- O Globo
Ele não nega as falhas do mercado capitalista, mas tampouco deixa de apontar que um Estado pesado como o francês, que consome 57% do PIB!, precisa de ajustes
A audaciosa marcha de Emmanuel Macron começa agora. Governar a França é tarefa dura e imensa, como definiu o próprio presidente eleito, ao discursar à multidão reunida no Louvre. Ele e o mundo sabem que seu sucesso será uma forte barreira — assim como um eventual fracasso servirá de combustível — aos ímpetos populistas do extremismo mundo afora, à direita ou à esquerda.
Macron dispõe de um instrumento poderoso: falar a verdade. O mais jovem presidente francês não se rende ao proselitismo, diz às claras o que pode e vai fazer para recuperar empregos, combater o terrorismo e reforçar uma Europa unida, democrática e soberana. Daí vem sua força e jovialidade, mais do que de seus 39 anos.
No discurso da vitória, Macron reconheceu ter sido apoiado até pelos que desconhecem suas propostas, mas sabem a catástrofe que seria eleger Marine Le Pen. Por isso, afirmou que vai fazer tudo para que ninguém mais tenha motivos para votar nos extremismos.
Esse “tudo” pode ser conhecido no livro que publicou em dezembro passado, “Révolution”. Lá está o pensamento de quem compreende a crise de confiança sentida em diversos cantos do planeta — Brasil incluído. A fadiga democrática, escreve Macron, decorre de um desejo profundo de política e engajamento da cidadania que não suporta mais o que se convencionou chamar de “sistema”, associado à ineficácia da ação política.
“O medo do rebaixamento social, o temor diante de um mundo em crise, o fascínio pelos extremos ou os demagogos se alimentam desse ressentimento”, define Macron. O movimento que criou, En Marche!, engajou 260 mil membros em um ano e muitas das propostas do seu programa de governo vieram daí.
Macron não nega as falhas do mercado capitalista, mas tampouco deixa de apontar que um Estado pesado como o francês, que consome 57% do PIB!, precisa de ajustes. São medidas como revisão de aposentadorias abusivas (alinhar o benefício previdenciário à média da comunidade europeia, de 1.800 euros; reduzir o teto, hoje em sete mil euros; e criar um sistema único), maior eficiência do serviço público (corte de 120 mil cargos) e um mercado de trabalho mais dinâmico — quando ministro da Economia, foi o principal indutor da reforma laboral aprovada no ano passado. Atrai com isso críticas anacrônicas da direita e da esquerda, talvez o principal indicativo de sua força e consistência.
A marcha dos próximos cinco anos é buscar soluções em que se reconheça a importância do mercado e do Estado como indutores complementares de crescimento e justiça social. O poder público não é capaz de promover emprego e renda no volume necessário, assim como o setor privado sozinho não promove bem-estar e igualdade de oportunidades.
O trunfo de Macron é não ser mero símbolo de superação da dicotomia direita-esquerda e, principalmente, ter convicção de que a política é solução, e não problema. É apresentar ideias com mobilização e diálogo, sem confundir firmeza com intransigência. É a política exercida com maturidade, receita francesa que faria muito bem ao Brasil.
De imediato, Macron tem dois desafios: montar em uma semana um gabinete com dimensão para pôr suas ideias em prática e conquistar maioria nas eleições legislativas, daqui a cinco semanas. São tarefas imensas. Mas as mostras de ousadia qualificam o novo presidente, tanto quanto a trajetória de administrador e profundo conhecimento da história da França. Macron deve saber melhor que ninguém que, neste momento, ressoam as palavras proferidas por Danton em dezembro de 1792, quando o país estava em perigo: “De l’audace, encore de l’audace, toujours de l’audace” (Audácia, mais audácia, sempre audácia).
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José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela e foi presidente do PSDB
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