- O Globo
O projeto político e econômico encabeçado pelo presidente Temer é refém não só das reformas, mas também de um crescimento mais forte
Ao fechar o ano de 2016 com um recuo de 3,6%, em relação ao ano anterior, a economia brasileira acumulou a mais intensa e prolongada contração econômica já observada no país. Em dois anos, o PIB sofreu uma retração inédita de mais de 7% e apresentou resultado ainda pior, em termos per capita, com perda de dramáticos 9%, no mesmo período.
Assim como a paternidade das iniciativas oficiais bem-sucedidas é disputada a tapa — ver, a propósito, o recente exemplo da transposição das águas do Rio São Francisco —, os fracassos — e não há maior do que o grande desastre econômico dos últimos anos — padecem de uma miserável orfandade. Os que se opõem à atual política econômica apontam o dedo acusador para os dois últimos trimestres do ano passado, os primeiros pós-impeachment, que registraram, de fato, a interrupção de uma tendência de contenção do ritmo da recessão, iniciada no terceiro trimestre de 2015. Autoridades e aliados do governo Temer, à frente o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, negam responsabilidade pelos números horrorosos, lembrando que o PIB de 2016 retrata um passado de desarranjos, cuja correção, já em curso, não seria possível conseguir em tempo tão curto.
Para variar, há um pouco de razão e muita torção nos argumentos em jogo. De um lado, a retomada que, de acordo com muitos defensores do impeachment, viria por gravidade, a partir do retorno ao terreno positivo dos índices de confiança na melhora das condições econômicas, não se confirmou. De outro, dada a amplitude dos desajustes produzidos na gestão de Dilma Rousseff, não há como negar o argumento de Meirelles.
O debate em relação ao que levou a economia a retornar ao caminho da retração depois da chegada de Temer ao Planalto serve de lembrete de que, no Brasil, até o passado é incerto. Na visão de críticos do governo, a reincidência da recessão, no segundo semestre do ano passado, deriva da política de austeridade fiscal adotada. Ocorre que, se isso fosse verdade, possivelmente os números do PIB de 2016 seriam ainda piores. Assim como em outros temas, no caso da política fiscal, o governo Temer não fez, pelo menos no ano passado, o que diz que deve ser feito. Os gastos públicos apresentaram forte expansão de 1,8% do PIB e as primeiras indicações para 2017 são de que o governo tende a resistir, na intensidade insinuada, a promover a austeridade que proclama.
Não é difícil entender esse tipo de hesitação quando se tem clara a disposição das peças no tabuleiro da travessia de Temer e aliados até as eleições de 2018. Está cada dia mais evidente que os objetivos são estancar dois tipos de sangria. Uma delas é aquela, já conhecida pela palavra de ordem do líder do governo no Senado, Romero Jucá, na direção de operar para reduzir danos potenciais que a Lava-Jato e congêneres possam provocar no centro do governo, atingindo inclusive o próprio presidente. Outra é a sangria da estagnação econômica, que manteria desemprego alto e consumo baixo.
No primeiro caso, a saída encontrada é a de manter foco em reformas, sobretudo na área econômica — Previdência, trabalhista, tributária —, com as quais se pretende atender a anseios e interesses de entidades e lideranças empresariais, mercado financeiro e estratos conservadores da sociedade. Para isso, é preciso operar na manutenção de uma base política forte no Congresso, com a oferta de cargos nas estruturas da administração pública e vantagens variadas, como garantia da aprovação das propostas.
Essas reformas, porém, ainda que, em certos casos e em determinado grau, sejam incontornáveis, se caracterizam pela restrição de direitos e benefícios adquiridos, que atingem não só camadas populares, mas também grupos organizados de interesses. Por isso, sem uma agenda paralela de crescimento mais forte, que se revele capaz de reduzir o desemprego, destravar o crédito e impulsionar o consumo, a tendência é ampliar os riscos eleitorais do projeto encabeçado por Temer. Para que o empreendimento chegue a bom termo, em resumo, será necessário ir além da estagnação para a qual a economia se encaminha ao deixar a recessão para trás.
*José Paulo Kupfer é jornalista
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