“Não, Gramsci não é um escritor fragmentário;
para quem escreve fragmentos, o fragmento é um fim em si mesmo. Nas notas
gramscianas, aquilo que parece ser um fragmento para o leitor de hoje nada mais
é do que a peça de um mosaico cujo desenho final o autor jamais perde de vista.
O que dá um caráter fragmentário às notas dos Cadernos é pura e
simplesmente a incompletitude, isto é, o fato de que o mosaico, ou melhor, os
mosaicos (pois as pesquisas empreendidas por Gramsci eram diversas, ainda que
coligadas entre si), permaneceram incompletos. Se Gramsci tivesse sido
verdadeiramente um escritor fragmentário, seria ilegítima toda e qualquer
extrapolação de teses gerais, ou mesmo de teorias, das suas notas. Em vez
disso, a importância da obra gramsciana está precisamente no fato de que a
recomposição dos assim chamados fragmentos possibilitou a reconstrução de
verdadeiras teorias (ainda que às vezes mais esboçadas do que finalizadas)
sobre a relação entre filosofia e política, entre teoria e práxis, entre Estado
e sociedade civil, entre partido e massa, entre intelectuais e política etc.;
estas teorias ou esboços de teorias constituem a novidade e ao mesmo tempo o
interesse de uma leitura global e sistemática de suas notas do cárcere.
Excetuando o fato de que Gramsci jamais escreve o fragmento pelo fragmento,
algumas notas por si mesmas já contêm teorias in nuci, para as quais
faz-se necessário um estilo sintético, em que Gramsci é mestre.”
*Norberto Bobbio (1909-2004), “Ensaios sobre
Gramsci e o conceito de sociedade civil”, p. 136. Editora Paz e Terra, S.
Paulo, 2002
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