Com sua folgada vitória sobre a candidata da extrema direita, Marine Le Pen, Emmanuel Macron, líder do movimento independente Em Marcha, conquistou o poder na França sobre os escombros dos partidos tradicionais. Com isso, afastou provisoriamente os riscos de ruptura da União Europeia e arrefeceu o ímpeto dos partidos antiglobalização, estimulados pela vitória de Donald Trump, nos EUA, e do Brexit.
Macron terá agora de transformar sua corrente em partido político e colocá-lo à prova nas urnas em 11 de junho, início das eleições para 577 cadeiras da Assembleia Nacional. Se os ventos de renovação de sua "terceira via" não soprarem no parlamento e lhe assegurarem algo bem próximo das 290 cadeiras, Macron terá de enredar-se nas armadilhas e complicações dos acordos políticos. Esse caminho poderá minar o apoio, desfazer o arrebatamento que a rápida arrancada rumo ao Palácio do Eliseu propiciou e impedir a execução de seu programa.
A força eleitoral de Macron arrancou seu poder da divisão entre os franceses e da debacle dos socialistas e republicanos. Conseguir trânsfugas para seu governo e o apoio das forças tradicionais da V República não será tarefa fácil, mas certamente mais tranquila do que cortar o caminho da radicalização nos dois extremos do polo político. Marine, da Frente Nacional, e Jean-Luc Mélenchon, dos Insubmissos, arrebataram 45,4% dos votos no primeiro turno. O número dos que rejeitariam uma política centrista ou de "terceira via" chega à maioria, se a eles se somarem os votos do socialista Benoît Hamon, candidato da esquerda do Partido Socialista, surrado impiedosamente nas urnas.
No segundo turno, votos nulos e abstenções reduziram os votos válidos de 78% do total, no primeiro turno, para 63,2%, no domingo, em grande parte pelo fato de que os eleitores de Mélenchon (19,58%) resolveram não ir às urnas ou recusarem a alternativa apresentada na cédula. Ao fim das contas, Macron venceu o segundo turno com 66,1% dos votos, isto é, obteve a preferência de 34,8% dos votos válidos. No primeiro turno, obtivera 30,7%.
Assim, no caminho de uma necessária convincente vitória nas eleições legislativas de Macron encontram-se a extrema esquerda e direita, que serão a oposição irreconciliável a seu governo, o Partido Socialista, que luta pela sobrevivência, e os Republicanos, que perderam prestígio. Uma parcela das forças tradicionais se amoldará à nova situação e embarcará no partido que resultar do Em Marcha. Os republicanos podem discordar da parcela social do programa econômico de Macron, mas apoiam a redução do Estado, do déficit público e as reformas, apenas queriam que essas mudanças fossem mais radicais - ainda que se tratasse de blefes eleitorais. Macron pode também ser atração natural para a direita do PS, da qual o ex-primeiro-ministro Manuel Valls é um expoente.
O enorme ponto de interrogação é se um programa de centro, liberal e moderado, será capaz de desarmar o poder e popularidade da oposição radical e permitir um início de governo sem amarras para o eleito. As promessas eleitorais de Macron não parecem ser particularmente propensas a afastar preocupações que jogaram muitos jovens nos braços de Marine e inflado o eleitorado de Mélenchon. Ele prometeu cortar 120 mil cargos públicos, reduzir impostos para empresas e encargos sobre salários, diminuir em um terço o número de parlamentares e universalizar o seguro-desemprego. Quer flexibilizar a semana de 35 horas, permitindo o aumento da carga diária de trabalho, passo que já despertou no passado, e ainda desperta, a ira dos sindicatos. Sem o apoio da direita tradicional, dos Republicanos, Macron pode não criar um centro de gravidade para seu governo, a menos que seu partido obtenha de cara maioria no parlamento.
É importante o resultado do impulso dado pelo Em Marcha à revitalização da democracia, por fora dos velhos partidos, com um movimento de base descentralizado e bem organizado. O movimento preencherá a lista de candidatos ao parlamento com boa parte de novatos na política, que dela pretendem participar renovando seus métodos. De que esse movimento seja forte o suficiente depende a capacidade que Macron terá para governar. Com os extremos entrincheirados, buscar a saída pelo centro pode parecer uma boa ideia ou uma miragem, o que só o futuro dirá.
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