Folha de S. Paulo
País pode fazer pouco além de evitar ainda
mais dano e de repensar já seu lugar no mundo
Donald Trump vai
levar algum butim em sua guerra
contra o Brasil. É um negocista bandoleiro, que gosta de combater, incutir
medo e dominar. Quer se impor, apoiando a conspiração dos Bolsonaro ou
subjugando os países das Américas. De resto, tem apoio de empresas e de outros
interesses que promovem a causa deles de modo direto ou embarcam de modo
oportunista na ofensiva de Trump, não importa o dano de longo prazo para os
EUA.
Do ponto de vista dele, Trump começa a ter vitórias para cantar. Vide o que fez com a Indonésia. Cerca de 99% dos impostos de importação sobre produtos americanos irão a zero; as exportações indonésias serão tributadas em 19%. O país vai aceitar regulações de produtos e comércio americanas, acabar com a restrição de exportação de minerais críticos e isentar empresas americanas de regras de conteúdo local. A lista de imposições vai longe.
A Indonésia não tem o peso geopolítico e
regional do Brasil. Talvez por isso mesmo, o risco brasileiro possa ser maior.
De qualquer modo, o PIB da Indonésia é de US$ 1,4 trilhão (16º do mundo); o do
Brasil, de US$ 2,2 trilhões (9º). O comércio entre EUA e Indonésia foi de US$
38 bilhões em 2024 (com o Brasil, de US$ 91 bilhões). Se não serve de modelo, o
caso da Indonésia é um alerta.
O que o Brasil pode fazer no curto prazo?
Quase nada, a não ser negociar para evitar o embargo (tarifa de 50% é embargo)
ou ataques mais destrutivos. O que é "negociar"? Ao que parece, o
governo Trump pode ouvir de empresas sugestões de acertos quanto a impostos de
importação ("tarifas"), se o Brasil não retaliar. Mas o problema pode
ser maior.
O Representante de Comércio dos EUA (USTR)
tem lista longa e velha de queixas contra o Brasil, até agora sem consequência
prática maior. O buraco desceu. Estão no alvo subsídios, impostos e regulações
sobre empresas americanas, regras de conteúdo local e de compras
governamentais, de propriedade intelectual etc. Há sugestões de intervenção
no comércio de minerais críticos. De sanções financeiras. Mesmo se houver
canal de conversa, se vier ameaça de imposições nesses assuntos, vai restar
pouco a negociar a não ser abertura comercial —ou enfrentar conflito inglório.
O Brasil já deixava de ser café-com-leite no
jogo geoconômico e político. No mundo de Trump, até por ter um governo de
esquerda, se tornou alvo preferencial, assim como o restante das Américas, que
têm pouco poder de retaliar. Antes de o Brasil entrar na mira, Canadá e México
eram objeto das maiores agressões. Trump já havia ameaçado jogar na Colômbia o
equivalente econômico das bombas que lançou no Irã.
Pode ser que o establishment americano leve
Trump a limitar o ataque ao Brasil. Trump é imprevisível e este jornalista não
leu ou ouviu descrição mesmo vaga do processo de decisão do ataque —Bolsonaros,
regulação de "big techs", Brics, dominação
do quintal, tudo pode ser motivo. Sabe-se que o risco é enorme —um país que é
alvo de ataques dos EUA pode se tornar perigoso para o investimento
estrangeiro. Por fim, eventuais resultados da ofensiva podem permanecer, mesmo
sob democratas, se for do interesse de empresas e política dos EUA (vide a
sobrevida de sanções de Trump 1 sob Joe Biden).
O Brasil tem de pensar na vida. Saber das
vantagens tangíveis da política "Sul Global". Em estratégia objetiva,
em ter política de desenvolvimento para um mundo de barbárie política sem
freio. Sem submissão, sem fantasia ideológica.
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