Há no Supremo um oportuno debate sobre a grande extensão do sistema de foro especial, convertido em mecanismo que garante a impunidade por decurso de prazo
E embora não se trate de uma jabuticaba, ou seja, algo exclusivamente brasileiro, o foro privilegiado é único na forma como se aplica no país. Recente reportagem do GLOBO, sobre a definição de Cortes específicas da Justiça para autoridades, comprovou que, pelo menos entre países de peso, não há nada igual à regra na forma como existe no Brasil.
Prova disso é a conclusão do estudo “Foro Privilegiado: pontos negativos e positivos”, de autoria do consultor legislativo da Câmara Newton Tavares Filho. Foram pesquisados sistemas de julgamento de autoridades em 16 países — França, Itália, Alemanha, Portugal, Espanha, Áustria, Dinamarca, Noruega, Suécia, EUA, México, Venezuela, Colômbia, Peru, Chile e Argentina. Em nenhum desses o sistema é tão amplo como o brasileiro. Pouco mais de 45 mil pessoas têm direito a não serem julgadas pela primeira instância. Por óbvio, trata-se de um mecanismo que ajuda a impunidade.
Mesmo que se entenda a razão pela qual este privilégio chegou ao paroxismo no Brasil. Uma medida de comparação é considerar que a China, com uma população de 1,3 bilhão de pessoas e uma avantajada máquina burocrática, por ser uma ditadura, concede apenas aos 2.987 membros do Congresso Nacional chinês o privilégio de serem processados com a autorização da cúpula do Parlamento, de 178 representantes.
Trata-se, na verdade, de mais uma herança maléfica da ditadura militar. Explica-se: como foi inevitável a Constituinte de 87, redatora da atual Constituição, promulgada no ano seguinte, ser condicionada pelos 21 anos de regime fechado vividos entre 1964 e 1985, houve uma tendência forte de se protegerem ocupantes de cargos públicos na máquina estatal, digamos, civil. Assim, a nova Carta patrocinou uma exagerada ampliação no número de autoridades beneficiadas por foro especial.
Foi o preço pago, na redemocratização, pela sanha dos militares nas ondas de cassação de servidores de incontáveis nichos da máquina pública: de ministros do Supremo a funcionários de estatais e autarquias. Deu nisso.
Rever a amplitude deste sistema brasileiro já é parte de debates no Supremo, um bom sinal. Mesmo porque a Corte é uma das instâncias sobre as quais pesa a responsabilidade de examinar denúncias contra presidentes da República, ministros do Executivo, deputados e senadores.
Em um despacho, o ministro Luís Roberto Barroso assinalou que há na Corte 500 processos contra parlamentares, número que aumentará com as denúncias a serem feitas pelo Ministério Público Federal com base em delações da cúpula da empreiteira Odebrecht. É certo que o foro privilegiado opera a favor dos denunciados, pois a chance de prescrição dos crimes é grande. Afinal, 11 ministros do STF dificilmente conseguirão dar conta de tamanha carga de trabalho dentro dos prazos legais.
Nos debates, Barroso tem defendido o critério aceitável de que o foro seja dos cargos, não das pessoas. Há, ainda, a discussão sobre a possibilidade de uma releitura da Carta feita pelo STF rever a extensão do foro especial.
Pode ser, mas é preciso cuidado para que a Corte não seja acusada de atropelar o Congresso. O indiscutível é que, desta forma ou por meio de emenda constitucional, este sistema precisa ser revisto.
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