domingo, 27 de julho de 2025

O mapa da mina - Bernardo Mello Franco

O Globo

Às vésperas do início do tarifaço, EUA manifestam desejo por riquezas do subsolo

Donald Trump mandou avisar: está de olho nos minerais estratégicos do Brasil. O recado foi dado pelo encarregado de negócios da embaixada americana, Gabriel Escobar. Ele expôs a cobiça a nove dias do 1º de agosto, data marcada para o início do tarifaço contra produtos brasileiros.

O presidente dos Estados Unidos não é dado a sutilezas. Em fevereiro, ameaçou suspender o apoio militar à Ucrânia e submeteu Volodymyr Zelensky a uma humilhação pública na Casa Branca. Tudo para arrancar um acordo de exploração de terras-raras, descritas como o petróleo do século 21. O solo ucraniano é rico em minerais críticos como urânio, titânio, lítio, ferro e manganês. Para não serem abandonados à própria sorte, os donos da terra se viram forçados a entregá-la ao Tio Sam.

Em outro lance que lembrou o colonialismo do século 19, Trump ameaçou tomar a Groenlândia, território autônomo da Dinamarca. O republicano alegou fins de segurança nacional, mas um de seus conselheiros econômicos admitiu que a cobiça se deve à presença de “muitos metais valiosos”. A União Europeia protestou, e o assunto foi deixado de lado até segunda ordem.

Trump quer reduzir a dependência americana de minerais estratégicos exportados pela China. O desejo de encontrar novos fornecedores é legítimo. O problema é querer obtê-los mediante chantagem e extorsão, levando a faca ao pescoço alheio.

O Brasil detém 23% das reservas mundiais de terras-raras, além de 92% das reservas de nióbio, matéria-prima para a indústria aeroespacial. O país também é rico em recursos como lítio e silício, usados na produção de baterias e semicondutores.

Na quarta-feira, Escobar expôs o apetite americano em reunião a portas fechadas com a cúpula do Ibram. A entidade tem nome de órgão público, mas representa os interesses das mineradoras brasileiras. É chefiada por Raul Jungmann, ministro dos governos FH e Temer, e pelo general Fernando Azevedo e Silva, ministro de Bolsonaro.

Jungmann também preside o Lide Mineração, braço do grupo de lobby de João Doria. Depois que a conversa veio à tona, o ex-ministro disse ter informado o representante de Trump que a discussão precisaria envolver o governo — uma obviedade, já que as riquezas do subsolo só podem ser extraídas com permissão da União. Ele acrescentou que os minerais poderiam se tornar uma “carta na manga” para o Brasil na negociação das tarifas.

Se a ideia era entregar o mapa da mina, parece não ter funcionado. Na quinta, Lula aproveitou uma solenidade para reforçar o discurso da soberania nacional e rechaçar a cobiça americana. “Temos todos os minerais ricos que vocês querem”, disse. “Aqui ninguém põe a mão”, completou.

Nem sempre foi assim. Em janeiro de 2019, um recém-empossado Jair Bolsonaro cruzou com Al Gore no Fórum Econômico Mundial, em Davos. O ex-vice-presidente americano, vencedor do Nobel da Paz, manifestou preocupação com a Amazônia. Deu-se um diálogo espantoso, filmado pelo documentarista alemão Marcus Vetter. “Temos muitas riquezas e gostaria muito de explorá-las junto com os Estados Unidos”, ofertou o capitão. “Não entendi bem o que isso quer dizer”, respondeu um constrangido Gore.

 

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