- O Estado de S. Paulo
A expectativa quanto ao cara a cara Lula-Moro virou uma sucessão de nãos, e pode frustrar
A palavrinha mais dita e mais escrita sobre o depoimento do ex-presidente Lula ao juiz Sérgio Moro, amanhã, em Curitiba, é curta e cortante: “não”. Não se pode fazer nada, Lula pode não falar nada de relevante e pode não acontecer nada.
Moro negou o pedido curioso da defesa de Lula para gravar tudo ao seu jeito, transformando a sala de audiências da 13.ª Vara Criminal de Curitiba num estúdio de TV. O juiz justificou que será um “ato normal do processo”, não um “evento político-partidário”, e aproveitou para dizer não à entrada de celulares. Também gravou vídeo pedindo aos defensores da Lava Jato que não façam manifestações, por temer que tudo descambe para uma espécie de guerra campal.
Após acusarem o juiz de falar “diretamente aos seus apoiadores”, os advogados de Lula escreveram que “isso não é próprio em um sistema democrático” e prosseguiram: “Em uma democracia, juízes não procuram e tentam influenciar a opinião pública”.
A guerra de “nãos” se estendeu às autoridades do Paraná. A prefeitura de Curitiba pediu à Justiça, e foi atendida, que não permitisse acampamentos espalhados pela cidade e não liberasse o acesso às imediações da Justiça Federal amanhã. A alegação é de risco à segurança pública.
Para manter o ritmo dos nãos e a grande expectativa, os advogados de Lula pediram ontem para não haver interrogatório amanhã, porque não houve tempo para examinar as informações e documentos que a Petrobrás anexou aos autos, estimados em 100 mil páginas. O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região é que dirá sim ou não.
O que está na pauta é uma das cinco ações em que Lula já é réu, a do triplex do Guarujá, que Lula jura que nunca foi dele, mas todos os demais teimam em jurar que é e que até a reforma da cozinha, nada modesta, foi bancada por empreiteiras ao gosto da família Lula da Silva, que vistoriava o andamento das obras.
Para a legião de apoiadores do PT e de Lula, isso é uma besteira. O apartamentozinho cafona nunca foi de Lula e, mesmo se fosse, não tem a menor importância na ordem das coisas e no papel que ele ocupa na história. Bem, a lei, a Justiça, a Lava Jato e o juiz Moro não pensam assim. Acham que isso é uma prova concreta da relação promíscua entre Lula e empreiteiras.
Além do triplex, Lula é réu em quatro outras ações: tentativa de comprar o silêncio de Nestor Cerveró nas investigações; usar sua influência no BNDES para financiar obras da Odebrecht em troca de contratos com um sobrinho; favorecer a Saab sueca na renovação da frota da FAB, além de montadoras na edição de MPs, em troca de contratos com o filho; receber o terreno do Instituto Lula em troca de favores.
E há mais duas investigações contra Lula. Uma sobre o sítio de Atibaia, que ele também jura que nunca foi dele, mas todos os demais teimam em juram que é, inclusive Emílio e Marcelo Odebrecht. A outra é sobre tráfico de influência para o BNDES despejar uma bolada nas obras de empreiteiras brasileiras em Cuba.
Sendo réu em tantos processos, candidato a réu em mais alguns, personagem central da Lava Jato e ao mesmo tempo adorado por seguidores incondicionais, Lula vai passar muito tempo dizendo não. Não, o sítio não era dele; não, o triplex não era dele; não, ele não tem nada a ver com Renato Duque; não, tudo o que os Odebrecht disseram não era verdade...
De outro lado, os especialistas dizem que não, não há prisão de Lula à vista amanhã. Aliás, é melhor levar a sério o alerta do juiz Moro de que se trata de “um ato normal do processo”, não um espetáculo político, nem cena de filme americano. Poderia até ser bem banal, não fosse Lula o acusado, que sempre pode falar a verdade, mentir ou ficar em silêncio. O carnaval fica por conta das caravanas vermelhas.
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