresentou tendência de
alta em ao menos 16 estados, incluindo São Paulo.
Se acompanhadas de inteligência e tecnologia de ponta e sob a devida vigilância de seus conteúdos por instituições públicas independentes, as câmeras podem contribuir inclusive para a atuação policial, servindo de prova quando a mesma for questionada. Todos tendem a ganhar com seu uso: a população e os próprios agentes.
Dando murro em ponta de faca
O Estado de S. Paulo
A pretexto de equilibrar o orçamento em 2024,
governo enfrenta Congresso e anuncia reoneração da folha de pagamento por meio
de medida provisória editada em pleno recesso parlamentar
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
decidiu editar uma medida provisória (MP) para reonerar a folha de pagamento de
alguns dos principais setores da economia brasileira. Segundo ele, a proposta
vai contribuir para manter o orçamento equilibrado e está em linha com a meta
fiscal, que visa a zerar o déficit no ano que vem.
O anúncio foi realizado na última
quinta-feira e, no dia seguinte, a MP foi publicada no Diário Oficial da União
(DOU). Embora tenha entrado em vigor na data de sua publicação, o texto só
produzirá efeitos a partir de 1.º de abril, data que não poderia ser mais
simbólica, já que ninguém acredita que o governo terá sucesso no capítulo mais
recente dessa empreitada.
A desoneração da folha de pagamento foi uma
política proposta em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff. Substituir a
contribuição previdenciária patronal de 20% por um porcentual do faturamento
das empresas era uma forma de ajudar alguns setores a se recuperar das
consequências da crise mundial de 2008 sem ter de recorrer a demissões. Era
para ser um auxílio temporário para enfrentar uma adversidade econômica
momentânea, mas o benefício foi recorrentemente renovado desde então.
A desoneração, certamente, não é a solução
dos problemas dos setores, mas atenua as dificuldades de muitas empresas e
contribui para manter milhões de empregos formais. Na última vez em que a
política havia sido prorrogada, em 2021, já se sabia que ela teria validade até
o fim deste ano. Logo, se o Executivo estivesse realmente empenhado em
apresentar uma alternativa, teria se antecipado às movimentações que ocorriam
no Congresso para estendê-la.
O governo, no entanto, não apenas não o fez
como foi incapaz de convencer sua própria base a rejeitá-la. Na Câmara, a
prorrogação da desoneração até 2027 recebeu 430 votos favoráveis e apenas 17
contrários; no Senado, a aprovação foi simbólica. Ainda assim, a pedido do
Ministério da Fazenda, o presidente Lula da Silva vetou o projeto sem ter algo
em mente para substituí-lo. Três semanas se passaram sem que o ministro tivesse
formalizado a proposta e o veto, por óbvio, foi derrubado.
Insistir nesse embate já seria
contraproducente, mas o ministro Haddad decidiu anunciar sua contraproposta em
pleno recesso parlamentar, no dia em que o veto foi promulgado pelo presidente
do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). E tudo isso por meio de uma medida
provisória, instrumento rechaçado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), e sem diálogo prévio com os setores envolvidos.
Quiçá não falte confiança ao ministro, que
angariou apoio suficiente para todas as suas propostas de recuperação de
receitas no Congresso e até para a histórica reforma tributária sobre o
consumo. Mas talvez Haddad não tenha ponderado os riscos de tentar driblar um
veto rejeitado pelo Legislativo sem consultar suas principais lideranças, sem
as quais nenhuma dessas medidas teria sido aprovada.
O silêncio de Lira e a reticência que Pacheco
demonstrou nas redes sociais dizem muito sobre a forma como o Congresso recebeu
a MP. Deputados e senadores se sentiram afrontados e já há quem pregue a
devolução da proposta. Mais que o poder do lobby no Legislativo, é o
comportamento da economia que explica as razões pelas quais a desoneração foi
tantas vezes prorrogada.
Segundo o Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), entre 2011 e 2020, o País cresceu 0,3%, em
média, muito aquém do restante do mundo e ainda menos que o 1,6% médio
observado nos anos 1980, na chamada década perdida. Boa parte desse desempenho
pífio se deve a um quadro de desequilíbrio fiscal que assumiu caráter
permanente nos últimos anos.
Porém, a título de reverter essa situação e
zerar o déficit no ano que vem, Haddad recorre, novamente, a medidas para
ampliar a arrecadação, reonerando a folha de pagamento sem sequer cogitar tocar
nos gastos da União. Por essas e outras razões, a rejeição da medida provisória
pelo Legislativo é mais do que esperada. Talvez sirva como desculpa quando o
ministro tiver de admitir a necessidade de mudar a meta fiscal em março.
A volta da diplomacia ‘ativa e altiva’
O Estado de S. Paulo
Necessária correção de rumo da diplomacia
brasileira, depois da desastrosa gestão Bolsonaro, depende da compreensão de
Lula de que interesse nacional deve falar mais alto que ideologia
A guinada de 180 graus na política externa
desde o primeiro dia da gestão de Lula da Silva foi significativa para a
recuperação da imagem internacional do Brasil, dilapidada persistentemente ao
longo dos quatro anos de mandato de Jair Bolsonaro. Retomou-se a linha natural
da diplomacia brasileira, orientada pela Constituição e pela reconhecida
experiência do Itamaraty. A travessia de 2023, entretanto, deixou claro que a
mudança poderia ter sido mais bem aproveitada não fosse o resgate, pelo governo
petista, de convicções ideológicas antediluvianas. É preciso limitar o raio de
ação dessa vanguarda do atraso, sob pena de amarrar as relações internacionais
do Brasil a propósitos estranhos aos interesses nacionais.
O Brasil, de fato, “voltou”, como apregoa o
slogan do governo petista, mas é preciso reconhecer que qualquer coisa seria
melhor do que a “diplomacia” sob Bolsonaro, que se empenhou em envergonhar o
País no exterior. Sua orgulhosa aversão ao multilateralismo e à agenda
ambiental fez do País um pária. A recusa ao aprofundamento do diálogo com
vizinhos sul-americanos que não fossem governados por direitistas, sua
hostilidade à China e à União Europeia e sua sabujice em relação a Donald Trump
quando este presidia os EUA marcaram uma era de isolamento e desvalorização.
Logo que se viu livre do bolsonarismo, o
Itamaraty tratou de resgatar sua atuação independente e pragmática. A retomada
da diplomacia presidencial por um líder calejado contribuiu para apagar da
memória coletiva as vexaminosas atuações de Bolsonaro em fóruns internacionais.
Desde 1.º de janeiro de 2023, a vocação multilateral foi reforçada, assim como
a prioridade do Brasil ao terreno de sua natural influência geopolítica, a
América do Sul. A escolha das frentes do meio ambiente e do combate à fome e à desigualdade
social – ambas sabotadas por Bolsonaro – mostrou-se acertada. É nelas que o
Brasil tem voz a ser ouvida.
Não à toa, os resultados de políticas
públicas de combate ao desmatamento deram consistência às pressões do Brasil
por maior ambição nas negociações da Conferência das Nações Unidas sobre
Mudança Climática de Dubai, a COP-28. A redução da pobreza e o papel das
instituições financeiras internacionais dominarão a agenda do G-20, agora sob o
comando do Brasil. A prioridade dada ao multilateralismo foi confirmada pela
atuação exemplar do Itamaraty durante sua liderança do Conselho de Segurança
das Nações Unidas em outubro.
Mas o presidente é Lula da Silva, cujo ego
transcende fronteiras – geográficas e psíquicas. Convencido de que pode acabar
com todas as guerras chamando os beligerantes para uma conversa de bar, Lula é
a face da diplomacia megalomaníaca que o lulopetismo qualifica de “ativa e
altiva”, que faz o Brasil se intrometer em assuntos a respeito dos quais não
tem nem vocação nem poder para exercer qualquer influência.
Por outro lado, para os temas nos quais o
Brasil tem o dever de atuar, como a defesa dos direitos humanos e da democracia
na América do Sul, a diplomacia “ativa e altiva” do lulopetismo se torna tímida
e hesitante – quando não francamente favorável aos governantes autoritários
que, não por acaso, são tratados como “companheiros” por Lula.
Ao defender o tirano venezuelano Nicolás
Maduro, por exemplo, Lula fere a imagem do Brasil, o interesse nacional e sua
própria credibilidade, sem que haja nenhum ganho visível para o País. Ao
contrário: o Brasil se desqualifica como eventual mediador em caso de
aprofundamento da crise na Venezuela, uma vez que já escolheu um dos lados do
conflito.
A antidiplomacia de Bolsonaro não pode ser
simplesmente substituída pela diplomacia da conversa de boteco do lulopetismo.
É evidente que o ar do Itamaraty ficou mais leve depois que o bolsonarismo foi
derrotado, mas é também evidente que só isso não basta: é preciso que a
política externa brasileira volte a ser determinada pelo interesse nacional,
sem estar subordinada aos compromissos ideológicos dos petistas com tiranos de
esquerda nem, muito menos, à soberba de quem acha que pode ganhar o Nobel da Paz
só no gogó.
Europa aflita com imigrantes
O Estado de S. Paulo
União Europeia aperfeiçoa regras para
imigração no momento em que o tema dá votos à extrema direita
A Europa vive um paradoxo. De um lado, sua
população envelhece e precisa de trabalhadores. De outro, as imigrações
desordenadas irritam o eleitorado, facilitando a partidos de extrema direita
disseminar o pânico civilizacional e capitalizar votos.
Esses partidos vêm deslocando legendas
conservadoras como a principal força da direita na França, Itália, Suécia,
Alemanha e Suíça, e podem inundar o Parlamento Europeu em 2024. “Se não
limitarmos o número de chegadas até junho do ano que vem”, disse o alemão
Manfred Weber, líder do partido de centro-direita Povo Europeu, “as eleições
europeias serão provavelmente uma votação histórica para o futuro da Europa”,
com a ascensão de extremistas à esquerda e à direita.
Os dilemas são em parte reais. Os europeus
precisam de trabalhadores, mas estão aflitos com atritos culturais,
especialmente com muçulmanos. Os europeus veem a Europa como um espaço de
tolerância, liberdade e respeito aos direitos humanos, mas sentem que seu
sistema de acolhimento de refugiados está exaurido e provoca divisões. As ondas
migratórias chegam, sobretudo, do norte da África à Itália e à Grécia. Seu
tratamento rigoroso em relação aos barcos do Mediterrâneo gera reprovações dos
países do norte. Ao mesmo tempo, os países do sul estão aliviando o trânsito
dos imigrantes pelas fronteiras intraeuropeias, levando muitos países a impor
restrições na zona de livre circulação.
Mas, em certa medida, os dilemas são só
aparentes. Quanto mais rápido a Europa organizar seus esquemas de imigração
para trabalhadores, mais rápido preencherá suas lacunas econômicas e reduzirá o
mercado dos traficantes de pessoas. Quanto mais rápido organizar seus sistemas
de acolhimento de exilados, mais fácil será acolher os que têm direito e prover
um retorno seguro aos que não têm. Em resumo, quanto mais robusto e racional
for o sistema de imigração legal, menor será a pressão da imigração ilegal. Em
tese, é uma obviedade. Na prática, isso tem sido dificultado pela
intransigência dos partidos à direita e à esquerda.
Mas em 2023 passos foram dados. Após sete
anos, a União Europeia (UE) fechou um pacto reformando as regras de asilo
político. As responsabilidades serão mais bem distribuídas. Os países terão a
opção entre receber uma cota de exilados ou pagar aos que recebem. Isso
aliviará a pressão sobre os países do sul e agilizará a aceitação, mas também a
recusa, dos pedidos de exílio. A França aprovou medidas para facilitar vistos
de trabalho. Em contrapartida, a lei facilita a deportação de imigrantes
ilegais e restringe seu acesso a benefícios sociais.
São acordos que não agradam plenamente nem à direita nem à esquerda. Mas ao menos são acordos. Podem ser aprimorados com o tempo. O fato é que a falta de consensos no centro, por mais imperfeitos que sejam, só fortalece os extremos, seja o que quer bloquear completamente a imigração, seja o que quer abrir as portas indiscriminadamente, prejudicando uma combinação equilibrada e generosa de políticas de acolhimento tanto de trabalhadores e quanto de refugiados.
2023, feliz ano velho
Correio Braziliense
O país voltou à normalidade institucional, a
economia reagiu positivamente e nosso lugar no mundo foi reocupado. O horizonte
justifica nosso otimismo em relação ao ano-novo
Para um ano que começou tenebroso, devido aos
acontecimentos de 8 de janeiro, quando houve uma tentativa de destituir o
recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegamos a um final feliz
em 2023. O saldo do primeiro ano do atual governo é positivo, melhor do que as
expectativas pessimistas de janeiro. O país voltou à normalidade institucional,
a economia reagiu positivamente e nosso lugar no mundo foi reocupado. O
horizonte justifica nosso otimismo em relação ao ano-novo.
A inflação voltou a níveis administráveis,
embora possa ser ainda menor. O desemprego foi reduzido e o país cresceu acima
do que era esperado pelos analistas, para sorte dos agentes econômicos e da
população. A política fiscal ganhou mais racionalidade. Com a Reforma
Tributária, espera-se um ganho de produtividade e inovação capaz de alavancar a
modernização da economia brasileira.
Nesse aspecto, a grande chave do futuro é a
economia verde. Essa mudança de paradigma abre uma grande janela de
oportunidades para o Brasil, que se prepara para receber a 30ª Conferência da
ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada em Belém, no Pará, em
novembro de 2025. Espera-se um fluxo de mais de 40 mil visitantes durante a
Conferência, dos quais sete mil serão membros das equipes da ONU e delegações
de países-membros.
O mundo olha para a questão ambiental no
Brasil, que mudou completamente de eixo neste ano que finda. Passou a ter mais
atenção governamental, estimulou investidores e pôs em pauta não somente a
transição energética, mas o surgimento de uma nova economia, que vai do
agronegócio a setores tecnológicos. Não se trata de produzir tudo, mas de fazer
melhor.
Entretanto, nossos velhos problemas também
mostraram a sua face, entre os quais a má qualidade do ensino, a deterioração
dos centros urbanos e a violência, que retroalimentam nossa secular iniquidade
social. Como aconteceu em relação à política externa e à questão ambiental, a
saída para esses problemas é política. Depende das prioridades dos governantes,
em todos os níveis.
Executivo, Legislativo e Judiciário precisam
de uma agenda comum, que harmonize suas ações e supere desequilíbrios que estão
evidentes. O sistema de pesos e contrapesos existe para evitar crises
institucionais e não para provocá-las. Nessa agenda, uma palavra-chave encontra
eco na grande maioria da sociedade: austeridade. Mais critério e foco na
qualidade dos gastos públicos de parte de todos os poderes.
Outra palavra-chave é equidade. Precisamos
respeitar as diferenças de gênero, até para superar tenebrosos indicadores de
violência; combater abissais desigualdades sociais, com aumento continuado da
renda das famílias na linha de pobreza; e promover políticas públicas de saúde,
educação e inclusão social, principalmente a igualdade de oportunidades para
nossos jovens, adolescentes e crianças, sobretudos negros e mulheres.
Por fim, a integração. Há que se ter uma visão estratégica capaz de articular o meio ambiente e o agronegócio para criar novas cadeias produtivas e uma nova indústria. E incorporar a grande massa de trabalhadora e empreendedores ao novo ciclo que se abre, com investimentos de infraestrutura, educação de qualidade, ciência e tecnologia, habitação, mobilidade urbana e segurança pública. O ano que se encerra semeou essa esperança.
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