Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Por toda a parte, os governos lançam pacotes de gastos, fixam regras para diversos setores da economia, compram partes ou bancos inteiros, subsidiam e estatizam companhias. Trata-se de uma maciça intervenção do Estado na economia, que pode ser interpretada de duas maneiras: uma ação emergencial ou um novo consenso global a comandar as políticas econômicas.
Aqui no Brasil, o pessoal do governo Lula e os chamados "desenvolvimentistas" não têm a menor dúvida. Estão certos, como, aliás, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, de que o liberalismo ou neoliberalismo estão mortos, já substituídos pelo capitalismo com o Estado controlando largos setores da economia.
Os chineses vão ainda mais longe. Acham que o lado político do capitalismo liberal, a democracia, também se mostrou ineficiente para lidar com situações de crise. Para eles, se o Estado controla a economia, deve controlar também a vida política, pois isso facilita a administração da política econômica.
Por aqui, porém, ficamos com a intervenção econômica sem ditadura - digamos logo o nome do tal "sistema chinês". Mas o governo Lula leva essa intervenção a limites bem distantes. Manda a Petrobrás anunciar enormes investimentos, manda o Banco do Brasil reduzir os juros e aumentar os empréstimos.
Quem manda aqui é o governo, dizem todos lá em Brasília, com a concordância dos empresários que batem às portas dos gabinetes em busca de subsídios, dinheiro dado, redução de impostos, garantia de mercado e outras vantagens.
Nessa toada, o governo Lula já deu todos os sinais de que não vai cumprir a meta de superávit primário deste ano - ou seja, vai pagar menos juros - com a consequente elevação da dívida pública como porcentagem do PIB, o mais importante indicador de solvência do País.
E parece que está tudo bem. O risco Brasil, que mostra como o mundo vê o País, terminou a semana passada nos 370 pontos, bem abaixo do nível alcançado no momento mais agudo da crise e mais de 200 pontos abaixo da média dos emergentes.
A Bovespa se manteve em alta, terminando a semana acima dos 45 mil pontos (ante 39 mil em março) e o dólar caiu para a casa dos R$ 2,20. Estão vendo? - tudo funciona sob o comando do presidente Lula.
Será? Talvez valesse a pena olhar as coisas mais de perto.
Onde mais se fala de regulação de mercado financeiro é nos Estados Unidos, o que faz sentido. O mercado lá era amplamente desregulado, com amplos setores, como o dos bancos de investimento, trabalhando livres de regras. Ou seja, a questão lá é partir da regulação quase zero para alguma regulação.
Não se aplica ao Brasil. O sistema financeiro aqui é super-regulado, travado mesmo. Era antes da crise e continua assim. Nosso problema é o contrário do americano. Inclusive para derrubar as taxas de juros, será preciso dar mais liberdade de atuação aos bancos.
No quesito gasto público, consideremos o pacote chinês, de US$ 500 bilhões em dois anos. Isso dá quase 15% do PIB de estímulo fiscal, um gasto espantoso, especialmente considerando que quase tudo vai para investimentos em infraestrutura.
Comparando: mesmo que o governo chinês consiga aplicar tudo, portanto aumentando a despesa pública em sete pontos porcentuais do PIB ao ano, ainda assim gastará proporcionalmente menos que o governo brasileiro. Isso no que se refere ao gasto total, porque na composição da despesa a diferença é brutal: aqui, gastos concentrados em custeio, pessoal e previdência; lá, em investimento. Aqui, poupança doméstica abaixo dos 20% do PIB. Lá, mais de 40%. Ou seja, eles têm superávits para gastar.
Do mesmo modo, o governo chinês está aumentando seu endividamento. Pode fazer isso, porque a dívida pública hoje equivale a modestos 15% do PIB. O Brasil também vai aumentar a dívida líquida do setor público, mas para 37% do PIB.
Faz diferença, não é mesmo?
Nos EUA, o governo está subsidiando bancos. Na Inglaterra, o governo está comprando bancos. Não serve para o Brasil, pela simples razão de que metade do sistema financeiro aqui já é estatal.
Alguns dirão: mas eles lá estão caminhando para onde já estamos. Errado.
O governo inglês está comprando bancos para não deixá-los quebrar, já que o setor privado está sem dinheiro. Idem para o governo americano. Ambos dizem que pretendem reprivatizar tudo assim que a crise esteja superada.
Isso faz sentido, porque não se pode dizer que o sistema financeiro brasileiro, fortemente estatal, tivesse sido mais eficiente que os outros, dominantemente privados. Os juros aqui sempre foram mais altos e o sistema empresta muito pouco. Por isso, aliás, não tem bolhas e excessos por aqui, porque não tem crédito em volume significativo.
Se lá no coração da crise eles precisam conter os excessos dos bancos, aqui é o contrário. É preciso ampliar os empréstimos e para isso são necessárias reformas que liberem o sistema.
Em resumo, passada a crise, os obstáculos ao crescimento do Brasil continuarão sendo os mesmos: carga tributária elevada, gasto público elevado e de má qualidade, excesso de burocracia e entraves à atividade das empresas.
Hoje, dada a crise, o mundo está mais tolerante com pecados de política econômica. Não haverá problemas com a deterioração das contas públicas, por exemplo. Mas o governo está enganado quando pensa que o novo ambiente internacional dá uma licença permanente para gastar e detonar as contas. É um passe provisório e condicionado.
*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Por toda a parte, os governos lançam pacotes de gastos, fixam regras para diversos setores da economia, compram partes ou bancos inteiros, subsidiam e estatizam companhias. Trata-se de uma maciça intervenção do Estado na economia, que pode ser interpretada de duas maneiras: uma ação emergencial ou um novo consenso global a comandar as políticas econômicas.
Aqui no Brasil, o pessoal do governo Lula e os chamados "desenvolvimentistas" não têm a menor dúvida. Estão certos, como, aliás, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, de que o liberalismo ou neoliberalismo estão mortos, já substituídos pelo capitalismo com o Estado controlando largos setores da economia.
Os chineses vão ainda mais longe. Acham que o lado político do capitalismo liberal, a democracia, também se mostrou ineficiente para lidar com situações de crise. Para eles, se o Estado controla a economia, deve controlar também a vida política, pois isso facilita a administração da política econômica.
Por aqui, porém, ficamos com a intervenção econômica sem ditadura - digamos logo o nome do tal "sistema chinês". Mas o governo Lula leva essa intervenção a limites bem distantes. Manda a Petrobrás anunciar enormes investimentos, manda o Banco do Brasil reduzir os juros e aumentar os empréstimos.
Quem manda aqui é o governo, dizem todos lá em Brasília, com a concordância dos empresários que batem às portas dos gabinetes em busca de subsídios, dinheiro dado, redução de impostos, garantia de mercado e outras vantagens.
Nessa toada, o governo Lula já deu todos os sinais de que não vai cumprir a meta de superávit primário deste ano - ou seja, vai pagar menos juros - com a consequente elevação da dívida pública como porcentagem do PIB, o mais importante indicador de solvência do País.
E parece que está tudo bem. O risco Brasil, que mostra como o mundo vê o País, terminou a semana passada nos 370 pontos, bem abaixo do nível alcançado no momento mais agudo da crise e mais de 200 pontos abaixo da média dos emergentes.
A Bovespa se manteve em alta, terminando a semana acima dos 45 mil pontos (ante 39 mil em março) e o dólar caiu para a casa dos R$ 2,20. Estão vendo? - tudo funciona sob o comando do presidente Lula.
Será? Talvez valesse a pena olhar as coisas mais de perto.
Onde mais se fala de regulação de mercado financeiro é nos Estados Unidos, o que faz sentido. O mercado lá era amplamente desregulado, com amplos setores, como o dos bancos de investimento, trabalhando livres de regras. Ou seja, a questão lá é partir da regulação quase zero para alguma regulação.
Não se aplica ao Brasil. O sistema financeiro aqui é super-regulado, travado mesmo. Era antes da crise e continua assim. Nosso problema é o contrário do americano. Inclusive para derrubar as taxas de juros, será preciso dar mais liberdade de atuação aos bancos.
No quesito gasto público, consideremos o pacote chinês, de US$ 500 bilhões em dois anos. Isso dá quase 15% do PIB de estímulo fiscal, um gasto espantoso, especialmente considerando que quase tudo vai para investimentos em infraestrutura.
Comparando: mesmo que o governo chinês consiga aplicar tudo, portanto aumentando a despesa pública em sete pontos porcentuais do PIB ao ano, ainda assim gastará proporcionalmente menos que o governo brasileiro. Isso no que se refere ao gasto total, porque na composição da despesa a diferença é brutal: aqui, gastos concentrados em custeio, pessoal e previdência; lá, em investimento. Aqui, poupança doméstica abaixo dos 20% do PIB. Lá, mais de 40%. Ou seja, eles têm superávits para gastar.
Do mesmo modo, o governo chinês está aumentando seu endividamento. Pode fazer isso, porque a dívida pública hoje equivale a modestos 15% do PIB. O Brasil também vai aumentar a dívida líquida do setor público, mas para 37% do PIB.
Faz diferença, não é mesmo?
Nos EUA, o governo está subsidiando bancos. Na Inglaterra, o governo está comprando bancos. Não serve para o Brasil, pela simples razão de que metade do sistema financeiro aqui já é estatal.
Alguns dirão: mas eles lá estão caminhando para onde já estamos. Errado.
O governo inglês está comprando bancos para não deixá-los quebrar, já que o setor privado está sem dinheiro. Idem para o governo americano. Ambos dizem que pretendem reprivatizar tudo assim que a crise esteja superada.
Isso faz sentido, porque não se pode dizer que o sistema financeiro brasileiro, fortemente estatal, tivesse sido mais eficiente que os outros, dominantemente privados. Os juros aqui sempre foram mais altos e o sistema empresta muito pouco. Por isso, aliás, não tem bolhas e excessos por aqui, porque não tem crédito em volume significativo.
Se lá no coração da crise eles precisam conter os excessos dos bancos, aqui é o contrário. É preciso ampliar os empréstimos e para isso são necessárias reformas que liberem o sistema.
Em resumo, passada a crise, os obstáculos ao crescimento do Brasil continuarão sendo os mesmos: carga tributária elevada, gasto público elevado e de má qualidade, excesso de burocracia e entraves à atividade das empresas.
Hoje, dada a crise, o mundo está mais tolerante com pecados de política econômica. Não haverá problemas com a deterioração das contas públicas, por exemplo. Mas o governo está enganado quando pensa que o novo ambiente internacional dá uma licença permanente para gastar e detonar as contas. É um passe provisório e condicionado.
*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.
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