terça-feira, 27 de junho de 2017

Diretas já é quebra de contrato | Eduardo Oinegue

- Folha de S. Paulo

Por estar associada a rupturas e a casuísmos praticados ao longo de nossa história, a eleição indireta tornou-se símbolo do descompromisso dos políticos brasileiros com a vontade popular.

O Marechal Deodoro, que fecharia o Congresso Nacional, prenderia políticos de oposição e censuraria a imprensa, foi eleito indiretamente em 1891, depois de proclamar a República e chefiar um governo provisório. Getúlio Vargas, que dissolveria o Parlamento, extinguiria os partidos e instalaria no Brasil uma ditadura, também foi eleito de forma indireta em 1934.

A eleição indireta voltaria a ser empregada no ciclo militar de 1964, que depôs João Goulart e levou ao Palácio do Planalto cinco generais. E quando o Brasil achava que finalmente votaria para presidente na redemocratização, uma emenda propondo a eleição direta acabou derrotada e amargamos outra eleição indireta, que elegeu Tancredo Neves, em 1985.

Com a Constituição de 1988, a eleição indireta perdeu força. Já não pode ser utilizada, como antes, para iniciar mandatos, apenas para complementá-los. E num único caso: quando os cargos de presidente e de vice ficam vagos a partir do terceiro ano de governo. Antes disso, a sucessão se faz pela via direta.

O Brasil está mergulhado numa crise inédita. Tivemos uma presidente impedida; o vice, tornado presidente, enfrenta a delação mais do que premiada dos irmãos Batista, e quase duas dezenas de governadores e uma centena de parlamentares estão envolvidos em denúncias.

Em meio ao desacerto, o que surge como solução milagrosa proposta por vozes coroadas? As diretas já.

A ideia é bem simples. O Congresso Nacional aprova uma emenda constitucional introduzindo diretas já. Em seguida, alguém pede a Temer que "adote um gesto de grandeza", como foi dito, e renuncie. Pronto. Poderemos então escolher um novo presidente que, esse sim, representará os brasileiros.

O projeto, se é que se pode chamar isso de projeto, contém inúmeras fragilidades, a começar por duas bem objetivas. Primeira: nosso desafio não é aprovar mais uma reforma constitucional, mas operar uma revolução ética. Segunda: em todas suas manifestações, Temer tem deixado claro que não renunciará.

Mas tudo bem. Imaginemos, para efeito de raciocínio, que Temer concordasse em deixar o Planalto. Ainda assim, a emenda representaria uma dupla agressão.

Agressão à Constituição, que prevê claramente a eleição indireta para este momento teórico. E, por mais paradoxal que pareça, agressão à soberania popular.

Ao votar em 2014, os eleitores firmaram um contrato, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2015 e vale até 1º de janeiro de 2019. Todas as cláusulas desse contrato estão sendo cumpridas, até aquela que derrubou a presidente por pedalada fiscal. E país sério não quebra contratos.

Aceitar a emenda das diretas é anunciar ao Brasil que a vontade da maioria do Parlamento de hoje se sobrepõe à vontade da maioria dos eleitores de ontem.

Eleição indireta não tem virtudes, nem defeitos. Tem características. No sistema parlamentarista, que muitos defendem para o Brasil, os primeiros-ministros são escolhidos indiretamente pelos parlamentares. E nos Estados Unidos a eleição também é indireta. Os eleitores escolhem delegados, e estes, o presidente.

A democracia existe para, de forma estável, garantir uma sociedade livre. E a sociedade só é livre quando os governantes estão obrigados a observar regras que não mudam ao sabor dos ventos.
Impressiona a lista de iluminados defendendo o contrário.
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Eduardo Oinegue, jornalista, é sócio da Análise Editorial, consultor de empresas e colunista da Rádio Bandeirantes e da Band News FM. Foi redator-chefe de "Veja" e diretor de Redação da revista "Exame"

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