O tratamento do Top Mail da quarta-feira passada da demissão de Antonio Palocci da Casa Civil e de sua troca por Gleisi Hoffman por meio de decisões solitárias da presidente Dilma Rousseff como fator indicativo de um “novo começo” do seu governo, esse tratamento ou abordagem semelhante dividiu as avaliações da imprensa nos dias seguintes sobre o sentido das novidades produzidas no Palácio do Planalto para o enfrentamento da chamada “crise Palocci”. Entre estas avaliações (que adicionavam mais um passo de Dilma no mesmo sentido: a nomeação de Ideli Salvatti para cuidar da articulação com o Congresso) destaco a do jornalista Josias de Souza, na Folha de S. Paulo, de domingo, com o título “Dilma se afasta de Lula e assume riscos”. Trechos da matéria: “Cinco meses depois de receber a faixa presidencial, Dilma distanciouse de Lula, moldou o Planalto à sua imagem e assumiu riscos. Anteontem, dissolveu as últimas dúvidas quanto ao estilo que deseja impor”. “Livrou-se de um superministro que lhe foi imposto por Lula e acomodou do seu lado duas mulheres leais e de temperamento mercurial”.
As decisões do “novo começo” tiveram, de um lado, favoráveis repercussão na opinião pública e leitura na mídia, basicamente por serem vistas como atos de independência da presidente em relação ao antecessor, após a ostensiva e até institucionalmente preocupante reentrada dele na cena de Brasília em meio à referida crise. Mas, de outro lado, as mesmas decisões, sobretudo as escolhas feitas (e os critérios personalistas com que o foram) para a substituição do experiente e articulado Palocci na Casa Civil, bem como no exercício da articulação política que de fato cabia a ele, geraram avaliação predominante de persistência e provável reforço do isolamento e de conseqüente instabilidade do governo. O que deve ter induzido a presidente a aproveitar, anteontem, a posse de Ideli Salvatti, no seu próprio discurso e no que recomendou à nova ministra, para uma retórica de enfáticas deferências ao Legislativo, às negociações político-partidárias e ao vice- presidente peemedebista Michel Temer. O que foi bem recebido no título (e no texto) de reportagem do Estado de S. Paulo de ontem sobre o evento: “Ao mudar governo, Dilma se rende à política e se afasta do perfil ‘gerentona”.
Desdobrando o Top Mail anterior – que à ênfase do título “Novo começo do governo Dilma” juntava a indagação “E qual o papel do PMDB?” – parece-me termos à frente dois cenários bem distintos, contraditórios. Um, positivo, admitido e estimulado em editorial do Globo, de anteontem – “Chances de afirmação do governo Dilma”. Que valoriza a imagem de autonomia em relação ao antecessor que a presidente procurou demonstrar de uma semana para cá; que aplaude a rejeição a pressões do PT na designação das novas ministras e o fato de que ela “manteve a uma distância segura o PMDB”, embora deva com este retomar logo o diálogo; que elogia o perfil “mais administrativo que a Casa Civil deverá ter”, mas cobrando um envolvimento pessoal de Dilma nas negociações político-partidárias; e que termina louvando a “forma elegante” do cumprimento dirigido por ela ao ex-presidente FHC na comemoração dos seus 80 anos.
Outro cenário, negativo, que estimo mais provável, é o de maior peso de tendências centralizadoras e voluntaristas no novo núcleo do governo. As quais, no plano político, alimentarão a persistência de conflitos na base parlamentar governista (em especial entre o PT e o PMDB), a serem reforçados por objetivos distintos e em grande medida contrapostos para as eleições municipais de 2012 e pela previsível acentuação de problemas na economia – crescimento do PIB este ano abaixo de 4%, sequência da pressão inflacionária, manutenção de altas taxas de juros e do baixo nível de nossas exportações industriais e de serviços. Problemas estes, além da abusiva carga tributária, que só seriam bem enfrentados com uma virada reformista do Planalto, tornada ainda improvável agora. Tal cenário de crise – que porá em xeque o projeto de continuidade do lulismo à frente do governo federal em 2014, abrindo à oposição bom espaço para crescimento mas não para representar alternativa ao atual governo – poderá ser substancialmente alterado, senão revertido, com um retorno ao comando das decisões centrais do Planalto do ex-presidente Lula. Com o respaldo de alta popularidade e a capacidade que tem de controle do PT e de reaglutinação pelo menos da maioria da atual base governista, a partir de efetivo diálogo com o PMDB, tudo isso com base na perspectiva de sua volta à presidência. Já defendida abertamente anteontem por Ciro Gomes. Eis uma outra fase do governo Dilma. De recuo forçado para a subordinação à liderança de Lula, que poderia ter a alternativa de recusa dela a isso, com um final esvaziado de seu mandato.
Jarbas de Holanda é jornalista
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