Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Longe de estar "ultrapassado", como afirmou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, na sexta-feira, o caso das escutas ilegais ganhou corpo justamente depois que o governo tentou uma ultrapassagem arriscada no seu roteiro habitual de administração de crises e, no improviso, acabou se atrapalhando todo.
A semana começou com a celebração da firmeza e da agilidade do Planalto pelo afastamento da diretoria da Agência Brasileira de Inteligência na segunda-feira à noite e transcorreu aos tropeços em bate-boca de ministros, generais, delegados de polícia, cada um tirando uma peça da obra construída para apaziguar a ira do Supremo Tribunal Federal.
No meio da confusão, estranhamente quem menos falou foi o ministro da Justiça, Tarso Genro.
Discreto, entrou em cena já na hora dos remendos, para apresentar uma proposta de aumento da pena de prisão e perda dos direitos políticos aos grampeadores do submundo da espionagem.
Na minuta da proposta não há instruções sobre como proceder para identificá-los e tirá-los da clandestinidade a fim de fazer valer os rigores da nova lei.
O presidente Luiz Inácio da Silva tampouco parou de se movimentar em outras direções, mas nada foi suficiente para abafar o barulho da discussão sobre a denúncia do ministro Jobim de que a Abin teria extrapolado o limite legal de suas funções ao comprar equipamentos de escuta.
Era só um argumento para reforçar junto ao presidente Lula a tese da urgência em apresentar um suspeito ainda no primeiro dia útil da crise para apaziguar os ânimos no Supremo, cujo presidente havia sido comprovadamente alvo de um grampo.
O STF fechou-se unânime em defesa de Gilmar Mendes que cobrava uma atitude mais objetiva que a habitual a formalidade do pedido de abertura de inquérito na Polícia Federal.
Afastava-se temporariamente a direção da Abin "em nome da transparência" das investigações, dava-se uma satisfação ao Tribunal, recolhiam-se os elogios pela pronta reação e tudo resolvido.
Quase deu certo.
O presidente do Supremo continuou a tratar do assunto, mas já sem o tom de cobrança ao presidente da República adotado na hora da pressão, as saudações apareceram aqui e ali, mas na terçafeira mesmo as coisas desandam.
Primeiro por causa da profusão de manifestações de admiração e louvor do primeiro escalão da República ao trabalho do chefe da equipe posta sob suspeita horas antes. A demissão fora, então, injusta, apressada, infundada? A decisão de Lula começa a ser enfraquecida pela própria equipe presidencial, em seu afã de desagravar o lado supostamente ofendido sem perceber que o cobertor era curto demais para abrigar todas as versões.
Ato seguinte, "vaza" a informação de que na reunião de segundafeira no Palácio do Planalto Nelson Jobim apresentara ao presidente indícios fortes para justificar a ação contra a Abin. A agência teria usado o sistema de compras do Exército para adquirir equipamentos de interceptação telefônica.
O ministro da Defesa prontamente confirma a história.
Recapitulando: o governo oferece cabeças ao sacrifício no início de uma crise, depois parte da equipe presidencial defende os demitidos e, em seguida, o ministro da Defesa complica os defendidos confirmando informações passadas ao presidente numa reunião fechada.
Quantas vezes um ministro já deu aval a "vazamentos", ainda mais sobre o conteúdo de conversas com o chefe, envolvendo uma acusação grave contra um órgão ligado diretamente à Presidência? Quantas vezes o governo apresentou suspeitos espontaneamente? Quantas vezes os acusados foram afastados de seus postos para garantir a "transparência" das investigações sobre qualquer uma das denúncias feitas desde o caso Waldomiro Diniz até hoje? Nem uma única mísera vez qualquer das cenas acima aconteceu e foi aí, ao sair do "texto" habitual, que o Palácio do Planalto perdeu a direção.
Como não houve previsão para o segundo capítulo, depois do primeiro cada personagem agiu de acordo com o que julgou mais conveniente e, de repente, o governo se vê sentado na berlinda produzindo acusações contra si.
É quando entra o ministro Nelson Jobim dando o assunto por "ultrapassado" até a conclusão "das investigações da Polícia Federal".
A idéia, pelo jeito, é voltar ao ponto zero da crise.
Difícil será dar por não dito o muito que foi dito durante quatro dias sobre o tenebroso tema da espionagem clandestina possivelmente – como admitiu o chefe do Gabinete de Segurança Institucional – existente nas entranhas do Estado.
Pé de coelho
O presidente Lula fala em sorte, refere-se à "magia" do momento nacional, demora-se nos factóides e passa ligeiro pelos fatos.
Alimenta subliminarmente a crendice de que sua importância vai além da Presidência, apresentando-se como um legítimo amuleto para o povo brasileiro.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Longe de estar "ultrapassado", como afirmou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, na sexta-feira, o caso das escutas ilegais ganhou corpo justamente depois que o governo tentou uma ultrapassagem arriscada no seu roteiro habitual de administração de crises e, no improviso, acabou se atrapalhando todo.
A semana começou com a celebração da firmeza e da agilidade do Planalto pelo afastamento da diretoria da Agência Brasileira de Inteligência na segunda-feira à noite e transcorreu aos tropeços em bate-boca de ministros, generais, delegados de polícia, cada um tirando uma peça da obra construída para apaziguar a ira do Supremo Tribunal Federal.
No meio da confusão, estranhamente quem menos falou foi o ministro da Justiça, Tarso Genro.
Discreto, entrou em cena já na hora dos remendos, para apresentar uma proposta de aumento da pena de prisão e perda dos direitos políticos aos grampeadores do submundo da espionagem.
Na minuta da proposta não há instruções sobre como proceder para identificá-los e tirá-los da clandestinidade a fim de fazer valer os rigores da nova lei.
O presidente Luiz Inácio da Silva tampouco parou de se movimentar em outras direções, mas nada foi suficiente para abafar o barulho da discussão sobre a denúncia do ministro Jobim de que a Abin teria extrapolado o limite legal de suas funções ao comprar equipamentos de escuta.
Era só um argumento para reforçar junto ao presidente Lula a tese da urgência em apresentar um suspeito ainda no primeiro dia útil da crise para apaziguar os ânimos no Supremo, cujo presidente havia sido comprovadamente alvo de um grampo.
O STF fechou-se unânime em defesa de Gilmar Mendes que cobrava uma atitude mais objetiva que a habitual a formalidade do pedido de abertura de inquérito na Polícia Federal.
Afastava-se temporariamente a direção da Abin "em nome da transparência" das investigações, dava-se uma satisfação ao Tribunal, recolhiam-se os elogios pela pronta reação e tudo resolvido.
Quase deu certo.
O presidente do Supremo continuou a tratar do assunto, mas já sem o tom de cobrança ao presidente da República adotado na hora da pressão, as saudações apareceram aqui e ali, mas na terçafeira mesmo as coisas desandam.
Primeiro por causa da profusão de manifestações de admiração e louvor do primeiro escalão da República ao trabalho do chefe da equipe posta sob suspeita horas antes. A demissão fora, então, injusta, apressada, infundada? A decisão de Lula começa a ser enfraquecida pela própria equipe presidencial, em seu afã de desagravar o lado supostamente ofendido sem perceber que o cobertor era curto demais para abrigar todas as versões.
Ato seguinte, "vaza" a informação de que na reunião de segundafeira no Palácio do Planalto Nelson Jobim apresentara ao presidente indícios fortes para justificar a ação contra a Abin. A agência teria usado o sistema de compras do Exército para adquirir equipamentos de interceptação telefônica.
O ministro da Defesa prontamente confirma a história.
Recapitulando: o governo oferece cabeças ao sacrifício no início de uma crise, depois parte da equipe presidencial defende os demitidos e, em seguida, o ministro da Defesa complica os defendidos confirmando informações passadas ao presidente numa reunião fechada.
Quantas vezes um ministro já deu aval a "vazamentos", ainda mais sobre o conteúdo de conversas com o chefe, envolvendo uma acusação grave contra um órgão ligado diretamente à Presidência? Quantas vezes o governo apresentou suspeitos espontaneamente? Quantas vezes os acusados foram afastados de seus postos para garantir a "transparência" das investigações sobre qualquer uma das denúncias feitas desde o caso Waldomiro Diniz até hoje? Nem uma única mísera vez qualquer das cenas acima aconteceu e foi aí, ao sair do "texto" habitual, que o Palácio do Planalto perdeu a direção.
Como não houve previsão para o segundo capítulo, depois do primeiro cada personagem agiu de acordo com o que julgou mais conveniente e, de repente, o governo se vê sentado na berlinda produzindo acusações contra si.
É quando entra o ministro Nelson Jobim dando o assunto por "ultrapassado" até a conclusão "das investigações da Polícia Federal".
A idéia, pelo jeito, é voltar ao ponto zero da crise.
Difícil será dar por não dito o muito que foi dito durante quatro dias sobre o tenebroso tema da espionagem clandestina possivelmente – como admitiu o chefe do Gabinete de Segurança Institucional – existente nas entranhas do Estado.
Pé de coelho
O presidente Lula fala em sorte, refere-se à "magia" do momento nacional, demora-se nos factóides e passa ligeiro pelos fatos.
Alimenta subliminarmente a crendice de que sua importância vai além da Presidência, apresentando-se como um legítimo amuleto para o povo brasileiro.
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