Com ampla articulação do PT, proposta que muda o índice de correção das dívidas de estados e municípios passa na Câmara. Capital paulista é a principal beneficiada pelo texto, que agora segue para o Senado
Leandro Kleber
Conseguiram ontem no plenário da Câmara, com ampla maioria, aprovar o projeto de lei complementar que trata da renegociação de dívidas de estados e municípios. A proposta beneficia principalmente a cidade de São Paulo. Parlamentares da oposição, principalmente do DEM, criticaram o texto e acusaram o PT de privilegiar o prefeito da capital paulista, Fernando Haddad. A maior metrópole brasileira contemplada pela medida encaminhada ao Congresso pelo Palácio do Planalto. O texto aprovado pela Câmara, que segue ao Senado, deverá beneficiar, ao todo, 180 cidades, das quais apenas São Paulo responde por mais de 80% dos R$ 65 bilhões passíveis de terem um novo indexador de correção. A votação foi folgada: 334 votos a favor e somente nove contra, depois de vários apelos de deputados do PT para que integrantes do partido e da base se dirigissem ao plenário.
A aprovação da medida ocorre em um momento de desconfianças do mercado. O governo é questionado por maquiar as suas contas e retroceder na economia. Além disso, economistas veem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), uma das principais conquistas para a transparência das contas públicas desde a democratização, ser atingida. Em seu artigo 35, a lei, sancionada em 2000, diz que “é vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação (...) e outro (...), ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente”. O governo nega.
A renegociação das dívidas dos estados e dos municípios vem sendo discutida há alguns anos no Congresso e sempre provoca polêmicas. O texto determina a mudança do índice de correção monetária, fixado nos anos 1990, para pagamento da dívida. Na época, os entes federativos, endividados, recorreram à União e contraíram, a partir daí, dívidas fixadas com índices que passavam de 20%. Atualmente, os estados devem R$ 467 bilhões, enquanto os municípios têm de quitar R$ 66 bilhões. Pelo texto, eles farão os pagamentos pelo menor índice que estiver em vigor: Selic ou IPCA mais 4% ao ano. O Correio mostrou, no último dia 12, que dos 180 municípios que poderão renegociar as dívidas com a União, a maioria é administrada por legendas da base aliada.
Os economistas Raul Velloso e Roberto Piscitelli avaliam que a renegociação das dívidas é uma medida necessária ao país. Porém, Velloso ressalta que o índice deveria ser fixado pela taxa Selic e Piscitelli acredita que os entes da Federação que não vinham pagando suas dívidas junto à União deveriam estar inscritos no cadastro de inadimplência.
Discussão
Os destaques ao texto principal da matéria, apresentados principalmente pela oposição, provocaram discussões acaloradas no plenário. Uma das emendas acabou aprovada: a que insere nas mudanças previstas na lei os contratos celebrados com base em legislação anterior a 1997, data em que a grande maioria dos contratos foi assinada. A medida beneficiará mais 14 unidades da Federação.
O líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), afirmou que a proposta é uma operação seletiva do governo: escolhe os sobreviventes e determina aqueles que vão quebrar. “Não é nenhuma atitude benevolente nem republicana, mas sim uma operação seletiva, para recuperar São Paulo e o PT”, afirmou. Caiado classificou o proposta como “projeto de lei Haddad”. “A matéria isenta o município de São Paulo em R$ 24 bilhões. Ou seja, São Paulo não precisará pagar isso. A dívida nordestina, de R$ 23 bilhões, é inferior a essa anistia”, disse.
O relator do projeto, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), admitiu que a capital paulista é a maior beneficiada, mas que é injusto tratar a questão dessa maneira. “A proposta é um avanço enorme ao país e vai dar alento a estados e municípios. É uma amostra de que o governo reconhece as dificuldades deles. Falar que São Paulo é o maior beneficiário é injustiça. São Paulo é o maior devedor, consequentemente o maior beneficiado”, argumentou.
O que diz a proposta
O texto aprovado na Câmara altera a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) “visando ajustar as formas de compensação das renúncias tributárias”. A proposta determina a mudança do índice de correção monetária, fixado nos anos 1990, para pagamento da dívida que os estados e municípios têm com a União. A modificação facilitará o cumprimento dos compromissos financeiros dos entes federativos, pois vai exigir a quitação da dívida pelo índice (IPCA ou Selic) que estiver mais baixo no momento. Assim, o governo atende uma reivindicação antiga de governadores e prefeitos, que alegam não ter orçamento para pagar os contratos. Economistas criticam a medida porque avaliam que ela fere o artigo 35 da LRF, que proíbe o refinanciamento da dívida. O governo, por sua vez, garante que a troca de indexador não se enquadra em refinanciamento e, por isso, o projeto é legal.
Fonte: Correio Braziliense
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