sexta-feira, 1 de março de 2024

Maria Cristina Fernandes - Decisão das sobras eleitorais foi uma risca de giz na unidade do STF

Valor Econômico

Sessão produziu um claro embate entre Barroso, que tem pouca proximidade com a cúpula dos Poderes, e Moraes, que a adquiriu

A sessão de quarta-feira (28), que votou três ações sobre a distribuição das sobras eleitorais, foi um marco na unidade do colegiado. Ao impedir que a mudança na regra estabelecida pela lei eleitoral de 2021 retroagisse e afetasse sete cadeiras da atual composição da Câmara dos Deputados, seis ministros, liderados pelo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, traçaram a risca de giz: a unidade, indissolúvel no embate com o golpismo, não se estende aos temas que afetam a relação entre os Poderes.

O tema em questão afetava a distribuição das cadeiras que sobram na distribuição do sistema proporcional e o prazo a partir do qual uma mudança nas regras definidas em 2021 passariam a valer.

A mudança passou, vencidos os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e André Mendonça, mas não sua retroatividade, que levaria à troca de sete deputados da atual composição da Câmara. Nesta questão, houve uma virada. Aos quatro, além do ex-ministro Ricardo Lewandowski, que votou antes de se aposentar, uniu-se a ministra Cármen Lúcia, compondo a maioria. E, assim, a regras não deverão retroagir. Não mudarão a atual composição da Câmara.

Quatro dos sete novos deputados seriam do Amapá. E é aí que a decisão do Supremo expõe as fricções em curso no colegiado e na sua relação com os Poderes, além da disputa entre o Senado e a Câmara pelos recursos crescentes das emendas parlamentares. A entrada dos quatro novos deputados — Aline Gurgel (Republicanos), Paulo Lemos (Psol), André Abdon (PP) e Professora Marcivânia (PCdoB) — aumentaria o poder de influência do presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), sobre uma bancada que hoje é mais próxima do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Entre aqueles que votaram pela validade da regra para os eleitos em 2022 — Alexandre Moraes, Gilmar Mendes, Flávio Dino, Dias Toffoli, Nunes Marques e Cármen Lúcia — há ministros que se aproximaram da atual cúpula do Senado em temas, por exemplo, como a aprovação de Dino para a Corte. A tramitação de sua indicação contou, por exemplo, com uma inédita sabatina conjunta de Dino com o indicado à Procuradoria-Geral da República, Paulo Gonet, na CCJ, que dissipou a tensão com a bancada bolsonarista.

Não se trata de uma aliança pétrea, mas pontual. Não impediu, por exemplo, que o presidente do Senado pautasse e aprovasse a PEC das decisões monocráticas, que desagradou o Supremo como um todo. E tampouco explica, inteiramente, o movimento de Rodrigo Pacheco, de se opor à PEC da blindagem.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, que deixou a PEC das decisões monocráticas em banho maria mas ameaça pautar a proposta que tira o foro privilegiado dos parlamentares, ou seja, faria migrar seus processos do STF para instâncias inferiores. Assim como o Pacheco, por interesse em agradar a bancada bolsonarista.

A sessão produziu um claro embate entre Barroso, que tem pouca proximidade com a cúpula do Legislativo, e Moraes, que a adquiriu. Este último chamou de “precedente desastroso” a decisão de não retroagir os efeitos para deputados que “não foram eleitos”. Foi assim que definiu sua contrariedade em relação às regras derrubadas naquela sessão. Barroso o interrompeu — “quando eles foram eleitos estava em vigor esta regra” — lembrando a diplomação dos eleitos pelo próprio Moraes na condição de presidente do TSE.

Pela lei de 2021, a distribuição das cadeiras na Câmara passa por três fases. Na primeira são distribuídas cadeiras para os partidos que alcançarem o quociente eleitoral e àqueles cujos candidatos tenham 10% do quociente eleitoral em votos.

Como sobram vagas, a segunda fase estabeleceu uma cláusula de desempenho. São distribuídas para os partidos com, pelo menos, 80% do quociente eleitoral e candidatos com votação de, pelo menos, 20% do quociente eleitoral. Havendo cadeiras ainda a preencher, a lei determina que sejam divididas entre os partidos com as maiores médias. Uma resolução do TSE acrescentou que apenas os partidos que obtiverem 80% do quociente eleitoral poderiam participar desta última fase.

Três ações contestaram as regras. O STF decidiu manter as regras definidas para a distribuição de vagas da primeira fase e acabar com a cláusula de desempenho estabelecida na segunda fase para a divisão de cadeiras pela melhor média (sem o sarrafo dos 80% do quociente eleitoral).

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Tive de ler duas vezes o artigo para entender qual era o assunto,rs.