- Valor Econômico
Fixar a meta de inflação bem abaixo de 4,5% seria um tiro no escuro diante do cenário político nebuloso
A continuada queda da inflação brasileira - a deflação já atingiu os IGPs e pode chegar ao IPCA de junho, segundo alguns analistas - tem suscitado divergência de opinião quanto às causas. O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, em entrevista a este jornal, edição de sexta-feira, sustentou que o comportamento da inflação descendente no Brasil comprova a tese de que "juros derrubam preços". Para outros economistas, o acentuado processo de redução dos preços decorre da recessão que comeu pelo menos 9% do PIB desde o segundo trimestre de 2014.
O declínio da taxa Selic observado desde agosto do ano passado - o nível de 14,25% do juro básico ao ano baixou para 10,25% em fins de maio - buscou compatibilizar o preço do dinheiro à redução observada nos preços dos bens e serviços. Poderia ter caído mais, muito provavelmente, não fosse a persistência do quadro de insegurança política. A taxa nominal do juro pode cair até o ponto em que não comprometa a atratividade da taxa de juro real (descontada a inflação).
A rigor, a política monetária tem procurado adaptar-se ao processo acelerado de baixa da inflação cuja rapidez não foi prevista por ninguém há cerca de três meses. Ao acentuar os percentuais de queda dos juros, o BC tenta trazer a taxa para patamares mais condizentes com a realidade de recessão do país, mas não tem conseguido a mesma sintonia com a taxa do juro básico em termos reais. Este mantem-se em níveis extremamente elevados para padrões internacionais.
Para se ter uma ideia do comportamento da taxa Selic em termos reais, basta verificar os dados a partir de agosto do ano passado, quando o juro básico ainda se encontrava no elevado patamar de 14,25% ao ano para uma taxa de inflação do IPCA que corria a 8,97% ao ano, no acumulado de doze meses. Naquela configuração, a taxa real da Selic ficou em torno de 4,85% ao ano. Já em outubro, com a redução da Selic nominal para 14%, o juro real aumentou para 5,68% considerando o IPCA de 7,87%.
Em fevereiro deste ano, a taxa Selic caiu para 12,25%, mas em termos reais ficou ainda maior, ao redor de 7,16% ao ano, tendo em vista a evolução de 4,75% observada no IPCA em doze meses. Em abril, com a decisão de reduzir a Selic em um ponto de porcentagem, a taxa básica do BC caiu para 11,25% mas continuou alta em termos reais, em torno de 6,89%, para uma inflação de 4,08%.
Nitidamente, o BC tem acelerado o passo com vistas a manter a Selic em sintonia com o quadro de recessão e, consequentemente, com a significativa queda dos preços, mas não tem dado conta de acompanhar a velocidade com que tem caído a taxa da inflação.
Para a próxima reunião do Copom, a expectativa é de que a taxa Selic nominal seja abatida entre 0,75 e um ponto de porcentagem. Na primeira hipótese, diante do IPCA atual de 3,6%, o juro real ficaria ao redor de 5,69%. O problema é que a inflação acumulada poderá ser ainda menor em julho, dificultando a calibragem da taxa real com o quadro de recessão do país.
Vale observar, por outro lado, que uma redução ainda mais drástica da Selic nominal tenderia a desancorar as expectativas com relação ao comportamento futuro dos juros. Esse é um ponto importante. Não se pode desconsiderar a importância dos juros reais para a captação de recursos no mercado por parte do governo, especialmente em épocas de baixa arrecadação pelas vias fiscais. Os investidores, nacionais e estrangeiros, só investem se o retorno for atrativo em termos reais. Em se tratando de papéis brasileiros, a taxa de retorno demandada é proporcional ao tamanho da insegurança política que deixa a todos desnorteados, sem saber que rumo surgirá pela frente.
Por mais que o governo tente desvincular o cenário econômico da política, o agravamento do nível de incertezas leva irredutivelmente à descrença nos políticos, estejam eles abrigados no Poder Executivo ou no Legislativo. Por mais que a retórica use uma roupagem de aparente otimismo, inclusive no meio empresarial, não dá para acreditar que consumidores e investidores sejam cegos, surdos e incapazes de perceber a situação política tal qual se impõe no rastro da deterioração revelada pela Lava-Jato e por outras investigações paralelas.
Diz-se no jargão do economês que a recessão cura a inflação, justamente porque sem atividade econômica ou a um nível muito baixo os bens e produtos transacionados tendem a cair. Não há poder aquisitivo suficiente para pressionar os preços, de um lado. Na outra ponta, a oferta procura fazer de tudo para garantir o mínimo de demanda possível no mercado enquanto houver estoques, obviamente. A situação mais tenebrosa é aquela em que a economia não reage, mas os preços sobem por falta de produtos disponíveis no varejo.
Deve-se destacar aqui, a relevância da taxa de câmbio como amortecedor necessário para equilibrar a oferta interna. Neste ponto, a conjuntura internacional tem ajudado o Brasil.
Por tudo o que se tem, se vê e se sente, percebe-se quão importante será a decisão do CMN (Conselho Monetário Nacional), na reunião desta semana, sobre a meta de inflação para 2019. Diante de um quadro que resvala a deflação, o bom senso apontaria para a fixação de uma meta bem abaixo do atual nível de 4,5% ao ano (referente ao núcleo da meta), mas isso seria um tiro no escuro, tendo em vista justamente o cenário nebuloso. Um abatimento para 4,25% seria residual, mas sem dúvida poderia ajudar o governo no esforço de vencer os efeitos danosos das intempéries políticas com novidades auspiciosas no campo econômico. Já a redução para 4%, como alguns prevêem, seria um passo ousado na atual circunstância, com possível viabilidade no futuro próximo.
A questão que se coloca, no que diz respeito a adivinhar o comportamento da inflação dentro de dois anos, é que não se sabe quando e nem como o PIB voltará a crescer com robustez. Afinal, ainda não se testou no Brasil a hipótese de economia em expansão com inflação baixa e taxa de juros ao nível de países desenvolvidos.
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