Proposta original prevê aumentar, no futuro, exigência de 65 anos
Equipe econômica estuda abrir mão de gatilho automático que adiaria aposentadoria à medida que população envelhecesse. Regras de transição também podem ser alteradas na negociação com o Congresso
Para avançar com a reforma da Previdência no Congresso, o governo já estuda, nos bastidores, abrir mão da regra que cria um gatilho automático para elevar a idade mínima. Pela proposta original, a exigência de 65 anos para se aposentar seria progressivamente elevada à medida que a população brasileira envelhecesse. As regras de transição, que só contemplam os trabalhadores com mais de 50 anos (homens) e 45 anos (mulheres), também poderiam ser revistas, para incluir os mais jovens, informam GERALDA DOCA e BÁRBARA NASCIMENTO. Mas, neste caso, haveria um endurecimento nas exigências para os mais velhos, que também teriam de cumprir idade mínima. O governo cogita, ainda, recuar nas mudanças propostas para os benefícios assistenciais.
Idade mínima sem ‘gatilho’
Governo estuda desistir de regra que eleva limite de 65 anos à medida que população envelhece
Geralda Doca, Bárbara Nascimento e Roberta Scrivano | O Globo
-BRASÍLIA E SÃO PAULO- O governo pode abrir mão do gatilho previsto na proposta de reforma da Previdência para elevar a idade mínima para aposentadoria de acordo com a expectativa de vida do brasileiro. Pelo texto enviado ao Congresso, esse mecanismo seria acionado sempre que a chamada expectativa de sobrevida no país — projeção de quanto tempo a pessoa vai viver após completar 65 anos, que atualmente é de 18 anos — aumentar em um ano. As projeções apontam que isso aconteceria na virada de 2030, quando esse gatilho aumentaria a idade mínima de 65 para 66 anos. A mudança faz parte de uma série de concessões em estudo para facilitar a aprovação da proposta no Legislativo.
Outro ponto em discussão diz respeito às mudanças previstas para os benefícios assistenciais (BPC-Loas). Pela proposta original, esses benefícios deixariam de ser vinculados ao salário mínimo e teriam aumento gradual da idade para receber o auxílio, dos atuais 65 para 70 anos. O Executivo tende a recuar e deixar essa questão para ser tratada posteriormente.
Apesar do discurso oficial contrário a alterações na regra de transição, como defendem os parlamentares, o governo também já trabalha em uma proposta alternativa, mas dura, para esse mecanismo. O projeto do governo prevê que homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 anos terão de cumprir a idade mínima de 65 anos para se aposentar. Ou seja, serão submetidos integralmente à nova regra. A ideia é suavizar essa transição. Os detalhes estão sendo mantidos em segredo, para não prejudicar a negociação.
— A fase de transição não pode durar 30 anos, 40 anos, porque o país não pode esperar — disse uma fonte envolvida nas discussões.
Pelo texto encaminhado ao Congresso, a fase de transição será concluída em 20 anos, quando todos estarão enquadrados nas mesmas regras. O objetivo é elevar a idade média de aposentadoria, atualmente em 58 anos, para 65 anos nesse período.
A equipe econômica também resiste a abrir exceção na reforma da Previdência a grupos diferenciados, como policiais civis, professores e mulheres. Se o governo ceder para uma categoria, vai abrir precedentes e, aí, não conseguiria mais segurar, segundo um assessor do presidente Michel Temer.
De acordo com essa fonte, no caso da transição, a ideia dos negociadores do texto no Congresso é apresentar ao governo uma proposta que transforme o “degrau” em uma “rampa”. A analogia é para explicar a diferença de tratamento, por exemplo, entre um homem de 50 anos e outro de 49: enquanto o primeiro está enquadrado nas regras de transição, o segundo ficaria submetido integralmente às regras mais rígidas, embora tenham apenas um ano de diferença na idade.
Ainda assim, a ordem é fazer contas e propor contrapartidas. Uma delas seria fixar uma idade mínima progressiva para os mais velhos (mais de 50 anos, no caso dos homens, e de 45 anos, no das mulheres). A proposta atual não prevê idade mínima para esses trabalhadores, mas determina que, para se aposentar pelas regras atuais, eles paguem um pedágio de 50% sobre o tempo que faltar para requerer o benefício.
Técnicos do governo já avisaram que propostas para incluir na fase de transição todos os trabalhadores que já estão no mercado dificilmente serão aceitas. Isso porque essas mudanças levariam à desidratação do texto enviado ao Congresso e, consequentemente, reduziriam os efeitos da reforma nas contas públicas.
Embora tenha uma base forte no Congresso, o governo já percebeu que precisa vencer a batalha da comunicação: falta informação por parte dos parlamentares, que alegam que o texto enviado pelo Executivo dificulta a compreensão das regras.
— Eles não entendem, por exemplo, que a fase de transição prevista na proposta vai durar 20 anos, período em que as regras serão igualadas para todos. Que não será da noite para o dia — disse um assessor.
Neste momento, o esforço da equipe econômica junto às bancadas é de simplesmente esclarecer, sem acenar com qualquer possibilidade de mudança. Nos dois últimos dias, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, fez corpo a corpo junto às bancadas dos partidos aliados, para defender a reforma e responder a perguntas.
Ontem, em São Paulo, Meirelles refutou outra proposta de flexibilização da reforma: a redução da idade mínima para mulheres. A alteração, que é defendida por muitos parlamentares, acarretaria na necessidade de ampliar para 71 anos a idade mínima dos homens, disse o ministro.
— Para as contas fecharem, seria então necessário elevar a idade mínima doa homens — insistiu o ministro.
Com relação à aposentadoria rural, Meirelles lembrou que o déficit na Previdência rural saiu de R$ 14,7 bilhões em 2002 para R$ 103,4 bilhões no ano passado, um resultado “claramente negativo”, ressaltou:
— Existe uma evolução crescente do deficit da previdência rural. Isso é importante, porque a maior dificuldade de argumentação é a Previdência rural.
RELATOR: ‘NÃO PASSA DA FORMA QUE ESTÁ’
Apesar dos esforços da equipe econômica, o relator da reforma, deputado Arthur Maia (PPS-BA), avisou: já sabe que a proposta não será aprovada da forma como está e que as regras de transição terão de ser alteradas. Segundo ele, essa parte do projeto está “muito mal formulada”. A afirmação foi dada a servidores do Tribunal de Contas da União (TCU) durante um seminário sobre Previdência, um dia após o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmar que qualquer ampliação da regra de transição é inviável.
— Eu sei que a reforma não vai passar da forma como está. Alterações, ela vai ter. Particularmente em relação à regra de transição, mas também em relação aos trabalhadores rurais e aos regimes especiais — disse Maia.
Ele criticou a inflexibilidade da Fazenda e disse que já passou a Meirelles o recado de que o projeto não sairá do Congresso da forma como chegou. Perguntado sobre como o ministro teria recebido a informação, Maia disse que Meirelles é “uma esfinge”.
— Eu disse ao ministro Meirelles, diante dessa inflexibilidade da Fazenda, que o ótimo é inimigo do bom. Disse que “o que o senhor acha ótimo e o que os trabalhadores acham ótimo, não vai ser aprovado”. Vamos tentar construir um projeto bom — completou.
O prazo para entrega de emendas ao texto enviado do governo se encerra na próxima semana. Até ontem à tarde, foram apresentadas 27 propostas de mudança na comissão especial que trata da reforma. Elas pretendem alterar as regras de transição, a idade mínima, os benefícios assistenciais e a pensão, além de pleitos das corporações, como policiais civis e professores pela manutenção das aposentadorias especiais.
Maia deve fechar o relatório depois de 29 de março, quando acabam as audiências programadas pela comissão especial. A expectativa do governo é aprovar o texto até meados de abril, antes da Semana Santa.
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