José Marques | Folha de S. Paulo
CURITIBA - O juiz Sergio Moro afirmou na noite desta segunda (8), dois dias antes do interrogatório do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que a audiência "não é um confronto" e que ele se preocupa com o clima de disputa que se formou em torno da data.
"O processo não é uma guerra. O processo não é uma batalha, o processo não é uma arena. Em realidade as partes do processo são a acusação e a defesa. Não o juiz. O juiz não é parte no processo", afirmou, em evento sobre eficiência na gestão pública, em Curitiba.
"Me preocupa um pouco esse clima de confronto, essa elevada expectativa em relação a algo que pode ser extremamente banal. E diga-se: nada de conclusivo vai sair nessa data", acrescentou.
Moro abriu a sua palestra com o recado sobre o depoimento. "Não sei se estão a par, mas na quarta-feira (10) vai haver esse interrogatório", disse, sob risos da plateia. Sem citar o nome de Lula –o chamou apenas de "o acusado"–, afirmou que, apesar das expectativas, o depoimento é "normal dentro do processo".
Comparou com o primeiro interrogatório de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, na Lava Jato, em 2015, que considerou "absolutamente banal".
"O fato é que esse interrogatório é meramente uma oportunidade que o acusado tem de se defender no processo", disse, acrescentando que o réu pode "até faltar com a verdade", já que a legislação não prevê crime de falso testemunho em oitiva de acusado.
O juiz voltou a pedir que apoiadores da Lava Jato não façam manifestações na quarta para evitar problemas de segurança. "Usando aquelas metáforas futebolísticas: é melhor que seja um jogo de uma torcida única". "Eu digo isso com tranquilidade porque eu não sou algum dos times em campo, eu sou um juiz", afirmou.
De terno preto, Moro foi questionado por uma pessoa na plateia sobre a gravata vermelha que usava –a cor normalmente é associada ao PT, partido de Lula.
"Isso é vermelho de fraternidade", brincou, seguido por aplausos e risos dos ouvintes.
Lula será ouvido na ação em que é réu sob acusação de ter recebido vantagens indevidas da empreiteira OAS, entre elas um tríplex em Guarujá, no litoral de São Paulo.
A defesa do ex-presidente nega que ele tenha cometido irregularidades e tem dito que Sergio Moro age de forma parcial no processo.
Antes da palestra, a Fiep (Federação de Indústrias do Paraná) lançou uma campanha para que, no dia do depoimento de Lula a Moro, as pessoas usem camisas brancas e estendam bandeira verde e amarela em suas janelas.
A palestra foi feita no congresso "Pacto Pelo Brasil", do Observatório Social do Brasil. Mais cedo, o procurador Deltan Dallagnol, do Ministério Público Federal, disse no mesmo evento que, entre os envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras, os políticos são os que "menos reconheceram seus crimes até agora".
PRISÕES PREVENTIVAS
Em mesa redonda após a palestra, Moro comentou sobre prisões preventivas no âmbito da Lava Jato. Nas últimas semanas, algumas delas foram revogadas nas últimas semanas pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal.
Para ele, as prisões se justificam não só em casos de risco de fuga ou destruição de prova, mas porque é necessário agir "com vigor" para conter quem comete crimes de corrupção "de forma contínua".
"De certa maneira, a Operação Lava Jato é muito fruto do precedente da ação penal 470 [o mensalão]. Aquilo foi um marco, rompendo com uma tradição de impunidade", afirmou Moro.
"Mas, quando eu vejo indivíduos que receberam vantagens indevidas nesse esquema julgado na ação penal 470 e depois receberam propinas nesse esquema criminoso que vitimou a Petrobras, eu me indago se as coisas não poderiam ter sido muito diferentes se, por exemplo, em 2005 e 2006, não tivessem sido decretadas algumas prisões preventivas nesse chamado caso mensalão", acrescentou.
Semana passada, o Supremo libertou o ex-ministro José Dirceu, condenado tanto no esquema do mensalão quanto na primeira instância da Lava Jato –ele recorre e aguarda decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de Porto Alegre.
"Não me compreendam mal, não estou fazendo aqui uma crítica ao Supremo Tribunal Federal, porque o Supremo Tribunal Federal não tinha bola de cristal. Não poderia saber que aqueles indivíduos iriam receber propina em outros esquemas criminosos, mas talvez o caráter serial daquele comportamento já verificado naquela época fosse o indicativo disso", disse o juiz.
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