quinta-feira, 16 de junho de 2011

STF garante livre expressão e libera Marcha da Maconha

Em nome da liberdade de expressão, o Supremo Tribunal Federal liberou a realização da Marcha da Maconha e de protestos similares que defendem a descriminalização do uso de drogas. Foi uma decisão unânime dos 8 ministros que participaram da sessão. O argumento central do relator, ministro Celso de Mello, é que o Estado não tem direito de proibir o livre pensamento: "Nada se revela mais nocivo e perigoso que a pretensão do Estado de proibir a livre manifestação. O pensamento deve ser livre, sempre livre." Para o ministro Ayres Britto, não se pode impedir uma discussão alegando que ela trata de algo proibido: "Nenhuma lei pode se blindar contra a discussão de seu conteúdo, nem a Constituição está livre de questionamento." Os ministros entenderam que as manifestações não fazem apologia ao crime e ressaltaram que, durante os atos, não serão permitidos o consumo de drogas ou o estímulo ao uso. A ação foi proposta pela vice-procuradora geral da República Deborah Duprat. Novas marchas pela descriminalização de drogas estão previstas para sábado

STF libera Marcha da Maconha

Por unanimidade, ministros julgam que atos não configuram apologia ao crime

Carolina Brígido

OSupremo Tribunal Federal (STF) declarou ontem que não se pode proibir a realização de protestos em prol da descriminalização do uso de drogas. A decisão foi unânime, com a participação de oito dos 11 integrantes da Corte. Para os ministros, a chamada Marcha da Maconha e eventos similares são o retrato da liberdade de expressão, e não uma forma de apologia ao crime - como interpretaram alguns juízes brasileiros. Para o tribunal, o Estado não tem o direito de proibir o exercício do livre pensamento, uma garantia da Constituição.

- Nada se revela mais nocivo e perigoso que a pretensão do Estado de proibir a livre manifestação. O pensamento deve ser livre, sempre livre, permanentemente livre - disse o relator, ministro Celso de Mello. - O princípio majoritário não pode legitimar (...) a supressão, a frustração, a aniquilação de direitos fundamentais, como o livre exercício do direito de reunião e da liberdade de expressão, sob pena de descaracterização da própria essência que qualifica o estado democrático de direito.

No julgamento, os ministros ressaltaram que, nesse tipo de protesto, não será permitido consumo da droga ou estímulo ao uso. Os manifestantes também não podem usar armas ou agir com violência - como em qualquer outro evento público. Os ministros deixaram claro que, no julgamento, não estavam descriminalizando o uso da droga, mas declarando o direito à livre manifestação de opiniões sobre entorpecentes.

- A proteção judicial não contempla, e nem poderia fazê-lo, a criação de um espaço público imune à fiscalização do Estado. Menos ainda propugna que os manifestantes possam ocorrer em ilicitude de qualquer espécie, como, por exemplo, consumir drogas - alertou o relator.

- O indivíduo é livre para posicionar-se publicamente a favor da exclusão da incidência da norma penal sobre o consumo de drogas, mas não ao consumo do entorpecente propriamente dito - concordou Luiz Fux.

O relator ponderou que as manifestações em prol do uso da maconha costumam ser pacíficas e propõem a discussão do tema, sem fazer apologia a crimes ligados à droga - como o tráfico de entorpecentes.

- No caso da Marcha da Maconha, do que se pode perceber, não há qualquer espécie de enaltecimento, defesa ou justificativa do porte para consumo ou tráfico de drogas ilícitas, que são tipificados na vigente lei de drogas. Ao contrário, resta iminente a tentativa de pautar importante e necessário debate das políticas públicas e dos efeitos do proibicionismo - afirmou Celso.

Peluso defendeu direito das minorias

O presidente da Corte, Cezar Peluso, foi o último a votar e defendeu o direito das minorias:

- O governo não pode proibir expressões verbais ou não verbais apenas porque a sociedade as repute desagradáveis, ofensivas e contrárias ou incompatíveis com o pensamento dominante.

Em seu voto, Cármen Lúcia lembrou que, nos anos 1970, ela própria foi proibida de reunir-se em praça pública para debater o regime político do país. Segundo Cármen Lúcia, a discussão travada ontem no STF será considerada trivial em 30 anos. Para defender o direito de reunião, ela citou o verso "A praça é do povo, como o céu é do condor", de Castro Alves.

A ação foi proposta pela vice-procuradora-geral da República Deborah Duprat, em julho de 2009. Para ela, a liberdade de opinião é um "pressuposto para o funcionamento da democracia". A vice-procuradora-geral solicitou que o STF desse ao artigo 287 do Código Penal interpretação conforme a Constituição. O artigo tipifica "apologia de crime ou criminoso" e prevê pena de detenção de três a seis meses, ou multa.

- A liberdade de expressão ocupa uma posição privilegiada em toda e qualquer ordem constitucional. Para restringi-la, há de haver um ônus argumentativo muito forte - afirmou a vice-procuradora-geral.

Deborah citou como exemplo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que recentemente deu entrevistas a favor da descriminalização da maconha. A procuradora lembrou que ele não foi censurado por isso - e, portanto, os demais brasileiros também deveriam ter o mesmo direito de se expressar em público. Mais adiante, ao votar, o ministro Marco Aurélio Mello também citou o mesmo caso.

- Por que a conduta dele é distinta da de outras pessoas que se dispõem a discutir isso em ambiente público? Porque, se for por se tratar da condição de ex-presidente, estaríamos diante de condição absolutamente discriminatória - disse Deborah.

Antes da votação, a Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (Abesup) pediu, na mesma ação, que o Supremo autorizasse o uso da maconha para fins medicinais e religiosos. No entanto, os ministros sequer analisaram esse pedido, já que a ação era de autoria do Ministério Público.

Em maio, a Justiça proibiu manifestações pela legalização do uso de maconha em pelo menos nove capitais. Em São Paulo, houve confronto entre manifestantes e a Polícia Militar. Em 3 de junho, após vetada, a Marcha da Maconha do Distrito Federal foi realizada, mas como um protesto pela liberdade de expressão. O grupo substituiu a palavra "maconha" por "pamonha" no evento. No julgamento de ontem, um grupo protestou do lado de fora pela descriminalização da maconha com faixas e cornetas.

FONTE: O GLOBO

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