Trump precisa adiar tarifaço e iniciar negociação
O Globo
A lógica da ameaça não funcionará com o
Brasil. Além de terras-raras, há outras questões de interesse mútuo
O comportamento do presidente Donald Trump nas
relações internacionais costuma ter um padrão. Primeiro, anuncia datas para a
imposição de tarifas escorchantes a um país ou bloco econômico, acompanhadas de
demandas absurdas. Num segundo momento, começa a negociar. É hora de Trump dar
início a essa segunda fase com o Brasil, congelando a ameaça da agressão
tarifária marcada para sexta-feira. A imposição do tarifaço seria prejudicial
para os dois lados. Além de perdas econômicas bilionárias, a agressão desmedida
acirraria os ânimos, retardando ainda mais o entendimento entre aliados
históricos. Na defesa de seus próprios interesses, Trump deveria baixar a
bazuca das tarifas e começar a conversar.
Como antecipou O GLOBO, Gabriel Escobar, principal representante americano no Brasil, ressaltou o interesse dos Estados Unidos por um conjunto de minerais conhecido como terras-raras, matéria-prima para os setores militar e de energia. Dono de uma das maiores reservas, o Brasil é protagonista nessa área. Ao deixar de lado demandas absurdas, como o cancelamento do julgamento de Jair Bolsonaro, e se concentrar na economia, Trump terá a chance de explicar melhor seus planos na mineração.
As riquezas do subsolo são monopólio da
União, e sua exploração é concedida a empresas de diferentes nacionalidades.
Isso não deve mudar. Mas é legítimo discutir um acordo para a venda de
terras-raras de forma preferencial aos Estados Unidos, desde que a preços de
mercado e com contrapartidas. O Brasil quer aumentar a extração e explorar a
capacidade de processamento. Hoje os chineses respondem por mais de metade da
mineração e quase todo o refino.
Destacado para tratar da questão com os
Estados Unidos, o vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro do
Desenvolvimento, Indústria Comércio e Serviços, afirmou que a pauta da
mineração “é muito longa e pode ser explorada e avançada”. Ele tem razão.
Compostas por 17 elementos químicos, as terras-raras são essenciais na
fabricação de baterias, chips, radares, satélites, painéis solares, turbinas de
jatos, entre vários outros produtos. Não é do interesse brasileiro que os
minérios críticos sejam exportados apenas em forma bruta.
Do ponto de vista americano, diversificar os
fornecedores de terras-raras é prioridade. Cerca de 80% da demanda dos Estados
Unidos é hoje coberta pela China. O esforço de diminuir sua dependência do
principal rival é tamanho que o Departamento de Defesa anunciou no início do
mês a compra de 15% das ações da MP Materials, tornando o governo o principal
acionista do único produtor de terras-raras nos Estados Unidos. Investimento
dessa ordem não era feito desde que as ferrovias foram nacionalizadas, na Primeira
Guerra Mundial.
Pode ser positivo conversar com um país em
busca de um produto que o Brasil tem com tanta fartura. Há uma série de outras
questões comerciais e de investimento de interesse mútuo. Mas para que isso
ocorra de forma proveitosa, Trump precisa adiar o tarifaço e dar logo início a
negociações técnicas. A lógica da ameaça não funcionará com o Brasil.
Mortes e incapacitação de crianças no
trabalho envergonham o país
O Globo
São mais de três acidentes fatais por mês.
Repressão a irregularidades precisa ser intensificada
O trabalho infantil e a incidência nele de
acidentes que incapacitam crianças e adolescentes são inaceitáveis. No Brasil,
o trabalho é proibido até os 13 anos e só é liberado a partir dos 14 para a
função de aprendiz. Antes de completar 18 anos, crianças e adolescentes não
podem trabalhar em máquinas, nas ruas, na agricultura ou à noite. Na vida real,
todos sabem, é diferente.
A precariedade social de famílias de baixa
renda empurra crianças e jovens para o mercado de trabalho, tirando-os das
salas de aula. Com isso, eles perdem a chance de ascender socialmente pela
educação e, assim, tendem a repetir a história dos pais. Mudam as gerações, e a
pobreza continua. Em 2000, trabalhavam 5 milhões de crianças e adolescentes,
segundo o IBGE. No ano passado, estavam nessa situação 1,6 milhão, uma queda
grande, mas muito longe de permitir que o país atinja o Objetivo de
Desenvolvimento Sustentável (ODS), fixado pelas Nações Unidas, de zerar o
trabalho infantil neste ano.
Para agravar o problema, a tendência dos
acidentes nesse tipo de trabalho, que era de queda desde 2013, mudou
bruscamente de sinal em 2020 e passou a crescer, como
revelou O GLOBO. Até no emprego formal, em que o menor trabalha como
aprendiz com carteira assinada, tem ocorrido mortes. O número total de
acidentes fatais verificados na faixa etária de 5 a 17 anos chegou a 42 em
2024, um salto de 223% ante os 13 de 2020, ano da pandemia da Covid-19. São
mais de três por mês. De 2007 a maio deste ano, mais de mil crianças e
adolescentes ficaram incapacitados total ou parcialmente e 415 morreram em
ambientes de trabalho, entre elas 22 crianças com menos de 13 anos, segundo
dados do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da
Saúde.
O empobrecimento das famílias causado pela
pandemia, de acordo com a médica sanitarista Élida Hennington, da Fiocruz,
induziu a entrada de mais crianças e adolescentes no mercado de trabalho, e,
como consequência, passou a haver mais acidentes com eles. “A maior
participação em trabalhos perigosos e insalubres pode ter contribuído para
esses eventos”, diz.
Como há ainda o trabalho infantil
“invisível”, não detectado pelos órgãos de controle, também existe o acidente
não notificado. O Ministério do Trabalho tem um Grupo Móvel do Trabalho
Infantil. Ele resgata quase 3 mil crianças por ano de atividades inadequadas.
Já foram retirados menores de polo têxtil em que cumpriam jornadas de nove
horas diárias. Uma criança estava manuseando uma lata de querosene e fogo para
queimar pontas de fios. Outra foi encontrada em um açougue numa máquina de moer
carne. Quanto maior for o desvio de crianças e adolescentes da escola para o
mercado de trabalho precarizado, menor a chance do país de mudar de patamar de
desenvolvimento.
Passou da hora de a Câmara cortar seus
próprios gastos
Folha de S. Paulo
Motta empregou funcionárias fantasmas;
despesa para contratações sem fiscalização da jornada é de mais de R$ 1 bi por
ano
Como presidente da Câmara dos Deputados, Hugo
Motta (Republicanos-PB) tem insistido na necessidade de o governo resolver os
problemas fiscais do país por meio do corte de gastos, não do aumento de
impostos. É um discurso correto; suas práticas, contudo, passam longe de seguir
o mesmo caminho.
Ao contrário: quando se trata de zelar pelas
verbas ao seu alcance, Motta parece considerar que os cofres públicos podem ser
utilizados sem limites.
Tome-se o caso de seu gabinete, irrigado por
R$ 133 mil mensais para a contratação de 5 a 25 pessoas em cargo de assessoria.
Pois o que faz o parlamentar para otimizar o uso desse dinheiro? Ao que tudo
indica, pouco.
Conforme
revelou reportagem da Folha, Motta empregou na Câmara ao menos três
funcionárias com rotinas incompatíveis com suas funções no Legislativo.
As três foram contratadas para o cargo de
secretário parlamentar, com jornada de 40 horas semanais e proibição de exercer
outra função pública. Nenhuma delas cumpre todos esses requisitos, assim como
nenhuma delas soube explicar em que consiste o trabalho no gabinete de Motta.
Em outras palavras, são funcionárias
fantasmas —e, somadas, elas já consumiram R$ 112 mil somente neste ano,
considerando salários, auxílios e gratificações.
O presidente da Casa tentou se explicar, sem
muito êxito. Disse que preza pelo cumprimento rigoroso das obrigações de quem
atua em seu gabinete, mas não conseguiu comprovar a afirmação nem citou os
casos concretos; em contrapartida, demitiu duas das funcionárias fantasmas.
É pouco para alguém que, sendo o presidente
da Câmara mais jovem da história, foi apresentado por aliados como o rosto da
renovação no Legislativo. No que diz respeito ao patrimonialismo —uso de
recursos públicos como se fossem privados—, Motta reitera os mesmos
comportamentos aviltantes de sempre.
Ele simboliza, isto sim, o descaso dos
deputados com os impostos pagos no Brasil. Não fosse assim, jamais permitiriam
que a Câmara gastasse R$
1 bilhão por ano com funcionários cuja jornada não é controlada nem
fiscalizada —pode-se imaginar quantos fantasmas entram nessa farra.
Tudo isso sem contar os cerca de R$ 50
bilhões destinados às emendas parlamentares, uma despesa de caráter obrigatório
que é executada sem monitoramento nem plano estratégico.
Diante de tanto descalabro, não surpreende
que, segundo pesquisa Datafolha, quase 60% dos brasileiros tenham vergonha dos
atuais congressistas —índice que não difere muito do registrado em relação aos
demais Poderes.
O que surpreende é a desfaçatez do Congresso
ao aprovar
projeto de lei para aumentar o número de deputados. Como se vê com o
exemplo do esquema de Motta, o Legislativo precisa cortar cargos e enxugar
gastos, não ampliá-los. Daí que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
acertou ao vetar a iniciativa.
Fantasma de Epstein assombra Trump mais do
que nunca
Folha de S. Paulo
Especulações sobre ligação do presidente
americano com magnata que se matou numa cela em 2019 provocam disputa política
A história da política americana registra
episódios em que cadáveres insepultos assombraram figuras poderosas, mas
usualmente o impacto decresce com o tempo. Com Donald Trump,
como é a praxe, as regras não se aplicam.
O presidente dos Estados
Unidos está há semanas tentando se livrar de um caso em teoria
encerrado em 2019, quando Jeffrey
Epstein foi achado enforcado na cela em que aguardava julgamento, em
aparente suicídio.
Magnata do setor financeiro, Epstein foi
acusado de ser um dos mais influentes traficantes de mulheres, abusador
de menores e promotor de festas sexuais nos EUA. Um de seus clientes
mais famosos foi o príncipe Andrew, ostracizado na família real britânica após
fazer um acordo para não ser julgado.
Com origens nova-iorquinas e personalidades
semelhantes, não demorou para Trump e Epstein virarem amigos. Por 15 anos,
frequentaram festas e viagens, rompendo em 2004. Depois disso, não há registro
de contato entre eles.
Epstein foi preso duas vezes, e Trump nunca
foi citado nesses processos. Os fumos tóxicos, porém, permaneceram no ar, muito
por culpa do republicano, que passou a acusar políticos do rival Partido
Democrata de estarem na notória "lista de Epstein", que traria
clientes do falecido.
Disse que a administração de Joe Biden havia
acobertado a apuração. Eleito, passou a esquecer o assunto, até que o
ex-aliado Elon
Musk sugeriu que o presidente estava na lista.
No começo de julho, revisão do Departamento
de Justiça sobre o caso descartou a tal listagem, e Trump causou a ira de
apoiadores ao dizer que o documento seria uma invenção democrata.
Tentou então ganhar tempo e solicitou à
Procuradoria a divulgação dos documentos que julgar críveis, o que ainda não
ocorreu. A Justiça negou revelar alguns autos. Os republicanos anteciparam o
recesso parlamentar a fim de evitar moção para obrigar a liberação e convocar a
ex-namorada de Epstein, condenada a 20 anos de cadeia, para depor.
O presidente deu sinais de incômodo, rompendo
com o até então próximo The Wall Street Journal por ter citado a suposta
existência de um bilhete
de parabéns pelos 50 anos de Epstein, feito em 2003 por Trump, que alude a
segredos compartilhados e é adornado com desenho de mulher.
Enquanto isso, tenta mudar o enfoque para supostas manipulações do governo de Barack Obama no relatório que indicou que os russos interferiram no pleito em que Trump foi eleito em 2016. Nada indica que dará certo.
O império do dólar e seu maior inimigo
O Estado de S. Paulo
O maior risco à hegemonia do dólar, que ainda
sustenta a supremacia econômica americana no mundo, não vem dos arranjos do
Brics ou quaisquer outros, mas da própria Casa Branca
Desde a criação do sistema internacional que
organizou a economia global depois da 2.ª Guerra, articulada na Conferência de
Bretton Woods, em 1944, o dólar americano ocupa o centro do sistema financeiro
internacional. A combinação de poder econômico, estabilidade institucional e
domínio geopolítico garantiu à moeda dos Estados Unidos um status sem paralelo:
principal meio de troca global, reserva de valor preferencial e instrumento
decisivo de influência internacional. Mas essa supremacia construída ao longo
de oito décadas é hoje alvo de uma ofensiva inesperada: não de Pequim, Moscou
ou, muito menos, Brasília – mas do próprio presidente americano.
A reação virulenta do presidente dos EUA,
Donald Trump, a qualquer sugestão de substituição do dólar por alternativas
regionais – como as aventadas no Brics – revela mais do que uma atitude
protecionista. Ela expõe o fato incômodo de que a moeda americana é hoje o
principal resquício da supremacia econômica dos EUA do pós-guerra. Desde a
década de 1990, os EUA vêm perdendo participação relativa na produção
industrial e no comércio mundial. Em 1990, o país respondia por cerca de 21% do
PIB global em paridade de poder de compra; hoje, responde por pouco mais de
14%. A China já é a maior potência industrial e o maior exportador do mundo. O
que resta de incontestável é o dólar – e por isso mesmo Trump o protege com
garras afiadas.
Não se trata, no entanto, de uma proteção
racional. Paradoxalmente, é o próprio Trump quem mais ameaça a hegemonia do
dólar. Ao adotar políticas fiscais irresponsáveis, atacar a independência do
Federal Reserve (o banco central dos EUA), romper consensos internacionais e
transformar tarifas em instrumento de retaliação pessoal, o presidente
enfraquece as bases de confiança que sustentam a moeda americana. Investidores
estrangeiros já demonstram desconforto: o dólar caiu cerca de 10% desde o
início do ano, mesmo em meio a choques globais – o oposto do que costuma
ocorrer com uma moeda refúgio.
Os exemplos se acumulam. Em julho, Trump
ameaçou impor tarifas de 50% contra o Brasil em represália ao julgamento de
Jair Bolsonaro, e lançou sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal.
Ao fazê-lo, minou a confiança na previsibilidade jurídica dos EUA. Ao mesmo
tempo, sugeriu a demissão do presidente do Fed, Jerome Powell, e flertou com a
ideia de tributar ativos americanos detidos por estrangeiros. Tudo isso num
momento em que o déficit público se aproxima de 7% do PIB e a dívida bruta
supera os US$ 35 trilhões – condições que tendem a ser agravadas pelo “grande e
belo” pacote fiscal de Trump recém-aprovado pelo Congresso. A combinação de
desordem nas contas públicas, instabilidade institucional e nacionalismo
econômico é tóxica para a credibilidade de qualquer moeda.
Ainda assim, o dólar segue dominante – mas
por falta de alternativas. O euro permanece limitado por entraves fiscais e
políticos; o yuan chinês sofre com controles de capital e opacidade
institucional. Moedas digitais de bancos centrais, como o projeto do Brics Pay,
ainda estão em fase experimental. Quase 90% das transações cambiais e 60% das
reservas cambiais globais envolvem o dólar. O mundo pode estar insatisfeito com
essa dependência, mas não encontrou substituto à altura.
Essa força relativa, porém, não garante
eternidade. O privilégio exorbitante de emitir a moeda reserva do mundo exige
contrapartidas: estabilidade, previsibilidade, respeito ao Estado de Direito e
responsabilidade fiscal. Ao desprezar esses pilares, Trump sabota aquilo que
pretende proteger. Se a confiança no dólar ruir, o impacto será global – e o
maior responsável não será o Brics, mas a própria Casa Branca.
Como qualquer hegemonia, a monetária não é
ideal, mas, na prática, um mundo sem a dominância do dólar reinante até aqui
pode ser menos eficiente, mais fragmentado e mais vulnerável a choques. É
possível que vejamos o surgimento de blocos cambiais regionais, moedas digitais
interoperáveis e redes financeiras alternativas. Mas essa transição, se ocorrer
de forma abrupta e desordenada, terá custos imensos. O dólar ainda reina – mas
seu trono nunca esteve tão ameaçado por quem dele mais se orgulha.
Apatia democrática
O Estado de S. Paulo
Ignorância da população sobre emendas
parlamentares, detectada em pesquisa, é algo perturbador, pois revela
desinteresse pela destinação do dinheiro público, parte essencial da democracia
É desanimador o resultado da pesquisa
Genial/Quaest divulgada na semana passada sobre a avaliação que a população faz
a respeito do Congresso. Simplesmente três em cada quatro brasileiros não sabem
que os parlamentares terão direito a R$ 50 bilhões em emendas neste ano. Não há
espaço para tergiversações a respeito da pergunta, que não poderia ser mais
clara e direta sobre a apatia da maioria dos brasileiros a respeito de um tema
que se tornou central para a compreensão da política nacional nos últimos anos.
Do total de 2.004 pessoas que participaram do
levantamento, feito entre os dias 10 e 14 de julho, 72% responderam não saber e
apenas 27% disseram ter conhecimento. A margem de erro é de dois pontos
porcentuais para mais ou para menos. O desconhecimento é maior entre mulheres,
entre os mais jovens, entre aqueles com formação até o ensino fundamental e
entre pessoas com renda de até dois salários mínimos, mas independe do sexo,
idade, formação, classe social, religião e posicionamento político. É amplamente
majoritário entre eleitores que, no segundo turno de 2022, votaram em Lula da
Silva e Jair Bolsonaro e ainda maior entre os que votaram em branco, nulo ou
não foram às urnas.
Essa ignorância não é algo que se possa
relevar, mesmo porque o assunto frequenta as manchetes dos jornais desde que
este jornal revelou, em 2021, numa série de reportagens, os meandros do chamado
“orçamento secreto” – por meio do qual o governo do então presidente Jair
Bolsonaro distribuiu verbas para deputados e senadores com o objetivo de criar
uma base de apoio no Congresso.
A origem desse esquema se deu por meio das
emendas de relator. A chamada RP-9 era uma forma de escamotear a divisão de
recursos e que nada tinha a ver com a figura do relator do Orçamento. Tudo era
coordenado pela cúpula da Câmara e do Senado, sem qualquer transparência, a
ponto de nem mesmo o Executivo saber dizer para onde havia sido enviada a
verba, para que projeto e por ordem de quem. Coube ao Supremo Tribunal Federal
(STF) reconhecer a evidente inconstitucionalidade desse instrumento no fim de
2022.
Esse talvez tenha sido o momento em que as
emendas parlamentares mais tenham recebido atenção por parte da imprensa, mas
não foi o único. Na última década, o Congresso promulgou mudanças
constitucionais que tornaram obrigatório o pagamento das emendas individuais,
em março de 2015, e das emendas de bancada, em junho de 2019, e que permitiram
a transferência direta de recursos a Estados e municípios sem projeto ou obra
vinculada – as chamadas “emendas Pix”, em dezembro de 2019. Depois do orçamento
secreto, o Congresso recorreu às emendas de comissão para tentar repetir o
modelo anterior.
Parte da tumultuada relação entre os Três
Poderes se deve a isso. De um lado, o Congresso não quer abrir mão do poder que
as emendas lhe deram nos últimos anos; de outro, o Executivo quer reaver o
controle sobre os recursos públicos. Sem acordo entre as partes, o STF tenta
encontrar uma maneira de conciliar esses interesses sem que haja afronta aos
princípios constitucionais da administração pública – legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Cada capítulo desse longo imbróglio tem sido
acompanhado pela imprensa. Não faltam reportagens a apontar as distorções
geradas por esse esquema, como os desertos políticos – municípios que não
recebem verba por não terem um deputado para defendê-los em Brasília.
Se há algo que deveria interessar à sociedade
é o destino do dinheiro público, que, por óbvio, não é infinito. Sendo
impossível atender a todas as demandas por recursos, parece claro que o tema
deveria ser acompanhado com lupa por quem contribui e depende deles.
Essa consciência é parte da essência da
democracia. Para a maioria do Congresso, no entanto, tanta indiferença tem sido
bastante útil, pois quem consegue indicar mais emendas logra ganhar mais votos
nas eleições, perpetuando-se no Congresso e nas prefeituras Brasil afora.
Descontrole do além
O Estado de S. Paulo
TCU revela que o Estado paga benefícios a
mortos enquanto nega dignidade aos vivos
Uma auditoria do Tribunal de Contas da União
(TCU) sobre a qualidade dos dados do Sistema Nacional de Informações de
Registro Civil (Sirc) revelou um escândalo grotesco: entre 2016 e 2025, o
governo federal gastou R$ 4,4 bilhões com o pagamento de benefícios e salários
a pessoas mortas. O mais alarmante é que esse descalabro está em curso. Segundo
o TCU, R$ 28,5 milhões continuam sendo pagos mensalmente em nome de
beneficiários que já não estão vivos. Ou seja, o Estado brasileiro gasta com os
mortos enquanto nega dignidade a milhões de vivos. Não há imagem mais cruel da
inépcia da máquina pública.
O relatório da Corte de Contas escancara a
precariedade de um controle administrativo dos mais básicos no País. No período
analisado, aproximadamente 275 mil pessoas mortas “receberam”, por assim dizer,
os valores correspondentes a benefícios sociais, como o Bolsa Família,
previdenciários e trabalhistas. Entre os mortos, há até funcionários públicos
que continuam na folha de pagamento da União. Das duas, uma: ou tamanho
descontrole é deliberado, vale dizer, uma fraude para desviar recursos
públicos, ou se trata de incúria pura e simplesmente. Seja qual for o caso,
está-se diante de um profundo desrespeito com os contribuintes.
Toda essa caríssima bagunça expõe um problema
que insiste em aferrar o Brasil ao atraso: a ausência de sistemas confiáveis de
verificação de elegibilidade de benefícios e o colapso da articulação entre
bases de dados federais, estaduais e municipais. Mais do que um problema
técnico, é uma falência política. Como é possível que, em plena era da
informação, o Estado brasileiro não consiga saber nem sequer quem está vivo ou
morto?
É evidente que, à luz do período analisado, a
responsabilidade por essa falha inadmissível não recai apenas sobre um governo.
É uma sucessão de mandatos que, por inépcia, desleixo ou cumplicidade,
mantiveram operante um sistema que permite desvios grosseiros como os revelados
pelo TCU, malgrado silenciosos. Enquanto ainda se gasta bilhões de reais com
mortos, o País segue convivendo com a vergonhosa deficiência na oferta de
saneamento básico, a precariedade da saúde pública e a crônica deficiência da
educação básica. O Orçamento da União, que deveria ser um instrumento de
democracia social por excelência, acaba capturado por uma estrutura
disfuncional, clientelista e, em muitos aspectos, irresponsável.
Em uma república que se pretende democrática,
a transparência e a eficiência no gasto dos recursos públicos não são virtudes,
mas deveres. A saúde fiscal do Estado exige escolhas inteligentes e
republicanas na definição de prioridades, mas também impõe o desenvolvimento de
mecanismos eficazes de controle e correção de desvios. Sem isso, não há
planejamento que pare de pé, condenando milhões de brasileiros a uma vida
indigna em pleno século 21.
Em números absolutos, a bem da verdade, nem se trata de tanto dinheiro. Mas o que o TCU encontrou decerto é só uma ínfima parte da miríade de dutos por onde escoam outros bilhões de reais à toa, no melhor cenário, ou para enriquecer ilicitamente gente hábil em explorar as deficiências administrativas de um Estado mastodôntico, no pior.
Violência em casa, um inimigo comum
Correio Braziliense / Estado de Minas
Aumento dos casos de feminicídio e violência
sexual mostra que a violência no Brasil está migrando das ruas para dentro de
casa. E se mostra muito presente no c
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na semana passada, revelou um fenômeno preocupante: a violência está migrando das ruas para dentro de casa. E se mostra muito presente no cotidiano familiar. Enquanto o país registrou uma queda de 5% no total de mortes violentas (homicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e letalidade policial), com 44.127 mil ocorrências em 2024, dois delitos específicos tiveram aumento e alcançaram tristes recordes. O primeiro dado alarmante é o feminicídio. No ano passado, 1.492 brasileiras foram assassinadas pelo fato de serem mulheres.
Trata-se do recorde de óbitos registrados desde 2015, quando foi sancionada a lei do feminicídio. Mais impressionante, o Anuário da Violência indica que nada menos que 100 mil medidas protetivas foram descumpridas. Dito de outra forma: 18% dos agressores que receberam ordem da Justiça para se manterem afastados das vítimas ignoraram a determinação. A cada dia, quatro cidadãs tiveram a vida brutalmente interrompida por covardes, com sequelas para familiares, como filhos e avós. Cada vítima de feminicídio significa uma criança desamparada, um lar desprovido, uma oportunidade de trabalho que se esvai, o sonho de uma educação digna encerrado.
São muitas e profundas as marcas deixadas por essa tragédia social que desafia não apenas as autoridades de segurança pública, mas a sociedade. Outra calamidade no país são os indicadores de violência sexual. Em 2024, houve impressionantes 87,5 mil casos de estupro – é o maior número de registros realizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública desde o início da série histórica, em 2011. Mais de 60% das vítimas tinham menos de 14 anos — um terço são crianças e adolescentes entre 10 e 13 anos de idade. As mulheres sofreram a violação sexual em 88% das ocorrências.
Em uma dificuldade adicional no combate a esse tipo de violência, os crimes de
natureza sexual são marcados pela subnotificação. Além disso, uma parte
significativa dos abusos ocorre dentro do ambiente doméstico e é praticada por
um parente ou ex-parceiro íntimo. Essa amostra de dados evidencia como Estado e
sociedade precisam unir forças para combater essa chaga que atinge milhões de
brasileiros.
Ao poder público, é fundamental aprimorar os instrumentos de prevenção e
combate aos crimes de motivação pessoal, como feminicídio e abuso sexual.
Quanto à comunidade, é preciso criar redes de solidariedade e vigilância para
impedir que agressores cometam suas atrocidades contra mulheres e vulneráveis.
O silêncio só alimenta a sanha dos criminosos habituados a agir nas
sombras.
Uma boa notícia, mas preocupante
O Povo (CE)
A questão é que se trata de um ambiente no
qual algum tipo de controle se faz necessário, evitando-se que gente inocente,
até pela falta de uma vivência suficiente para levar às melhores escolhas, seja
colocada ao alcance de práticas para as quais não está preparada
A sociedade contemporânea lida com problemas
que exigem a melhor compreensão possível, na perspectiva de se entender os
limites e as possibilidades que o mundo novo oferece. Dados de 2024 que foram
colhidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
divulgados durante a semana, oferecem números quantitativos e atualizados sobre
um problema, que exige cuidado e delicadeza para ser enfrentado: a relação das
novas gerações com as ferramentas online.
Deu-se um salto, aponta o IBGE, na quantidade
de crianças cearenses da faixa entre 10 e 13 anos com acesso à internet. O
comparativo é entre o índice colhido em 2016, que era 55,9%, e o de 2024,
quando o percentual pula para 84,4%, o que expõe um avanço importante e, diante
de desafios intrínsecos ao tempo moderno, até passível de uma comemoração por
expressar uma melhoria objetiva na realidade.
A questão, porém, deve envolver também a
necessidade de se estabelecer limites, para os quais não existe ainda uma
fórmula clara com o propósito de evitar que prevaleça na formação humana de
nossas crianças o lado negativo de um mundo pouco regrado, como é a
característica fundamental hoje do ambiente digital.
É um debate sério e que não pode ser
contaminado por uma outra discussão que já acontece, mais relacionada à
população adulta e ao interesse manifesto por segmentos da sociedade de terem
garantido o direito pleno que reivindicam ao uso da liberdade de expressão, no
seu conceito extremo muitas vezes.
Os dados extraídos da "Pnad Contínua:
Características de Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad TIC)
2024", analisam a conexão à internet, serviços de streaming, sinal de
streaming, rádio e outras ferramentas em todo o Brasil. Claro que há um lado
naturalmente positivo na descoberta de que temos uma população, inclusive na
faixa infantil, a cada dia mais conectada, considerando que há ferramentas
educativas que funcionam com alto grau de eficiência. Portanto, não é questão
de supervalorizar o viés negativo e, a partir disso, estabelecer restrições que
inviabilizem o contato de nossas crianças com os avanços que são próprios do
método digital.
A questão é que se trata de um ambiente no
qual algum tipo de controle se faz necessário, evitando-se que gente inocente,
até pela falta de uma vivência suficiente para levar às melhores escolhas, seja
colocada ao alcance de práticas para as quais não está preparada. A mais
evidente delas relacionada aos jogos online, com todos os males que trazem, a
começar por estabelecer um quadro de vício com reflexos danosos, não raro, no
próprio ambiente familiar.
É uma preocupação que precisa envolver pais, escolas, Estado e quem mais esteja interessado em garantir genuinamente que os avanços tecnológicos, necessários e bem vindos na maior parte dos casos, não apresentem como efeito colateral a desagregação de lares e a desestruturação de famílias. No caso específico, famílias cearenses.
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